A pedido do Presidente da Líbia, Muammar Kadhafi, cerca de 350 mulheres compareceram na tenda montada em frente ao Forte de São Julião da Barra, em Oeiras, onde o líder líbio falou das injustiças sofridas pelas mulheres em todo o mundo, pedindo uma concertação entre europeias e africanas para acabar com as desigualdades.
A maioria das participantes foi encaminhada para o local em autocarros. Três deles transportaram mulheres de origem africana e o último levou as participantes portuguesas. Um grupo variado compunha o leque de convidadas: entre as africanas, vestidas com trajes tradicionais ou casuais, encontravam-se imigrantes, muçulmanas e representantes de associações de minorias éticas. Algumas traziam os filhos, outras mostravam, orgulhosas, cartazes com a imagem de Kadhafi. Já o grupo de portuguesas era maioritariamente composto por deputadas, ou, de alguma forma, ligadas à política ou às relações internacionais.
À chegada ao forte, vários agentes da Polícia de Segurança Pública e militares da Polícia do Exército vigiavam a zona, tendo as convidadas que percorrer um estrado de madeira – ladeado por velas e tochas – para chegar à entrada da tenda, onde passaram por um detector de metais e por uma revista minuciosa feita pela guarda pessoal de Kadhafi e pela segurança líbia – toda composta por mulheres.
Com pouco mais de metade das cadeiras do recinto ocupadas, Kadhafi surgiu algum tempo depois de as convidadas terem chegado, todo vestido de preto, tendo sido recebido com uma grande salva de palmas. Simone, de nacionalidade senegalesa, foi quem deu a voz pelas mulheres africanas, apontando, no seu discurso, a desigualdade entre sexos e a violência doméstica sofrida por mulheres e crianças. A senegalesa pediu ainda a Kadhafi que marcasse como prioridade na sua agenda a luta pelos direitos das mulheres africanas, para que estas possam “garantir os seus próprios empregos e sustentabilidade das suas famílias”.
Maria de Belém falou em “nome das parlamentares presentes”, tendo o seu discurso girado em torno da lei da paridade – da qual foi autora – e da importância do espaço das mulheres na vida pública para o desenvolvimento das sociedades. Uma representante da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) disse, no entanto, que apesar de Portugal possuir uma das mais avançadas leis para a igualdade, estas não se reflectem na vida real, continuando as mulheres portuguesas a ocupar cargos inferiores e a receber salários mais baixos do que os homens.
Apesar de alguma decepção manifestada relativamente ao conteúdo dos discursos – à excepção das palavras da senegalesa Simone, que recolheu uma grande dose de aplausos e entusiasmo da audiência -, as participantes mostraram-se satisfeitas com a acção. “Sentimos uma honra por ser um homem africano a chamar toda a comunidade”, afirmou Esperança Aragão, uma das responsáveis pela mobilização das mulheres africanas para este evento, acrescentando que o líder líbio “distingue-se dos outros pela abertura que mostrou em querer saber das mulheres e das crianças”. A organizadora lamentou apenas que Kadhafi não tenha falado de “uma linha de crédito para as mulheres africanas na diáspora”. “O exemplo de Kadhafi devia servir para os outros presidentes”, disse.
Os mesmos direitos, mas não deveres
“Da minha análise à realidade do mundo, as mulheres no mundo inteiro estão a ser reprimidas, os seus direitos não estão a ser atingidos”, afirmou Kadhafi, acrescentando que apesar de esta ser uma situação mais visível no mundo islâmico, também ocorre na Europa, onde “a igualdade é só superficial”, pois também aí são principalmente as mulheres quem assume a responsabilidade de cuidar da casa e dos filhos.
Kadhafi defende que “deve existir uma igualdade nos direitos, mas não nos deveres”, pois as mulheres não devem ser obrigadas a realizar tarefas que “não se adequam a elas” – ao contrário do que acontece nos países africanos, onde são obrigadas a exercer as funções de homem e mulher, principalmente quando os homens as abandonam com as crianças. “Não se pode esperar que uma mulher grávida guie um comboio, nem se espera que um homem engravide ou amamente”, justificou. O líder da Líbia diz, no entanto, que as mulheres devem ter as portas abertas para seguir os caminhos tradicionalmente percorridos pelos os homens: “Não podemos obrigar as mulheres a conduzir comboios, mas também não as podemos proibir de os conduzir…”, afirmou o Kadhafi, defendendo a liberdade de escolha.
No final do discurso, Kadhafi manifestou a esperança de que a União Africana trabalhe numa legislação para que as mulheres e as crianças sejam respeitadas e os homens assumam a responsabilidade dos filhos que geram. O líder pediu ainda às mulheres europeias que se juntem às africanas para combater as desigualdades e injustiças que acontecem por todo o mundo.