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“A felicidade é abrir os jornais e não falarem de nós.” Temos de imaginar a frase em Inglês, e com sotaque de Liverpool, a sair da boca de George Harrison, assediado como os outros Fab Four pela imprensa de mexericos. Uma pesquisa na internet devolve-nos várias versões, mas esta foi-nos dita por José Sócrates, há dez anos, ainda fresco no papel de secretário-geral do PS. Citou-a na pastelaria Braancafé, onde gostava de beber uma bica e folhear os jornais que comprava no quiosque quase defronte, na Rua Braamcamp, em Lisboa. Depois, sorriu e seguiu para bingo. Dali, havia de ir à Gulbenkian, onde António Guterres faria a sua primeira aparição pública desde o final de 2001.
Na altura, já era conhecido o gosto de Sócrates pelas citações. Ficara para a história uma entrevista ao Expresso, em que cada resposta dada a Clara Ferreira Alves trazia a frase de alguém famoso. Só os amigos não estranharam – sabiam-no capaz de ler um livro num dia e debitá-lo no dia seguinte -, mas ficar-lhe-ia de emenda. Quando, no ano passado, voltou a ser entrevistado pela mesma jornalista, só fez uma citação. Se o leitor está a pensar num Beatle, acertou. “Agora, falam menos de mim”, alegrava-se.
Desde a noite de sexta-feira, 21, José Sócrates é O Homem de Quem se Fala nos jornais, nas televisões, nas rádios, nas redes sociais, nos cafés. Até no 16.º bairro, em Paris, cidade que o ex-primeiro-ministro escolheu para começar a fazer o luto na política, por três anos, a conselho de Mário Soares. Havia de regressar devagarinho, em abril de 2013, resguardado pelas câmaras da RTP, como comentador. “Quis-me defender”, justificou. “Estava a ser atacado sem defesa.”
A vida no ’16ème arrondissement’
Se fosse pelos seus vizinhos na capital francesa, não teria necessidade de tempo de antena. Mesmo agora que se encontra detido preventivamente, mantém a boa imagem conquistada ao longo do ano em que morou no número 17 da Avenue du Colonel Bonnet. Numa frase? “É uma pessoa fixe.”
Naquele bairro cheio de famosos, onde tem casa o ex-presidente Nicolas Sarkozy, ninguém esperava encontrar um ex-primeiro-ministro ao balcão de um modesto café frequentado sobretudo por apostadores de corridas de cavalos. Um ex-primeiro-ministro que era visto a correr às oito da manhã e, depois, aparecia no Le Diplomate, ainda de fato de treino, para tomar dois cafés curtos “como um de nós”, ainda se espanta Ângela Cesário, há 31 anos em França.
Ângela e o marido, Duarte, têm uma empresa de reparações, ao virar da esquina. Quando o político quis fazer obras na casa de banho, foi a eles que recorreu. “Calha bem, são portugueses!”, terá comentado, porque falava mal francês. E, logo ali, se marcou uma ida ao seu apartamento, “simples, sem os luxos que se veem no bairro”.
José Sócrates não iria à procura de luxos. Bastava-lhe passar um ano em Paris, sem qualquer responsabilidade. Decidira fazer um mestrado em Ciência Política, no Instituto de Estudos Políticos (Sciences Po). E, segundo contou, pedira emprestados 120 mil euros para financiar a sua estadia e do filho mais velho, José Miguel, então com 18 anos.
Só a renda de um 4/5 assoalhadas no 16ème arrondissement custa, pelo menos, 4 mil euros. Um ano letivo na Escola Americana de Paris, onde o filho fez o 12.º ano, chega aos 30 mil euros. E ainda havia as propinas de Sciences Po, os gastos diários, Mini incluído, mais as viagens entre Paris e Lisboa, onde ficara o filho mais novo, Eduardo. “Gastei o dinheiro todo”, admitiu ao Expresso. “Nem sabia que existiam vidas assim, tão boas.”
Um herdeiro rico?
No início do ano letivo 2012/13, José Sócrates mudou de casa. Aos amigos, disse que o senhorio precisava do apartamento. Aos conhecidos, deu a entender que morava no 7.º bairro, mais próximo da Universidade Americana de Paris, onde José Miguel se inscrevera. “Era sempre vago em relação ao sítio onde vivia”, reconhece o pai de um colega. O seu dia-a-dia na Colonel Bonnet já estaria devassado.
No 7ème, teria vista para o rio Sena e ficava, também ele, mais perto de Sciences Po, de Saint-Germain-des-Prés e das suas livrarias e restaurantes famosos. Era visto com frequência a espreitar as novidades na La Hune. “Reunia os clichés todos”, ironiza uma portuguesa a estudar na Sorbonne.
Era a primeira vez que não trabalhava, nos últimos vinte anos, mas não era a primeira vez que experimentava a tal “vida boa”. Desde que o avô materno morreu, em 1981, que Sócrates foi conhecendo a cor do dinheiro. Aos poucos, porque parte da herança estava em andares e terrenos. Logo no início dos anos 80, já filiado no PS, enquanto os irmãos mais novos, António José e Ana Maria, receberam uma lavandaria e uma pastelaria, ele ficou com cash para financiar uma campanha. “Mas isso era só o princípio”, nota um familiar.
Júlio César Araújo Monteiro começou por fazer fortuna durante a II Guerra, nas minas de volfrâmio de Vale das Gatas, em Sabrosa. Depois, dedicou-se à construção civil. “Vivia dos empréstimos e das cauções. Se não pagassem, ficava-lhes com o terreno”, descreve o mesmo familiar, “mas não era conhecido por ultrapassar ninguém.”
Maria Adelaide Carvalho Monteiro, mãe de Sócrates, é filha do primeiro casamento de Júlio César. Tinha um irmão mais novo, que morreu assassinado, no final dos anos 80, no Brasil, e tem dois meios-irmãos, Júlio e Celestino. Em 2011, estes dois irmãos, e familiares, foram notícia por causa da alegada passagem de 383 milhões de euros em offshores.
“Se eles tinham este dinheiro todo, a Maria Adelaide também devia ter bastante”, arrisca um amigo da família. A hipótese não é inocente. O objetivo será sublinhar que José Sócrates é filho de uma mulher rica. “Com a ajuda da mãe, ele podia fazer o que queria em Paris”, diz o mesmo amigo.
O ‘petit comité’ de Lisboa
Terminado o mestrado – cuja tese foi publicada em livro (A Confiança no Mundo, Sobre a Tortura em Democracia, pela Verbo, que imprimiu 17 mil exemplares) – Sócrates estaria a preparar o doutoramento em Paris, onde se revezava com a ex-mulher, Sofia Fava. Mais recentemente, teria a companhia de uma prima e de uma sobrinha.
Além das viagens que fazia pela farmacêutica Octopharma (de que era consultor para a América Latina desde 2013), passava os fins de semana em Lisboa por causa do comentário na RTP. Trocava ideias por email com o pivô de serviço, entre quinta-feira e sábado. Ouvia as sugestões, ajudava a definir o alinhamento e, no domingo, bastava-lhe aparecer. Fazia-o próximo da hora do programa, sem espaço para intimidades.
Em Lisboa, debatia os temas da semana com um grupo de amigos, de que faziam parte Vieira da Silva, Ferro Rodrigues e João Galamba. Encontrava-se também com Mário Soares, Manuel Alegre e Almeida Santos, com quem partilhava a vontade de ver o PS entregue a António Costa – o último almoço a quatro terá sido no dia 24 de outubro, no Casanostra, no Bairro Alto. E cultivava amizades antigas – Fernando Serrasqueiro, Renato Sampaio e André Figueiredo, entre outros -, fiel aos que o acompanham desde os tempos em que não havia “socráticos”.
Desta vez, os socialistas não recuperaram a palavra “cabala”, usada para descrever o caso Casa Pia que, em maio de 2003, levou à detenção do então deputado Paulo Pedroso. Falam em “dor”, “consternação”, “angústia”. Há, até, quem se sinta de “luto”.
Com o tempo, Sócrates tornara-se um homem “mais privado, não se misturava tanto”, conta Carlos, dono da Braancafé. A última vez que esteve no meio de uma multidão foi a 20 de outubro, na Covilhã, onde recebeu a medalha de mérito e a chave da cidade. Quem o viu sorridente, aos beijinhos aos populares concentrados à porta da Câmara, acreditou que em breve se iria ouvir falar dele.
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