Ao longo da sua carreira política, Donald Trump tem exibido uma forte inclinação para apoiar qualquer candidato que opte por moldar a sua campanha à imagem do antigo presidente, por mais pequena ou distante que a eleição se afigure ao público comum. E os pretendentes agradecem, sendo o selo de aprovação de Trump incrivelmente vantajoso para qualquer membro do Partido Republicano. Nas últimas eleições intercalares, em 2018, Trump apoiou expressamente 96 candidatos. Já nas presidenciais de 2020, que, nos Estados Unidos, realizam-se conjuntamente com várias eleições para membros do Senado e da Câmara dos Representantes, subiu a parada e apelou ao voto em 183 Republicanos.
Nesta nova ronda de eleições, as intercalares de 2022, já conta com 133 apoios declarados, segundo as contas da Ballotpedia, uma autointitulada enciclopédia da política americana. As intercalares norte-americanas decorrem sempre dois anos após as presidenciais, a meio do mandato do presidente, e elegem, num ano normal, a totalidade dos elementos da Câmara dos Representantes, entre 33 e 35 membros do Senado e 36 Governadores. E estas são particularmente críticas para o futuro político de Trump: todas as previsões indicam que o Partido Republicano vai obter uma vitória esmagadora, tendo em conta o baixo índice de aprovação de Joe Biden, Presidente dos Estados Unidos, e a avaliação negativa que grande parte dos americanos faz do estado da sua economia – motivada sobretudo pelo nível preocupante de inflação, que, em março, cresceu 8,5% em termos homólogos.
Uma paisagem política repleta de republicanos aliados ao antigo presidente iria certamente beneficiar Trump, caso este esteja interessado em candidatar-se a presidente nas eleições de 2024. (Ainda não formalizou essa vontade, mas todos os indícios apontam que irá mesmo concorrer). E é mesmo nessa esperança que assenta o critério de seleção para potenciais apoios. Segundo muitos analistas, o antigo presidente procura, em primeiro lugar, a lealdade nos políticos que escolhe. Consequentemente, está disposto a desvalorizar claras limitações pessoais, quer de habilidade política, quer de carácter, desde que os candidatos sejam fiéis ao seu estilo de retórica, às suas causas e, acima de tudo, ao próprio Trump. Isto tem precipitado apoios progressivamente mais arriscados, alguns pela natureza extremista das posições dos apadrinhados, e outros pela aparente falta de experiência no campo político dos putativos futuros representantes.
Henry Olsen, colunista no jornal americano The Washington Post, resumiu recentemente esta dinâmica de uma forma bastante direta: “Ele [Trump] quer criar um exército de aduladores que repitam tudo o que ele disser”. Não é, então, surpreendente que os candidatos controversos apoiados por Trump sejam demasiados para enumerar na totalidade, mas alguns deles são destintamente insólitos.
O laboratório de extremismo do Arizona
Em novembro, os cidadãos do estado do Arizona vão a votos para eleger todos os cargos executivos no estado, incluindo o de Governador, e, em termos federais, todos os membros da Câmara dos Representantes e um dos Senadores. No total, sem contar com as eleições para o Senado e Câmara dos Representantes estatais, são 16 eleições distintas – e Donald Trump já escolheu o seu favorito em 4 delas, sendo que 3 são especialmente reveladoras.
Primeiro, a candidata a governadora Kari Lake, em tempos uma jornalista televisiva, que ainda terá de ultrapassar a eleição interna do Partido Republicano para alcançar a eleição geral. Lake é uma aliada feroz de Trump, como, aliás, todos os políticos que irão ser mencionados neste artigo, e tem um longo historial de declarações e posições programáticas extremamente polémicas. Para começar, Lake têm-se alinhado com alguns dos elementos mais à direita dentro do Partido Republicano no que diz respeito à pandemia e às medidas decretadas por Joe Biden para controlar a transmissão de covid-19. Numa entrevista em Janeiro, Lake questionou abertamente a eficácia das vacinas, quando disse que “não estou a acreditar em muita da ciência, a chamada ciência que vem de alguns dos nossos supostos especialistas”. Nesse sentido, opõe veementemente qualquer diretiva que estabeleça a obrigatoriedade do uso de máscara aos cidadãos e, mais recentemente, sugeriu que as companhias aéreas deviam ser multadas em mil dólares por cada passageiro que seja forçado a usar máscara dentro do avião.
A candidata a governadora também tem secundado muitas das teorias da conspiração relativas à eleição presidencial de 2020, que Donald Trump garante ter perdido apenas porque foi vítima de fraude eleitoral. Lake pediu publicamente que Katie Hobbs, a atual Secretária de Estado do Arizona – um cargo executivo responsável por supervisionar o processo eleitoral –, seja presa devido a supostos crimes que terá cometido quando certificou, em 2020, os votos daquele estado. Lake disse também que, se tivesse sido governadora na altura das presidenciais, não teria certificado a vitória de Biden no Arizona, declaração que, para Daniel Dale, da CNN, ilustra na perfeição o caos que poderá potencialmente cercar o processo eleitoral norte-americano para além de Novembro de 2022.
Já o candidato que Trump apoia para Secretário de Estado no Arizona, Mark Fichem, é ainda mais enérgico na sua defesa da teoria de fraude, tendo mesmo chegado a pedir ao Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos para conduzir um “exame forense” a todas as máquinas de voto do estado. Ambos estão extremamente bem posicionados para captar as respetivas nomeações nas eleições primárias do Partido Republicano, precisando depois de enfrentar os candidatos do Partido Democrata na eleição geral.
Finalmente, o membro da Câmara dos Representantes Paul Gosar também conta com o auxílio público de Trump para a sua campanha de reeleição. Gosar, que foi eleito pela primeira vez em 2011, era um representante do partido Republicano relativamente discreto até Novembro do ano passado, quando um tweet polémico lhe valeu manchetes de jornal um pouco por todos os Estados Unidos. O tweet, entretanto removido pela rede social americana, continha um vídeo em animação onde Gosar é mostrado a assassinar a representante Alexandra Ocasio-Cortez, de Nova Iorque. Após o incidente, a Câmara dos Representantes censurou oficialmente o Republicano do Arizona e retirou-lhe todas as responsabilidades nos comités partidários em que estava envolvido. Em resposta, Ocasio-Cortez rotula o aliado de Trump de “um representante assustador com quem trabalho” e lamenta que Kevin McCarthy, o líder do Partido Republicano na Câmara dos Representantes, o “aplauda com desculpas”. Todavia, Gosar representa um distrito particularmente conservador, continuando a ter fortes possibilidades de ser reeleito.
Companheiro de pequeno ecrã
No estado da Pensilvânia, Trump optou por apoiar um candidato que se popularizou, tal como o antigo presidente, nos ecrãs de televisão norte-americanos. Trata-se de Mehmet Oz, mais conhecido pelo povo americano como Dr. Oz. É médico, cirurgião cardíaco, professor emérito na Universidade de Columbia, em Nova Iorque, e foi protagonista em vários programas de televisão durante 18 anos, onde partilhava conselhos de medicina. E, agora, é candidato ao Senado dos Estados Unidos.
“Quando se está na televisão há 18 anos, é como uma sondagem. Isso significa que as pessoas gostam de ti”, disse Trump para justificar a sua decisão, aludindo implicitamente ao facto de Oz não ter qualquer experiência política. “Ele viveu connosco através do ecrã e sempre foi popular, respeitado e inteligente”, concluiu.
Apesar do respaldo do antigo presidente, Oz ainda não tem a eleição do Partido Republicano garantida, encontrando-se numa batalha extremamente disputada com David McCormick, ex-CEO do fundo de investimento Bridgewater, que representa o protótipo de um candidato republicano ao Senado. Trump esteve indeciso bastante tempo nesta particular eleição, e a eventual escolha enfureceu muitos no Partido Republicano, especialmente aqueles mais à direita, que não hesitaram em criticar as supostas posições políticas pouco conservadoras do antigo médico da televisão. É o caso de Steve Bannon, o ex-conselheiro de Donald Trump na Casa Branca, que se mostrou perplexo perante a centralidade de Oz na corrida ao Senado da Pensilvânia, apelidando-o inclusivamente de “anti-MAGA”, numa referência ao grito de guerra habitualmente ecoado pelos seguidores de Trump – “Make America Great Again” [vamos tornar a América grande novamente].
Talvez porque tal reação já seria expectável, Oz não foi a primeira escolha do antigo presidente nesta eleição para o Senado. Esse privilégio recaiu sobre Sean Parnell, um veterano militar do exército americano, que, entretanto, desistiu da campanha. E não abdicou por razão menor. Nos últimos meses de 2021, Parnell foi vítima de um processo judicial submetido pela sua mulher, que o acusou de violência doméstica contra si e contra os filhos do casal. O juiz atribuído ao caso sentenciou que a mulher, Laurie Snell, deveria receber guarda exclusiva dos três filhos, o que levou Parnell a renunciar da corrida ao Senado, afirmando que “embora esteja a planear pedir ao tribunal para reconsiderar a decisão, não posso continuar com a campanha”.
Antigo astro do futebol americano
Sean Parnell não é o único político com acusações de violência doméstica pelo qual Trump demonstrou apoio no passado. O outro chama-se Hershel Walker, e é candidato ao Senado no estado da Geórgia. Antes da carreira política, Walker destacou-se nos campos de futebol americano, sobretudo quando defendeu as cores da Universidade da Geórgia, onde, em 1982, ganhou o conceituado prémio Heisman, atribuído ao melhor jogador universitário do ano.
Depois do estrelato no desporto, seguiu-se uma carreira empresarial com enorme sucesso e um conjunto de manobras políticas ligadas ao conservadorismo norte-americano. Embora nunca tenha desempenhado um cargo político de destaque, Walker, em teoria, seria um candidato ideal, com adeptos reconhecidos no estado da Geórgia e o fundamental selo de aprovação de Donald Trump. Mas o seu passado agitado não abona nada a seu favor: documentos públicos relacionados com os negócios e a vida privada do ex-atleta, e analisados ao pormenor pela agência americana Associated Press, contam uma história diferente da transmitida pelo candidato.
Afinal, os negócios não estavam a correr assim tão bem, mas os detalhes mais perturbadores chegaram mesmo pela voz da ex-mulher de Walker, Cindy Grossman. Em 2005, Grossman requereu uma providência calcular contra Walker, citando anos de “comportamentos fisicamente abusivos e extremamente ameaçadores”, incluindo um episódio específico onde o político da Geórgia lhe terá encostado uma arma à cabeça. Walker admite que sente, por vezes, instintos de violência, e luta abertamente com um transtorno dissociativo de identidade, anteriormente conhecido como transtorno de personalidade múltipla, experiência sobre a qual escreveu um livro em 2008, intitulado “Breaking Free”.
O apoio a Walker tem sido criticado por alguns membros do Partido Republicano, temendo que o historial do candidato possa ser prejudicial no seu frente-a-frente com Raphael Warnock, o senador do Partido Democrata que irá procurar a reeleição no estado da Geórgia. Gary Black, o seu opositor direto na eleição primária do Partido Republicano, ironiza essa possibilidade desta forma: “Deixem os Democratas investir 140 milhões a falar da violência doméstica e dos tiroteios com a polícia. Deixem que isso aconteça.”