João Oliveira, 37 anos, é líder parlamentar do Partido Comunista Português.
Não vai nunca usar a palavra geringonça?
Pois não.
Qual é o problema com a palavra?
Acho que é ofensivo. Foi um termo criado pelo ex-líder do CDS para procurar desvalorizar uma solução política com a qual não esteve de acordo e que, de resto, confirma algum rancor relativamente ao afastamento do CDS do poder.
Mas parece que os outros parceiros da solução já interiorizaram a palavra…
Cada um fará o que entender. Nós achamos que não é uma solução que dê um contributo positivo para o que quer que seja. Essa expressão é ofensiva que acaba por diminuir o alcance daquilo que tem sido possível alcançar nesta correlação de forças.
Um ano passado das posições conjuntas assinadas com o PS, a sua leitura do que se ganhou neste ano é positiva? Está agradavelmente surpreendido?
Não sei se posso dizer que estou agradavelmente surpreendido. A leitura que fizemos das possibilidades e limitações que esta correlação de forças comporta estão todas a confirmar-se. Não tínhamos ilusões relativamente ao facto de o PS continuar a ser o PS, ter os compromissos que tem e ter as opções políticas que tem. Não tínhamos também nenhuma ilusão quanto às limitações que resultam de um quadro de constrangimentos que o País tem, nomeadamente questões como a dívida ou as imposições em relação ao euro e zona euro.
Por isso é que colocaram as divergências num pote à parte que não condiciona a solução?
Não é que estejam propriamente esquecidas. Nós vamo-nos confrontando com elas. As medidas positivas vão avançando a par e passo com os constrangimentos. Nem nós abandonamos a consideração crítica relativamente à evolução da situação, nem esses constrangimentos deixam de estar presentes nas dificuldades que se vão colocando. Agora, também nunca desvalorizamos a importância daquilo que esta nova correlação de forças permitia. Aquele conjunto de matérias que identificamos na posição conjunta com o PS, que apontavam um caminho de reposição dos direitos e dos rendimentos que tinham sido roubados e alcançar alguns novos avanços, tem vindo a verificar-se. Quer na concretização das medidas que constavam da posição conjunta e do avanço que muitas já tiveram, quer até na resposta a outros problemas que foram surgindo.
Acha que foi possível até ir mais além daquelas que eram as expectativas? A solução acabou por ser sustentável ao ponto de permitir outras conquistas?
Preferi de não usar a expressão de agradavelmente surpreendido, para não dar a ideia errada de que nós nos damos por satisfeitos com as medidas tomadas. Muitas são claramente insuficientes e ficam aquém da resposta que é preciso dar. Muitas correspondem até à aceitação da autolimitações que o próprio governo PS assume, face às opções que tem. Os problemas que o País tem são profundos e não se podem resolver de um dia para o outro, mas também não se resolvem com as opções de política de direita que os criou. E esses são problemas que estão presentes no dia a dia e justificam que seja uma intervenção que não se dirige apenas à concretização do que é possível alcançar, mas vai a outros onde não há condições políticas para avançar.
Tais como?
Questões da dívida, rejeições das imposições da zona euro. Tudo isso tem-se revelado, até com uma clareza muito marcante, como um obstáculo ao desenvolvimento do país.
O facto de o PCP estar a apoiar o poder, significa que está mais próximo para influenciar a ideia de que é preciso preparar o País para a saída do euro? Vocês nunca dizem “vamos sair”, mas que o país precisa de se preparar para sair.
Vamos mais longe do que isso. O País precisa de se preparar para essa circunstância, seja por decisão própria ou de outros. O País deve preparar-se para que o Euro se dissolva. Porque colocar a questão de saída do euro pode ser redutora. Ter como objetivo dissolver a moeda única, não significa o mesmo que sairmos da moeda única e ficarmos sozinho quando todos continuam. Dissolver a moeda única significa por fim a uma moeda única e a todas as regras que estão associadas a ela, que têm sido motivo de prejuízo e problemas não só em Portugal.Temos consciência de tudo o que de positivo foi alcançado e como é relevante valorizar isso, porque é resultado da luta travada. Mas temos consciência das limitações e insuficiências e até as limitações que o PS tem e que impedem que a resposta possa ir mais longe num conjunto de problemas e estrangulamentos que o País enfrenta.
Foi mais difícil negociar este orçamento do Estado 2017 do que o OE/16?
A ideia de negociação a propósito da discussão do Orçamento do Estado perverte a perspetiva com que o Orçamento é encontrado. Não discutimos com o governo na perspetiva de propor isto, para aceitar aquilo. Não é disso que se trata. É preciso dar resposta a um conjunto de matérias no Orçamento do Estado. E isso é numa perspetiva global. Não é uma perspetiva de jogo de toma lá, dá cá. É um exame comum do orçamento. O orçamento do Estado para 2017 coloca um conjunto de questões que não são exatamente aquelas que se colocaram em 2016. Há medidas que em 2016 foram tomadas e que é preciso consolidar e aprofundar. Há outras que não foram consideradas e que precisam ser consideradas em 2017.
Quais?
As pensões. Os manuais escolares. Há assuntos que precisam ter desenvolvimentos e outros consideração pela primeira vez.
Mas são mais difíceis de consensualizar? O Governo tem agora mais constrangimentos?
Há um elemento que tem vindo a clarificar-se ao longo do tempo e que no OE/17 tem uma importância que não é pequena: a atitude de chantagem e pressão da UE sobre Portugal, para evitar que todas as medidas que foram tomadas prossigam, se aprofundem e até com objetivo de que as medidas que foram tomadas possam ser revertidas, voltando à política de anterior Governo. Isso é um ponto preocupante. O quadro deste orçamento tem já no seu contexto uma decisão de sancionamento de Portugal, uma chantagem em curso para um eventual corte dos fundos comunitários. Tem também todo o processo que aconteceu durante o OE/16 e tudo o que lhe seguiu numa lógica de procurar condicionar os avanços. É um quadro de mais obstáculos e dificuldades. A nossa perspetiva sobre isso é clara. Da parte do Governo não há a mesma compreensão de que tem que se rejeitar essas imposições e que o governo tem que se concentrar na resposta às dificuldades do país.
Nesse ponto notam uma inflexibilidade do governo?
Sim, nós sabemos a perspetiva do PS nessa matéria e as autolimitações que o governo se coloca aí.
O facto de BE e PCP estar um para cada lado prejudica a vossa força para pressionar o governo?
Não há nenhuma coligação. Há uma correlação de forças que permitiu uma solução política, a partir de determinados elementos concretos. O resto é a autonomia com que cada um atua na Assembleia. Da parte do PCP, a nossa preocupação é que da nossa intervenção resultem as melhores condições para aprovação das medidas mais positivas para o povo. A preocupação é dar contributo que é necessário para tudo aquilo que é positivo, seja no mais imediato ou mais de longo prazo. Continuamos a pautar as nossas propostas por critérios de seriedade e respeito pelo compromisso que temos com os trabalhadores.
Mas a má relação pública com o BE não prejudica esta solução?
A partir da situação que identificou o que há é avaliação crítica da situação em que estamos hoje em relação ao que podíamos estar se este processo relativo ao imposto do património imobiliário não tivesse tido os desenvolvimentos que teve.
A forma como BE atuou prejudicou a solução?
Independentemente do juízo de valor, se fizer a avaliação tem-se claro o que deve ser a atuação de cada um. Não há medidas positivas que possam ser aprovadas contra a vontade do PCP. O contributo do PCP é indispensável para que as medidas sejam aprovada. Desconsiderar isso é uma circunstância errada.
Sente que tem havido desconsideração do PCP?
A intervenção de cada um deve ser assumida no quadro do que cada um entende sobre qual deve ser o seu posicionamento. O que implica muita discussão, aprofundar matérias, sempre sabendo que o contexto não é favorável às medidas que têm que ser tomadas. O imposto sobre o património é exemplo disso. Se olhar apenas para ganhos imediatos que se possam alcançar com uma declaração ou frase mais bombástica, o resultado individual até pode ser considerado positivo, mas do ponto de vista de consolidar este caminho torna-se mais difícil.
O que seria preciso para o PCP aceitar fazer parte de um governo?
Não consigo colocar na base das hipóteses. Esta realidade resulta de correlação de forças concreta.
O que será preciso para o PCP dar o passo de ir para o governo?
Para haver condições para qualquer força política integrar um governo tem que haver elementos de coincidência do ponto de vista programático. Esse elemento é essencial. Esta experiência confirma isso. Processos que começam por colocar programas mínimos ou bases mínimas para aceitar isto ou aquilo são processos que não começam com as bases que deviam. A discussão a partir de determinada correlação de forças, a discussão até onde se pode ir, é feita em pressupostos diferentes da discussão das chamadas linhas vermelhas.
Tem que haver um programa comum?
O PCP tem um programa político que determina um determinado programa eleitoral, considerando objetivos mais imediatos. Batemo-nos por uma proposta política patriótica e de esquerda, que tem bases que consideramos essenciais para problemas essenciais do país. Esta discussão é especulativa se a fizermos despida desses elementos. Era impossível ter determinado em setembro ou agosto quais os aspetos que iam permitir esta solução.
Mas havia o princípio de que podiam chegar a acordo?
Isso construiu-se com o tempo e com base na correlação de forças. Nós estamos prontos a assumir responsabilidades governativas. Mas não assumimos qualquer responsabilidade política a troco de cargos ou lugares. A responsabilidade que assumimos tem que ter correspondência numa política concreta que seja concretizada. Quanto maior for essa correspondência maior pode ser o grau de envolvimento e compromisso do PCP. Com o aspeto de que nada pode ultrapassar o compromisso fundamental do PCP, com os trabalhadores e o povo.
Vamos chegar ao Congresso de dezembro com o PCP alinhado com esta solução? Ou acha que aí podem existir bases do partido que não estão confortáveis com isto?
Há uma adesão geral aquela que é a responsabilidade que o PCP assumiu e o contributo que deu para a solução ser esta.
A ideia de que as sondagens estão a penalizar o PCP não terá efeitos no partido?
Como nos habituamos a confiar mais na sondagem do dia das eleições e não fazemos da intervenção institucional o elemento central da nossa política corremos agora menos riscos. Estaremos menos vulneráveis a esses instrumentos.
Não vai haver neste congresso nenhuma penalização dos dirigentes do partido em relação à decisão tomada?
As decisões que foram sendo tomadas pelo Comité Central e os seus organismos executivos e aquelas que foram tomadas em relação a esta solução política são compreendidas e aceites pela generalidade dos militantes do PCP. Compreensão geral e apoio. O que não diminui nem substitui a necessidade de ir fazendo a evolução do sentido que se vai dando a esta ou aquela matéria. Fazer essa análise em andamento.
Vê-se como um quadro com capacidade para chegar à liderança do PCP?
Essa questão não se coloca.
Mas pode vir a colocar-se no futuro?
Tenho muitas dúvidas que isso venha algum dia a colocar-se (risos).