Foi numa fria manhã de sexta-feira, 4, que Miguel Pinto Luz, 41 anos, falou durante 61 minutos com a VISÃO, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Ao longo da entrevista, o vice-presidente da Câmara de Cascais e ex-líder da distrital do PSD-Lisboa deixou claro que está numa geografia política diferente de Rui Rio. Tem perdido o sono com as sondagens, até porque estas, observou, traduzem que “não há oposição” a António Costa. Sobre a governação das esquerdas, sublinha que Mário Centeno não conseguiu mais que “uma mão-cheia de nada”, isto é, que o défice zero traduz apenas uma “cosmética contabilística”. Acerca da Europa, entende que não se podem adiar mais as decisões sobre a mutualização das dívidas, a união bancária ou a harmonização fiscal.
Por onde irá o PSD em 2019?
O PSD em 2019 terá três atos eleitorais importantíssimos (as europeias, as regionais da Madeira e as legislativas) e tem de se unir à volta de uma estratégia e de uma agenda, que ainda não vi, para os conquistar. Eu não apoiei Rui Rio, como não apoiei Pedro Santana Lopes, mas respeito a vontade dos militantes, foi claro o mandato conferido a Rui Rio para o biénio que contempla esses atos eleitorais. Mas estou profundamente preocupado. Primeiro, pela falta de diferenciação do espaço entre PS e PSD. Há uma amálgama ao centro e uma ausência de um ideário e de uma agenda do PSD. Temos de dizer claramente que temos uma visão de País e de sociedade diferente desta que António Costa está a implementar. A segunda falha é combate, falta combate. A direção do PSD despende demasiada energia no combate à pseudo-oposição organizada interna, que eu não vejo. Eu via essa oposição organizada a Manuela Ferreira Leite, a Luís Marques Mendes, hoje não vejo.
Quando dirigiu a carta aberta a Rui Rio, antes do Congresso, lançou-lhe sete perguntas (sobre a sustentabilidade do Estado social, precariedade, retenção de talentos, etc.). Já obteve ou percebeu as respostas?
Não! Para mim, é clara a ausência de agenda. Isso preocupa-me, mas não invalida que continue na posição que assumi há um ano de que ainda há tempo para combater este PS e ganhar as eleições.
As pessoas têm mais dinheiro nos bolsos, pelo menos no início do mês, quando recebem os salários. Fica mais difícil fazer oposição.
Isso, no início, pesou. Hoje, os portugueses têm muito claro, perante a ausência do Estado em situações críticas como Borba, Tancos, os incêndios, o Serviço Nacional de Saúde [SNS], que o rei vai nu, que as vacas não voam e que a geringonça vive para a sua própria sobrevivência. As sondagens não espelham isso porque não há oposição em Portugal a apresentar um modelo alternativo.
Bruno Vitorino, presidente da distrital de Setúbal, defendeu a demissão do vice-presidente Salvador Malheiro por este ter atacado Luís Campos Ferreira e sugerido que aselhas são aqueles que “nas suas terras perdem repetidamente eleições”. Também entende que Malheiro não tem condições para continuar?
Quem tem de avaliar é Rui Rio. Coisa diferente é dizer que estou profundamente solidário com militantes que são injustamente atacados. Quer-se fazer do PSD não o partido de Sá Carneiro, mas o partido do Twitter. Faz-se hoje política no Twitter, mas, em vez de ser um combate a António Costa e à geringonça, é um combate interno, intestino, que não tem trazido resultados. É politiquice com a qual não me identifico e os portugueses estão fartos disto.
Ter vice-presidentes ou secretários-gerais a braços com investigações judiciais, haver deputados com falsas presenças e existirem tensões e silenciamentos na bancada parlamentar não dinamita o trabalho de qualquer líder?
Dinamita, são pedras constantes no caminho da oposição que devia estar a ser feita ao PS. Este tipo de situações prejudicam o caminho que estamos a trilhar e desfocam a direção, os militantes e o eleitorado.
Consigo como líder, deputados com presenças em plenários em que não estiveram continuariam em funções? E vice-presidentes ou secretários-gerais investigados pelo Ministério Público?
Não acredito na judicialização da política e acredito na separação clara dos dois poderes. Coisa diferente são comportamentos não éticos. Há dimensão ética e política nestes problemas e, aí, sim, as direções dos partidos têm de tomar posições claras, em que o eleitorado não veja qualquer ambiguidade. Estes dossiês foram tudo menos bem geridos…
Não respondeu.
Se colocássemos esse cenário hipotético, que não se coloca neste momento, não compactuaria com comportamentos menos éticos ou que não estivessem de acordo com a grelha de valores e de comportamento político que exigimos a um militante do PSD e, neste caso, que desempenhe um alto cargo da nação.
Ou seja, os vice-presidentes, secretários-gerais e deputados não continuariam em funções?
As situações não são equiparáveis, teriam de ser analisadas caso a caso. Colocar tudo no mesmo saco leva muitas vezes a injustiças…
As sondagens colocam o partido bem abaixo dos 30%. Teme que suceda ao PSD o que tem acontecido a várias forças moderadas na Europa, tornando-se quase irrelevante? A direita pode mesmo ter de se reconfigurar?
Tiram-me o sono sondagens que colocam a direita num limiar inaudito e num espaço quase irrelevante na sociedade portuguesa. Não diria que vai obrigar a uma reordenação do centro-direita, mas ao aparecimento de novas caras, agendas e formas de comunicar.
A saída de Santana Lopes foi uma traição a quem acreditou nele e ao próprio partido? E pode vir a prejudicar o resultado do PSD?
Foi uma traição a quem acreditou nele. Eu nunca acreditei e já disse que Santana Lopes muda de opinião como qualquer um de nós muda de camisa. Esta inconstância é a vida de Santana Lopes. De todos os movimentos partidários e cívicos que vejo na sociedade civil, o Aliança é o que menos me preocupa porque não corporiza nada de novo, não tem caras novas, não tem uma agenda nova e tem como líder alguém que nos últimos 40 anos foi um dos protagonistas que trouxe o País ao ponto em que estamos. E agora esquece esse legado todo e diz que vai fazer diferente, já depois dos 60 [anos]? Só acredita quem quer… Eu não acredito que os portugueses se deixem enganar outra vez por Santana Lopes.
Acha que o Aliança vai conseguir eleger deputados?
Futurologias… Se elege um, dois, três, não faço ideia nenhuma. Terá o seu espaço, mas acho que não vai fazer mossa.
Lamenta a desfiliação de André Ventura? O PSD podia servir de incubadora àquele tipo de discurso?
Não, não podia!
A direita precisa de algumas daquelas ideias para sobreviver?
A direita não precisa de enveredar por caminhos populistas e demagógicos para, em desespero de causa, reconquistar o eleitorado perdido. O que a direita tem de fazer para reconquistar esse espaço é, sem medos, sem ambiguidades, falar dos problemas das pessoas.
É associado a uma corrente mais liberal dentro do PSD. Do ponto de vista ideológico, o que o diferencia de Rui Rio?
Esse rótulo foi-me colocado por ter apoiado Passos Coelho. É ser um perigoso liberal defender, como eu defendo, que o Estado, perante o inverno demográfico que vivemos, garanta ensino pré-escolar universal e gratuito? Defender o Estado Social, mas dizer que não temos dinheiro para o pagar e que temos de o reformar é ser liberal? Podem querer colocar-me o rótulo, mas não o aceito.
Já afirmou que não se exclui do futuro do PSD. Que credenciais tem para apresentar aos militantes e aos portugueses, até por comparação com Luís Montenegro, Paulo Rangel ou Pedro Duarte?
Não quero alimentar um discurso divisionista, mas deixe-me dizer que não me passam atestados de menoridade. Enquanto permanecer esse discurso de que só pode ser líder um conjunto muito restrito de sumidades, nunca mais renovaremos, nunca mais traremos caras novas.
2018 foi outro ano em que o País esteve preso por arames em vários setores. Porém, está ou não melhor do que em 2015?
Os portugueses têm mais dinheiro no bolso porque o PS decidiu, de forma irresponsável, acelerar a reposição dos rendimentos e, depois, aumentou a carga fiscal. Por outro lado, o País está mais distante da Europa, mais endividado, os serviços públicos descapitalizados, não há manutenção de infraestruturas e o Governo apresenta pacotes de investimento quando ainda não conseguiu sequer consumir o último (80% do último pacote de apoio comunitário está por ser consumido). O Governo tem uma incapacidade de investir e de implementar políticas, mas depois tem uma capacidade enorme de comunicar, de vender ilusões. O País está pior, está pior preparado para uma crise que, mais cedo ou mais tarde, virá – e não estou a vender que vem aí o diabo – porque a Europa não está saudável.
O pré-anunciado défice zero e a devolução de rendimentos deixam PSD e CDS (e até mesmo BE e PCP) sem discurso?
Os portugueses utilizam o SNS, utilizam estradas e veem como elas estão e como a Infraestruturas de Portugal está a investir… E, se calhar, usam a ferrovia e veem como está decrépita e não há planos de investimento. E, depois, há anúncios sucessivos de planos de investimento e não acontece nada. E o Governo ainda tem a desfaçatez de sacudir a água do capote e de se desresponsabilizar perante as tragédias, e não acontece nada. O rei vai nu, a culpa morre sempre solteira. Isto era o que o PSD tinha de dizer.
O epíteto de Ronaldo das Finanças ou a distinção atribuída pelo The Banker a Mário Centeno parecem-lhe ajustados?
Infelizmente, que aquilo que foi construído pela superstar Mário Centeno é uma mão-cheia de nada, é uma cosmética contabilística. Quando cairmos na realidade, vai ser tarde e temo que seja o PSD outra vez chamado a resolver a situação de um País irremediavelmente adiado. Esse PSD que é sempre chamado para acudir às emergências nacionais tem, de uma vez por todas, de dizer chega.
Há uns meses lançou um tema-tabu para grande parte do PSD: a mutualização da dívida. Não lhe parece que iria acentuar lógicas de confrontação entre o norte, disciplinado, e o sul, esbanjador?
Isso já existe. Eu, que sou um europeísta convicto e que entendo que a Europa só tem um caminho, que é reforçar a integração, vejo a Europa completamente partida e vemos a Península Ibérica a jangada de pedra de Saramago, um bocadinho à deriva e sem rumo. Mas isso enquadra-se numa visão europeísta mais lata.
E seria acompanhada por uma harmonização fiscal no espaço comunitário?
Harmonização fiscal, união bancária… Tudo aquilo que Passos Coelho defendeu. A visão da união bancária que Passos Coelho defendeu ainda não foi implementada! Esta Europa tribal não consegue tomar decisões sobre nada. Por isso, a Nova Liga Hanseática [composta por Dinamarca, Suécia, Finlândia, Holanda, Irlanda, Letónia, Estónia e Lituânia] está a querer desenvolver esses temas de forma mais acelerada. Veja-se o pseudo-reformista [Emmanuel] Macron, que implementou um conjunto de medidas importantes em termos fiscais, ambientais, de flexibilização do mercado de trabalho, mas, depois, quando devia ter trazido, concomitantemente, uma política clara de incentivos aos empresários, não o fez. E isso transformou Macron em alguém que se limitou a dar resposta às ruas e perdeu a aura do reformismo. Quando chegou ao limiar, teve medo…
Embora pejados de extremistas, movimentos como os coletes amarelos franceses não serão também resultado da degradação da relação entre o poder político e a população? Não lhe parece que muitos democratas, até em Portugal, ouvem o povo, mas não o conseguem compreender?
Conseguem compreender, e bem. Estão é formatados para uma maneira de fazer política e não conseguem pensar fora da caixa. Falta-lhes mundividência, conhecimento da nova realidade e do novo ritmo de obsolescência e não têm respostas. São precisos novos protagonistas, de cara lavada, sem medo, dogmas ou preconceitos.
Defende a criação de um exército europeu, como sugeriram o sr. Macron e a srª. Merkel?
Não, não temos de duplicar esse tipo de respostas, mas temos de perceber que a realidade da NATO mudou e temos de olhar para ela de outra forma. Os EUA olham para a Europa como um território consolidado, mas, acima de tudo, onde não se decide o futuro. Os EUA olham para o continente asiático como os novos espaços estratégicos de influência e, por isso, a administração Trump veio dizer que a Europa não tem investido em Defesa, porque a Europa, de alguma forma, fez o outsourcing da Defesa nos últimos 60 anos.
Perante o sentimento de perda de relevância da Europa no panorama mundial, as crises migratórias e a vaga de refugiados, os problemas de inclusão, as lacunas do Estado Social e o distanciamento entre eleitos e eleitores, considera que temos o caldo ideal para que os populismos tenham um novo impulso nas europeias?
Corremos o risco, pela primeira vez desde a fundação do Parlamento Europeu, de as forças moderadas não serem maioritárias. Os extremos e os populistas estão a ganhar espaço por incompetência e ausência de resposta dos moderados. Até digo mais, muitas vezes, mais do que medo, é uma atitude oportunista. Dizem “A Europa precisa de mudar e, se calhar, esses populistas até podem ser-nos úteis”. Abdicam do seu espaço e da sua vontade transformadora e delegam nos ditos populistas porque entendem que, a seu tempo, podem vir a ocupar novamente esse espaço.
O perigo está também na família política de PSD e de CDS. O Partido Popular Europeu (PPE) deveria albergar, como faz, o Fidesz de Viktor Orbán?
Não! E acho inconcebível como é que o PSD não tem uma opinião clara sobre isto. O PPE foi criado para conquistar a presidência da Comissão Europeia e a maioria no Parlamento Europeu. Quando se nasce com uma lógica aritmética e não ideológica, tudo serve para aumentar o score. É somar, somar, somar, e o PPE é hoje um saco de gatos, ninguém se entende. Temos posições como as de Viktor Orbán que são completamente contra o ideário e os valores que o PSD defende. E o que diz o PSD sobre isto?
Ou mesmo sobre Trump, Bolsonaro e afins…
Sem dogmas, sem preconceitos! Mas existe medo de perder eleições e de perderem os seus lugarzinhos, mas esquecem-se de que com o que está a acontecer qualquer dia não há lugarzinhos para ninguém, porque não há País nem Europa. Essa lógica merceeira e mesquinha de segurar os pequenos poderes está a hipotecar o futuro dos nossos filhos.