Esta sexta-feira, quando Rui Rio subir ao púlpito do Centro de Congressos de Lisboa, para apresentar a moção que o conduziu à presidência do PSD, já terá fechado o seu petit comité para as horas das decisões difíceis na Rua de São Caetano mas só terá o puzzle completo na sua cabeça. Durante os últimos dias, o líder eleito estancou as conversas sobre o assunto, e até aqueles que o apoiaram desesperaram por alguma informação. Houve quem falasse sem conhecimento de causa, e os poucos que estavam (parcialmente) a par dos planos de Rio ergueram um muro de silêncio.
Para quem não estivesse à espera, é este o cartão de visita do sucessor de Pedro Passos Coelho: cauteloso, mas tenaz; discreto, porém, certeiro. A comunicação social andou aos papéis, e Rio gostou que o secretismo que decretou tivesse sido cumprido. O estilo, realçam alguns dos seus ainda que alvoraçados perante a sua habilidade “para jogar póquer”, faz lembrar Cavaco Silva, o líder mais longevo dos sociais-democratas.
As comparações com o homem que venceu cinco eleições (quatro com maioria absoluta) não se esgotam aí nem na paixão por contas inatacáveis. Aliás, desde 1985, no emblemático Congresso em que Cavaco foi à Figueira da Foz fazer a rodagem do Citroën, que os militantes não davam sinais tão evidentes de quererem alterar o estado da arte. Na altura, os presidentes ainda eram eleitos nos conclaves, e Cavaco, que fora ministro das Finanças de Sá Carneiro, apresentava-se aos congressistas como o homem providencial que se opunha ferozmente ao bloco central, que o falecido Mota Pinto viabilizara, e que pretendia devolver o PSD ao País – ou o País ao PSD.
Rio não difere muito desse perfil de outsider. Quer quebrar o vínculo umbilical entre Lisboa e o poder, mas ainda antes da consagração, no 37.º Congresso, já há quem demonstre a intenção de que em menos de dois anos, após as legislativas, o PSD volte a mudar de vida. Ironicamente, no pós-Passos, são muitos os que pensam no pós-Rio. Os “laranjinhas” são especialistas em tombar líderes.
Alguns dos que não saíram ao caminho de Rio vão à reunião magna explicar o que querem que o PSD seja mais à esquerda, ao centro ou à direita, o que quer que isso signifique, mas, sobretudo, recordar ao líder de que este só tem uma forma de sobreviver: ganhando eleições e demarcando-se de qualquer corte que António Costa ensaie.
Luís Montenegro foi o primeiro a fazê-lo. Aos microfones da TSF avisou que recusa pactuar com alianças junto com o PS, pois considera que o PSD não pode ser a bengala dos socialistas e deve abjurar a crença nas virtudes do bloco central, que ofereceria de bandeja o espaço do centro-direita ao CDS. A sua tese assenta na reciprocidade: “Seria de uma ingenuidade política completa se o PSD quisesse mostrar, a troco de uma hipotética coerência, aquilo que o PS não mostrou, em 2015, connosco.” Não liderará nenhum movimento de oposição, mas vai andar por aí. Atento a tudo, a partir da última fila da bancada parlamentar.
Paulo Rangel não tenciona fazer uma intervenção de contestação à estratégia de Rio. Como sublinhou em outubro, à margem do Conselho Nacional em que Passos confirmou a saída, “há tempo para rasgar e tempo para coser, há tempo para falar e tempo para estar calado”. Na altura, não rasgou. E, referências bíblicas à parte, não o fará no conclave deste fim de semana com um senão: em 2019 haverá eleições europeias e o vice-presidente do Partido Popular Europeu não apreciará que alguns rioistas o estejam a tentar afastar de Bruxelas, elegendo Pedro Santana Lopes como primeira hipótese para cabeça de lista.
Pedro Duarte e Carlos Moedas, outras das figuras apontadas ao futuro não imediato do PSD, juntaram-se para escrever uma moção setorial. Procurarão, tal como Jorge Moreira da Silva, apresentar um caderno de encargos ao líder, uma espécie de agenda inovadora e reformista menos virada para a ditadura das finanças,mas ninguém espera palavras de animosidade. No fundo, será tudo uma questão de posicionamento.
Diferente será o caso de Miguel Pinto Luz. O ex-presidente da distrital de Lisboa redigiu uma carta aberta a Rio. Na missiva, que ficou sem resposta, indicava que o mandato que agora inicia “não lhe permite não vencer as próximas eleições legislativas” e avisava que “as eleições europeias serão o primeiro teste” à liderança. O também vice-presidente da Câmara de Cascais promete ser mais duro do que José Eduardo Martins e Pedro Duarte foram há dois anos e quer conquistar as gerações mais jovens, mas já há quem ironize quanto às suas pretensões: “Ele só existe na cabeça dele. E na do [Miguel] Relvas!”
SANTANA Nº 1 DO CONSELHO NACIONAL?
O líder eleito sabe que há sinais de pacificação que têm de partir de si mesmo, mas não quer deixar de contar com o seu núcleo mais próximo na nova fase do partido. A solução para dar início à acalmia pode passar pelo convite a Santana para encabeçar a lista do líder ao Conselho Nacional. Tratar-se-ia, sobretudo, de um ato simbólico. A esse pode seguir-se outro gesto de aproximação: oferecer ao ex-primeiro-ministro o papel de cabeça de lista nas europeias do próximo ano.
A VISÃO sabe que o ex-provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa está disponível para ouvir convites e não exclui à partida nenhum cenário. Sem prejuízo de que este processo decorra de forma natural e ainda sem as negociações terem sido encetadas, certo é que Santana vai ao Congresso, ao contrário do que costumam fazer os candidatos derrotados, desde que foi instituído o modelo de eleição do líder através de diretas.
Está habituado a ser uma das estrelas das reuniões magnas desde os tempos em que Conceição Monteiro relatava a Sá Carneiro que “o miúdo” estava a empolgar os congressistas e dificilmente resistirá à tentação de subir ao palanque.
Mas os sinais de apaziguamento não se resumem a este fim de semana e começaram a ser dados já na quinta-feira. Com a demissão de Hugo Soares – que convocou eleições por Rio ter manifestado “o desejo de trabalhar com outra direção parlamentar” -, houve uma primeiro reflexo de um esforço de união: Fernando Negrão, que apoiara Santana nas diretas, anunciou ser candidato à presidência do grupo parlamentar com o aval do presidente eleito, mesmo quando nos bastidores sociais-democratas se falava de Adão SIlva e Duarte Pacheco (que estiveram ao lado de Rio) ou dos neutrais Luís Campos Ferreira e Luís Marques Guedes.
A ASCENSÃO DE MALHEIRO E BARREIRAS DUARTE
Por outro lado, este Congresso servirá também para recuperar soldados que passaram à “clandestinidade” durante o passismo (ou, pelo menos, na sua reta final). As dúvidas só ficarão dissipadas quando Rio apresentar a sua equipa. Fontes próximas do presidente eleito apontam o deputado Feliciano Barreiras Duarte como escolha possível para secretário-geral, até porque foi ele o responsável pela transição das pastas com José Matos Rosa, homem que atualmente desempenha essa função, mas também há quem assegure que o ex-chefe de de gabinete de Passos terá uma das vice-presidências asseguradas.
Neste segundo cenário, o ex-secretário de Estado do Desporto e Juventude Emídio Guerreiro afigurar-se-ia como uma opção a considerar, embora suscite algumas reservas no núcleo duro de Rio, devido à proximidade com a fação encabeçada por Pedro Duarte. Durante a campanha, muitos olhavam para Salvador Malheiro como um dos nomes mais fortes para a função, mas a VISÃO sabe que o presidente da Câmara Municipal de Ovar não assumirá qualquer cargo em full-time, dado que não pretende abandonar a autarquia. Traduzindo: o mais provável é que também se sente na Comissão Permanente na qualidade de vice-presidente.
Existem ainda incógnitas sobre qual será a composição da Comissão Política Nacional. Há nomes que surgem como mais expectáveis para integrar a próxima direção do PSD: Hugo Carneiro, António Carvalho Martins, Pedro Alves, Bruno Coimbra, Ricardo Baptista Leite, Miguel Poiares Maduro ou Pedro Rodrigues. E há ainda Manuel Teixeira, chefe de gabinete de Rio na Câmara Municipal do Porto, que poderá continuar como seu principal conselheiro sem ficar “amarrado” a um cargo, tal como preferirá fazer, segundo garantem fontes partidárias. De fora da direção deverão ficar também Nuno Morais Sarmento e Paulo Mota Pinto, respetivamente mandatário nacional e presidente da comissão de honra de Rio na disputa interna.
Por definir também está ainda a composição do Conselho Nacional. Além da lista que será apresentada pelo novo líder, que poderá ser encabeçada por Santana, há pelo menos outras cinco na forja. O que não seria previsível era que três dessas listas brotassem da ala santanista: a de Pedro Pinto, a de João
Montenegro e a de Carlos Eduardo Reis. Três rostos próximos do candidato derrotado, mas que poderão correr em pistas próprias. A JSD, como é habitual, também entrará no jogo, bem como Pedro Duarte – mesmo que não encabece qualquer lista.
DA CANÁBIS À DESCENTRALIZAÇÃO
Como é também habitual, serão ainda discutidas moções setoriais – ou propostas temáticas. Várias distritais apresentam documentos em que reivindicam uma estratégia mais virada para a descentralização, uma das bandeiras de Rui Rio. O Presidente do Governo Regional da Madeira e líder do PSD da região, Miguel Albuquerque, apresenta uma moção onde defende que o partido olhe de uma forma diferente para a autonomia; Lina Lopes é a primeira subscritora da proposta que vai ser levada à reunião magna pelas Mulheres Sociais-Democratas e que exige uma aposta séria na paridade; a deputada Joana Barata Lopes leva a votação uma das propostas temáticas mais longas e dedica mais de 10 páginas à reforma da Segurança Social; Pedro Duarte subscreve uma moção que se propõe a combater a desigualdade e que lança para o debate a possibilidade de se avançar com uma medida não muitas vezes conotada com a direita tradicional: o rendimento básico universal.
A moção setorial mais controversa é, no entanto, a de Ricardo Baptista Leite. O deputado baseou o texto num artigo científico que, em parceria com Lisa Ploeg, publicou na Acta Médica Portuguesa no mês passado e defende a implementação de “uma estratégia de legalização responsável e segura do uso de canábis em Portugal”.
Intitulada “Legalize”, a proposta visa que o consumo do canabinóide seja despenalizado para fins recreativos para pessoas com idade mínima de 21 anos – devido aos efeitos que o seu princípio psicoativo, tetraidrocanabinol (THC), poderá ter no aparecimento precoce de doenças como a esquizofrenia, sustentando que “toda a cadeia de cultivo e distribuição da canábis seja claramente regulamentada” e ainda que “a venda ocorra apenas em farmácias comunitárias, reforçando-se a perceção de que se trata de uma droga e garantindo-se a qualidade do produto dispensado”.
A intenção do médico é que a aquisição da droga obrigue à “inserção dos dados do cidadão numa base de dados centralizada”, assegurando “uma vigilância analítica dos padrões de consumo, particularmente para detetar precocemente eventuais tentativas de compra para posterior venda ilegal” e que seja limitada a uma quantidade “suficiente para uma utilização pessoal e diária”.
Em todas as embalagens, explica Baptista Leite à VISÃO, deverá haver “advertências” sobre o impacto da canábis sobre a saúde, como já existe nos maços de tabaco e o consumo será vedado em locais públicos, incluindo parques urbanos e perto de escolas, a condutores e a comercialização proibida em produtos comestíveis ou bebíveis.
“O preço de venda deve ser equiparado ao preço de rua para acabarmos com o tráfico ilegal. Os impostos que se arrecadarem deverão ser canalizados para políticas de dissuasão ou reabilitação de dependências, políticas de saúde e cidadania e para o reforço dos meios policias e de segurança para prevenção e combate ao tráfico”, acrescenta o deputado social-democrata, recordando números publicados na imprensa internacional – no mercado ilícito, o tráfico de droga rondará os 300 mil milhões de dólares em todo o mundo; 150 mil milhões dos quais respeitantes à canábis.
O intuito de Baptista Leite é “minimizar os riscos para quem consome”, embora o objetivo final, sustenta, “é dissuadir o consumo” daquela droga. Na sua perspetiva, a discussão e votação da moção será apenas um primeiro passo, pelo que, após o conclave, espera que a nova liderança de Rio “possa refletir sobre esta matéria e aprofundar a discussão em Conselho Nacional ou outra via mais oportuna”. No final, aponta, quer que o tema seja discutido entre pares para que, aí sim, seja possível “avançar com uma iniciativa legislativa”.
ATÉ JÁ, PASSOS
Esta sexta-feira à noite, Passos Coelho vai fazer um jantar com aqueles que trabalharam de perto com ele nos últimos tempos. Será um grupo muito reduzido, em que estarão alguns assessores e dirigentes menos destacados, bem como o ainda secretário-geral, José Matos Rosa.
Depois do repasto, seguirá para o conclave, onde estará discretamente. Fará o discurso de despedida, desejará felicidades ao sucessor e não regressará ao Centro de Congressos de Lisboa nos dois dias que completam o evento magno do PSD.
Entre os que pertencem ao círculo próximo de Passos ninguém fala, porém, em despedida. Cheira a “até já”. Há ex-ministros seus, por exemplo, que já chegaram a admitir que os próximos tempos servirão também para preparar o regresso do homem que “tirou o País da bancarrota”. Não excluem que seja para a liderança do PSD, mas é na via presidencial, quando se fechar o ciclo de Marcelo Rebelo de Sousa, que mais insistem. Por agora, resta-lhes afastarem-se. É tempo de deixar que Rio siga o seu curso.