Este sábado, 9, um grupo de 30 pessoas manifestou-se em frente à sede do PCP, na Avenida da Liberdade, para protestar contra a posição do partido na guerra. No meio de diversas bandeiras azuis e amarelas da Ucrânia (e pelo menos uma de Portugal), havia também uma vermelha e preta. Esta bandeira levou a acusações, nas redes sociais, de que os manifestantes tinham simpatias nazis, por empunharem um símbolo alegadamente associado a movimentos fascistas e ao colaboracionismo nazi na Segunda Guerra Mundial.
A polémica não é nova e há muito que o Kremlin a usa na sua máquina de propaganda como evidência de que a Ucrânia é um Estado nazi ou pró-nazi. Ainda antes da guerra, foram partilhadas imagens de manifestações na Ucrânia (como uma em Kharkiv, no início de fevereiro) em que se via, aqui e ali, uma bandeira vermelha e preta num mar de gente, com a acusação de que os protestos demonstravam simpatias fascistas. O mês passado, a vice-primeira ministra canadiana publicou, no Twitter, uma foto sua durante uma manifestação em Toronto a segurar um cachecol vermelho e preto, provocando uma controvérsia tal que, no dia seguinte, Chrystia Freeland apagou o tweet.
A bandeira em causa, no entanto, é muito anterior à Segunda Guerra Mundial. Segundo Jars Balan, diretor do Centro de Estudos Ucraniano-Canadiano da Universidade de Alberta, no Canadá, as raízes da bandeira remontam ao século XII, quando o vermelho e o preto eram usados em poemas eslavos para simbolizar o amor e a tristeza. Mais tarde, tornar-se-ia um símbolo do nacionalismo ucraniano. O pintor Ilya Repin, por exemplo, “escondeu” o emblema vermelho e negro (tal como o azul e amarelo) na famosa pintura Os cossacos escrevem uma carta ao sultão turco, de finais do século XIX. Os cossacos ucranianos estão entre os mais conhecidos combatentes pela independência, na Ucrânia.
Mais tarde, estas cores seriam apropriadas pelo Exército Insurreto Ucraniano (UPA, na sigla original) – e é daí que vem a polémica. O UPA era, ou viria a ser, a ala militar da Organização dos Nacionalistas Ucranianos (OUN), um movimento político independentista, inspirado pelo fascismo italiano, criado em 1929 e de que Stepan Bandera foi uma das figuras de topo. Os seus inimigos eram, então, todos os países que ocupavam território que os seus membros consideravam pertencer à Ucrânia, incluindo a Polónia, a Checoslováquia e, claro, a União Soviética.
O UPA nasceu mais tarde, em outubro de 1942, com o objetivo de lutar pela independência com a força das armas, em ações de guerrilha. Foi durante esse período que vários elementos do grupo e da sua ala política, a OUN, planearam e participaram ativamente no massacre de dezenas de milhares de polacos, numa região que consideravam pertencer à Ucrânia.
Stepan Bandera, nessa altura, encontrava-se num campo de concentração nazi. Os nazis haviam começado por ver em Bandera (tal como a OUN) um aliado, para corroer os soviéticos e o Exército Vermelho, prometendo uma independência da Ucrânia que nunca esteve realmente nos planos de Hitler. Para Bandera, os nazis eram um mal menor, um meio para derrotar o jugo de Estaline, responsável pela repressão e morte de milhões de ucranianos – sobretudo no Holodomor, poucos anos antes.
Assim que deixou de ser útil, e face às suas exigências de autonomia, o nacionalista ucraniano foi detido e torturado pela Gestapo (juntamente com largas centenas de líderes do seu movimento), passando os anos seguintes em diferentes campos de concentração. Dois dos seus irmãos foram assassinados em Auschwitz; um terceiro seria executado pelos soviéticos. Bandera seria libertado no final de 1944, quando a Frente Leste começou a correr mal à Alemanha e os nazis voltaram a ver nele um possível aliado útil contra a URSS.
Na verdade, apesar de o UPA, com a sua bandeira vermelha e preta, ser apontado como colaboracionista nazi, os insurretos lutaram contra os nazis desde a sua fundação, matando milhares de soldados alemães, além de combaterem em simultâneo polacos e soviéticos. O UPA continuaria a enfrentar militarmente a URSS, até ser esmagado, em 1953. É devido a esta longa luta por uma Ucrânia livre que a sua bandeira vermelha e preta é hoje vista pelos ucranianos como um símbolo da independência. Durante a Revolução da Euromaidan, em 2013/2014, estas cores viriam a ser adotadas por movimentos políticos ultranacionalistas, como o Setor Direito.
Efetivamente, contudo, a ala política do UPA colaborou com os nazis, numa primeira fase da guerra, incentivando até pogroms, além do massacre de polacos. São estes episódios da História que alimentam a polémica com a bandeira. Mas, neste caso, e mesmo ignorando o facto de ser um símbolo independentista muito anterior à Segunda Guerra, o vermelho e preto está ao mesmo nível da bandeira soviética, enquanto representante do colaboracionismo com nazis – afinal, a URSS foi o primeiro a colaborar com a Alemanha de Hitler, através do Pacto Molotov–Ribbentrop, a 23 de agosto de 1939, um acordo que divida a Polónia entre os dois Estados. A 1 de setembro, Hitler mandou invadir a Polónia, começando aí a II Guerra Mundial; duas semanas depois, o exército de Estaline invadiu o país pelo lado leste, massacrando dezenas de milhares de civis polacos. A aliança de conveniência entre a suástica e a foice e o martelo durou quase dois anos. Só terminou em junho de 1941, quando a Alemanha atacou a URSS na Operação Barbarossa.