Nujeen chegou à Europa naquele dia 2 de setembro de 2015, em que o mundo foi confrontado com o tremendo choque das imagens do corpo de Aylan, um menino sírio de três anos, prostrado, cara na areia, morto, numa praia da Turquia. A criança fugia da guerra com o irmão e a mãe, que também morreram quando o barco em que seguiam naufragou. Aylan converteu-se num símbolo de refugiados como a adolescente Nujeen Mustafa, que tem uma história incrível e comovente para contar.
A mais nova de nove irmãos, Nujeen, que sofre de paralisia cerebral não severa, cresceu encafuada num 5.º andar de um prédio de Alepo, relata o jornal espanhol El País na edição desta terça-feira, 11. Não ia à escola, não tinha amigos e consumia horas infindas de televisão. Até que a família, sírios curdos, foi obrigada pela guerra a fugir.
Porque o bote pneumático de 50 euros era capitaneado pelo seu tio Ahmed, Nujeen e a sua cadeira de rodas não foram deixadas para trás, por constituírem peso a mais, à partida do porto turco de Behram. No grupo, ninguém sabia nadar. A rapariga, nascida em Alepo em 1999, estava com medo, mas também excitada. Encarava a situação como a aventura da sua vida. “Sentada na minha cadeira de rodas, a um nível acima dos outros, sentia-me como Posídon, o deus do mar”, conta no livro Nujeen, lançado esta terça-feira pela editora Harper Collins, e escrito a quatro mãos com Christina Lamb, a biógrafa de Malala, a adolescente paquistanesa laureada com o Nobel da Paz.
Quando o bote chegou a Lesbos, na Grécia, um repórter-fotográfico gritou de terra: “Alguém de vocês fala inglês?” Nujeen exclamou-lhe: “Eu!” As horas infinitas de televisão ensinaram-lhe a falar um inglês fluente. A partir desse momento tornou-se na indispensável tradutora dos seus familiares, enquanto marchavam para norte. “Senti-me feliz por ser útil, e pude começar a praticar o inglês que tinha aprendido nos últimos três anos”, explicou a adolescente ao El País, numa entrevista por Skipe desde a sua atual casa em Wesseling, perto de Colónia, na Alemanha.
Nujeen descobriu o mundo de sopetão no ano passado. Pela primeira vez andou de avião e de comboio, para atravessar a Turquia até Behram, separou-se dos seus pais, dormiu num hotel e viu o mar, o Mediterrâneo. Instantes depois, estava num bote rumo a Lesbos, com duas das suas irmãs, quatro sobrinhas e uns primos. De seguida, a família dispersou-se e a sua irmã Nasrine, uma estudante de Física de 27 anos, empurrou-a na cadeira de rodas através da Grécia, Macedónia, Sérvia, Croácia, Eslovénia, Áustria e, finalmente, o destino mais desejado, a Alemanha. Fizeram mais de 5 600 quilómetros. “Eu pensava: ‘Isto acontece uma vez na vida, tenho de desfrutar'”, conta sobre aqueles extenuantes 40 dias que encarou como uma grande aventura. É claro que houve momentos duros – como na Eslovénia, por exemplo, quando as irmãs Mustafa foram bloqueadas pelas autoridades. “Foi a única altura em que chorei.”
Agora, na Alemanha, Nujeen vai, também pela primeira vez na sua vida, à escola. “Gosto da minha rotina, fazer os trabalhos de casa, aprender alemão, mas estar num país estrangeiro é um desafio”, diz. É tudo diferente. Os pais estão longe, na Turquia, tem alguns amigos reais, embora longe da quantidade que os professores lhe recomendam. Já no Twitter e no Facebook são às centenas. Um dos objetivos que persegue é tornar-se num “bom exemplo dos refugiados, para que, através de mim, se crie uma empatia com os outros como eu”.
Mantém a esperança de regressar à Síria, porque “nada dura toda a vida, nem sequer a guerra”. Mas está cheia de projetos. Tem o “plano A”, de estudar Física para ser astronauta. E o “plano B”, de ser escritora profissional. “Os alemães têm sempre um ‘plano B'”, confidencia.
No Google, navega e acumula obssessivamente dados de todo o tipo. É em momentos desses que Nasrine lhe pede alguma coisa e ela não responde. O raspanete da irmã chega de imediato, conta a própria Nujeen, divertida: “Diz-me – ‘Olha lá, não te esqueças que te empurrei por meia Europa!”