Começou por ser visto sobre tanques e veículos militares russos, pintado a branco, e rapidamente se espalhou pelas redes sociais em fotografias que incitaram debate. O quer dizer o símbolo “Z”? Porque é usado pelo exército militar russo? Várias respostas surgiram, mas independentemente do seu significado, o enigmático símbolo tornou-se um grito de guerra e uma demonstração de apoio à invasão russa na Ucrânia.
Depois de ter sido visto uma primeira vez pintado sobre os veículos militares russos em Donetsk, na Ucrânia, aquando dos seus primeiros avanços sobre o território ucraniano, o símbolo “Z” rapidamente chamou a atenção das redes sociais e de alguns observadores internacionais. Pouco depois começou a ser visto em carros, veículos comerciais e T-shirts de manifestantes pró-Rússia.
Apesar de agora se assumir como um símbolo de apoio à invasão na Ucrânia, é da opinião comum que a marca “Z” começou por ser apenas uma estratégia para evitar “fogo amigo”, ou seja, possíveis ataques entre grupos que, embora lutem do mesmo lado, se possam agredir por confundirem os veículos militares e armamento de aliados com o de inimigos.
Uma fonte na capital ucraniana, Kiev, disse ao The Sun que os símbolos são uma forma de garantir que as tropas são capazes de distinguir as forças e evitar o risco de fogo amigo. “É vital que qualquer força de ataque possa ser distinguida, principalmente do ar, onde as forças russas terão controlo total. Os ucranianos têm tanques e veículos muito semelhantes e vão querer reduzir o risco de fogo amigo”, explicou a fonte.
Outras explicações indicam que a marcação “Z” poderá ser uma forma de identificar as direções em que seguem as diferentes unidades, ou seja a zona para a qual foram destacadas. “Muitas vezes, esses símbolos estão ligados à localização – são uma forma de comunicar para onde se dirige uma dada unidade. Se fosse apenas uma forma de marcar os veículos russos, bastava usar apenas um símbolo”, comentou Michael Clarke, ex-diretor de defesa `think tank´ da Royal United Services Institute à Sky News.
As suspeitas de Clarke vêm no seguimento da confirmação da existência de diferentes variações do símbolo. Embora uma representação simples da marcação “Z” seja o sinal mais comum entre os veículos militares russos, outras simbologias têm vindo a ser identificadas, nomeadamente um triângulo com um “Z” no seu interior, um triângulo com duas linhas de cada lado, um círculo com três pontos no seu interior ou um triângulo menor dentro de um triângulo maior, todos representados a branco.
Apesar da recente popularidade atribuída a este símbolo, não é a primeira vez que a marcação “Z” é utilizada pelo exército russo como uma forma de comunicação. Símbolos semelhantes terão também sido avistados em veículos russos aquando da anexação da Crimeia, em 2014, e, de acordo com o @Click_Syria, uma página síria dedicada à transmissão e acompanhamento de eventos no norte do país, terão também sido avistados na zona de Manjib, na Síria, durante guerra civil que despoletou no país.
Mas porquê “Z”?
Além de tentarem perceber a razão pela qual o “Z” era utilizado, vários utilizadores nas redes sociais e outras entidades procuraram perceber o porquê de ter sido escolhido um “Z” em lugar de qualquer outro símbolo, uma questão que suscitou curiosidade nomeadamente porque o “Z” não faz parte do alfabeto russo, e portanto talvez não esteja a ser usado como uma letra e esconda um significado mais complexo.
Segundo uma publicação do Twitter do vencedor da bolsa de Galina Starovoitova em Direitos Humanos e Resolução de Conflitos no `think tank´ de políticas do Wilson Center, Kamil Galeev, algumas pessoas interpretaram o “Z” como uma abreviação de “za pobedy”, termo russo para vitória, outras terão associado a marcação à palavra “zapad”, ou oeste, acreditando que se trata de uma forma de designar uma unidade que segue na direção oeste.
Após semanas de debate, o Ministério de Defesa russo confirmou que o símbolo amplamente partilhado nas redes sociais e pintado sobre os tanques russos no território ucraniano corresponde a uma referência à vitória, “za pobedy”.
No Conselho de Segurança das Nações Unida, o significado escondido por trás da enigmática letra “Z” foi também tópico de discussão e contou com provocações por parte do embaixador ucraniano, Sergiy Kyslytsya, que associou a letra ao começo da palavra “zveri”, animais ou bestas em russo, ao que o embaixador russo, Vasily Nebenzya, respondeu que os russos tinham a sua própria opinião sobre quem eram os animais, conta o The New York Times.
Um grito de guerra
A prática de utilizar símbolos para identificar veículos militares não é exclusiva à Rússia e já foi utilizada no passado. O que surpreende é a forma como os civis têm reaproveitado essa simbologia, reinventado o seu significado e utilizando-a como um marco da sua posição de apoio ao exército russo.
De acordo com as declarações dadas ao The New York Times por Vasily Gatov, analista russo-americano dos media baseado em Boston, o uso da marcação “Z” como uma forma de apoiar os avanços da Rússia na Ucrânia foi um esforço orquestrado pelo governo numa tentativa de angariar apoio para a guerra. “Este é definitivamente um meme induzido pelo Estado”, explicou o analista relembrando que campanhas semelhantes já haviam sido desenvolvidas no passado. Gatov acrescentou ainda que acreditava existir um pequeno exército de propagandistas pagos para espalhar o meme pelas redes sociais dando a falsa aparência de popularidade.
Seja ou não factualmente famosa nas redes sociais, a marcação “Z” tem se assumido como um dos principais símbolos dos movimentos pró-Rússia. Por todo o país, o símbolo foi encontrado em carros de civis e de empresas, em cartazes orgulhosamente levantados sobre as cabeças de protestantes, em t-shirts e até na lapela de blazers. Os apoiantes da guerra na Ucrânia têm encontrado neste símbolo uma forma de mostrar, mesmo em silêncio, que estão lado a lado com o exército russo.
Vários vídeos de manifestações pró-Rússia têm recentemente sido partilhados nas redes sociais. Um dos mais populares mostra um grupo de pessoas reunidas no que parece ser um armazém, com bandeiras da Rússia e T-shirts pretas nas quais sobressai um “Z” estampado a branco no peito. O vídeo começa com um discurso de apoio ao exército russo feito pelo ativista nacionalista Anton Demidov ao que se seguem gritos que aclamam a Rússia e Vladimir Putin.
Falando sobre o símbolo que tão orgulhosamente levou ao peito durante a filmagem do vídeo, Demivod disse não saber o significado concreto do “Z” e acrescentou: “O símbolo não é importante. O que é importante é a posição que representa: nós temos de apoiar o nosso presidente e o nosso exército nesta tarefa difícil”, declarou,segundo o The Wall Street Journal, o ativista numa entrevista.
Na Rússia várias entidades, como empresas e governos locais, têm acolhido a nova simbologia da letra “Z” numa tentativa de mostrarem o seu apoio para com as tropas russas.
Outras personalidades fizeram também questão de mostrar publicamente o seu apoio para com o governo russo como é o caso do ginasta Ivan Kuliak ou da espia russa condenada pelos EUA e atual membro da Duma, ou Parlamento, Maria Butina, que gravou um vídeo no qual é vista a remover o seu blazer para poder desenhar a letra “Z” na lapela, voltando, depois, a vestir o blazer e terminando com a frase “Façam o vosso trabalho irmãos. Estaremos sempre aqui a apoiar-vos”.
O outro lado
Aquele que é um grito de guerra para uns ecoa como uma ameaça para outros. Para os ucranianos, a letra “Z” é uma forma de opressão que tem como principal objetivo intimidá-los. O símbolo já foi, inclusive, comparado pelo ministro da defesa ucraniano, Oleksii Reznikov, ao símbolo do Nazismo. Numa publicação no Twitter, Reznikov publicou uma fotografia do símbolo Swastikalike, usado pela Alemanha Nazi, criado a partir da combinação de dois “Z”s colocado em posições diferentes. A acompanhar a imagem, seguia a descrição: “Em 1943, perto do acampamento de Sachsenhausen, havia uma estação Z onde eram cometidos assassinatos em massa”, uma referência aos campos de extermínio nazis.
A publicação do ministro é também uma resposta às acusações da Rússia de que o governo ucraniano é dirigido por neo-nazis e que é necessário “desnazificar” o país.
Além da ameaça que representa para o povo ucraniano, a letra “Z” tem sido também usada para intimidar o próprio povo russo, quando este vai contra os valores defendidos pelo governo. Vários relatos de ativistas russos que já se assumiram contra Putin contam histórias de ameaças por parte do movimento pró-Rússia que desenhava a letra “Z” nos edifícios que frequentavam e até nas suas casas, segundo o The Wall Street Journal que se preocupou em reforçar que as histórias não foram verificadas individualmente.
Um dos mais conhecidos críticos de filmes russos, Anton Dolin, contou ao mesmo órgão de comunicação que antes de sair do país encontrou, na porta de sua casa, um “Z” desenhado, acrescentando: “A mensagem foi muito clara. As pessoas que fizeram aquilo sabiam que eu era contra a guerra”. “Eles mostraram-me que sabem onde eu vivo e onde vive a minha família. Foi um ato de intimidação”.