Maldita cafeína – podia dizer o mayor muçulmano de Londres. Mas Sadiq Khan, 45 anos, não vai tão longe no artigo que escreveu para o The Guardian, a propósito do início esta segunda-feira, 6, do Ramadão, o mês sagrado dos muçulmanos. Até 5 de julho, 1,2 mil milhões de crentes não estão autorizados a comer, beber ou a ter relações sexuais, entre o nascer e o pôr do Sol.
Como se rege pelo calendário lunar, o Ramadão recua 12 dias em cada ano. Por isso, o que agora começou apanha, no Ocidente, os dias longos de verão. “Vai ser especialmente duro”, reconhece Sadiq Khan. Muitos dos jejuns prolongam-se por 19 horas. “É assustador”, acrescenta o mayor.
E o trabalhista Sadiq Khan tem a agenda cheia, com a reta final da campanha do referendo do Brexit, em que batalha pela manutenção do Reino Unido na UE. “Admito que possa interromper o meu jejum para beber um copo de água em algum evento”, diz.
Quem o conhece, conta, sabe que Sadiq se sente “miserável” durante o Ramadão. “Falta-me sobretudo o café. Preciso da cafeína para não quebrar.” Mas este ano treinou-se psicologicamente para superar essa ressaca.
Filho de uma família humilde, lembra-se de que, quando era miúdo, os muçulmanos londrinos tinham de explicar aos outros porque não comiam no Ramadão. Acreditam que, nesse mês sagrado, os primeiros versos do Corão foram revelados pelo Profeta Maomé, há cerca de 1 400 anos.
Hoje, relata o mayor, tem amigos não muçulmanos, solidários, que ensaiam um jejum parcial durante o dia. “É um gesto bonito”.
E desmonta mitos. “A comida não é um problema – superamo-lo. Também não emagrecemos.” Reconhece, porém, que o Ramadão pode afetar momentaneamente, por exemplo, as capacidades de um neurocirurgião ou de um militar.
É a altura de Sadiq Khan fazer o twist no seu artigo. Ele, um muçulmano cumpridor dos preceitos religiosos, mas ocidental e com valores liberais, acabou eleito a 5 de maio último mayor de Londres. Foi a prova das provas de que as duas condições não são incompatíveis.
O Islão nada tem a ver com aqueles “homens de barba furiosos” que aparecem nas notícias “a dizer ou a fazer coisas terríveis”. O Ramadão, explica, “é um mês de sacrifício, reflexão e humildade”. Especifica que nesta altura está ainda mais desperto para o facto de a sua cidade, a quinta mais rica do mundo, ter tido, no ano passado, cem mil dos seus habitantes a recorrer a bancos alimentares – sem se comparar, claro, a um sem-abrigo: “Ao fim do dia, um banquete espera por mim em casa.”
Sadiq Khan vai aproveitar o cargo que agora ocupa para, neste mês sagrado, “erguer pontes”. Refeições típicas do Ramadão serão saboreadas em sinagogas, igrejas e mesquitas de Londres. “Quando se convida não muçulmanos a partilhar a iftar [termo árabe para a refeição noturna neste período]”, diz o mayor, “isso há de mostrar que não é nada de extraordinário, estranho ou assustador.”