Tinha apenas 20 anos quando o pai, um respeitado empresário dos transportes de mercadorias da pequena aldeia da Asseiceira Pequena, nos arredores de Lisboa, lhe passou para as mãos a Barraqueiro.
Tratava-se de uma empresa de passageiros, com 11 camionetas que o pai comprou a pedido de um amigo, Miguel Jerónimo, um dos donos do negócio que, ao chegar à velhice e sem herdeiros, optou por entregá-la a alguém de confiança.
O nome da empresa vem da alcunha da família, comerciantes na região da Malveira e que andavam de feira em feira de barraca às costas, os “barraqueiros”. “Na altura, toda a gente andava de camioneta. O senhor Miguel, que era agarrado ao dinheiro, ia-nos buscar de carro às oficinas só para não ocuparmos o lugar dos passageiros”, lembra Rui Gomes, chefe das oficinas e a trabalhar na empresa há 56 anos, oito anos antes desta ser vendida aos Pedrosa.
Sem dominar o transporte de passageiros, Artur Pedrosa decidiu entregar a nova empresa ao filho mais velho, Humberto. “O pai foi uma pessoa muito importante na sua vida”, recorda Luís Catarino, amigo de adolescência de Humberto Pedrosa e atual administrador da Fertagus, a empresa de comboios do Sul do Tejo do grupo Barraqueiro.
Humberto Pedrosa confirma. O pai não se metia no dia a dia da empresa. Humber- to também não lhe pedia conselhos. Arriscava e decidia quase na hora como ainda hoje gosta de fazer. “Sempre gostei da atividade de transportes. Mas sempre que via as camionetas de passageiros comparava um negócio com o outro. Enquanto nas mercadorias se recebia, e quando recebia, a 90 dias, nos transportes de passageiros recebia-se na hora. A aquisição da Barraqueiro foi uma coincidência que acabou por acontecer. Nunca me tinha passado pela cabeça antes”, confidencia.
Avesso a dar entrevistas, Humberto Pedrosa procura manter a presidência do grupo de forma tão discreta que se torna até difícil encontrar fotografias suas na empresa. Aos 67 anos, completa os 68 a 3 de outubro deste ano, continua a gerir o império com a mesma destreza e proximidade como quando começou. E, caso o consórcio que estabeleceu com o brasileiro David Neeleman, dono da companhia aérea brasileira Azul, seja eleito pelo Governo, passará a deter uma parte do capital social da TAP, aumentando ainda mais o império com mais de 5 400 trabalhadores, 34 empresas e uma faturação de 370 milhões de euros em 2014. Em 2013 foi distinguido como comendador e, no ano passado, ocupou o 15.º lugar da lista da Exame dos portugueses mais ricos, onde surge com uma fortuna avaliada em 301 milhões de euros.
Um dos seus segredos no ramo da camionagem sempre passou pela dimensão dos negócios. Em vez de criar uma megaempresa, prefere criar várias empresas de pequena dimensão máximo 300 trabalhadores e 200 autocarros e incutir nos administradores a mesma cultura com que sempre foi dirigindo os negócios. Do motorista ao financeiro, qualquer um bate à porta do administrador sempre que tem um problema por resolver e fá-lo na hora.
De pequenino…
O bichinho das camionetas entrou cedo na vida de Humberto Pedrosa. Da escola primária na aldeia, passou para o colégio da Malveira. No entanto, como recorda o seu primo Orlando Pedrosa, por volta dos 15 anos já acompanhava o pai nos negócios e nas cobranças. A vida na aldeia era pacata.
Em tempos, os pais geriram uma mercearia, onde a mãe Francelina dividia o tempo com as lides domésticas. Os verões eram passados na Ericeira, onde a família alugava uma casa todo o mês de setembro, quando não era o verão inteiro. Era esta uma das poucas alturas do ano em que os dois irmãos, Artur e o pai de Orlando, também ele dono de uma empresa de transporte de mercadorias, conviviam mais de perto.
Filhos de um agricultor da Asseiceira Pequena, foram sócios de uma empresa de camionagem, mas ao fim de algum tempo dividiram as quatros camionetas e cada um seguiu o seu caminho. Mais tarde passaram-no aos filhos. Artur era uma pessoa reservada, que demonstrava poucos afetos.
“O Humberto sempre foi muito calmo como a mãe e metido consigo mesmo como o pai”, conta Orlando Pedrosa. Os irmãos não eram visita de casa nem tinham por hábito partilhar eventos como o Natal.
Um século de história
Fundada por um casal de comerciantes da Malveira, a empresa Joaquim Jerónimo foi oficialmente criada pelos seus dois filhos, Joaquim e Miguel.
- 1915 A transportadora inicia atividade com cinco viaturas, que ligam a Malveira a Lisboa.
- 1967 Miguel convence o amigo Artur Pedrosa a ficar com o negócio, uma vez que nem ele nem o irmão têm herdeiros. O patriarca Pedrosa entrega a gestão ao filho Humberto, então com 20 anos.
- 1969 A Barraqueiro estabelece em Santo António dos Cavaleiros, em Loures, uma nova rota para Lisboa.
- 1973 Compra da empresa Henrique Leonardo Mota, que permite alargar a ligação até Torres Vedras.
- 1981 Nasce a Frota Azul, empresa de autocarros de turismo que depressa conquistou a liderança.
- 1990 Aquisição da Castelo & Caçorino, que permitiu à Frota Azul cobrir todo o Barlavento Algarvio.
- 1992/1995 À medida que foram privatizadas, o Grupo Barraqueiro foi comprando as rodoviárias do Algarve, Alentejo, Estremadura e do Tejo, atingindo desta forma o domínio da região a sul de Lisboa.
- 1996 Compra da Mafrense, que faz a ligação entre a Ericeira e Lisboa.
- 1999 Início da exploração da travessia ferroviária do Tejo, numa concessão de 30 anos.
- 2007 Arranca a primeira fase do Metro Sul do Tejo.
- 2010 O consórcio liderado pela Barraqueiro ganha a concessão do Metro do Porto por um período de cinco anos.
- 2015 O grupo concorre em parceria com o empresário David Neeleman à compra de parte do capital da TAP.
“Eu mantenho a minha empresa e o Humberto, que sempre foi muito aventureiro e ambicioso, mas nada vaidoso, seguiu o que o pai iniciou”, acrescenta Orlando.
Dos tempos de infância, Orlando recorda a aldeia onde não se passava quase nada.
Estavam a mais de uma hora de distância de Lisboa, percorrida em caminhos muitas vezes em mau estado e muito longe ainda da autoestrada. Os primos entretinham–se a percorrer os montes atrás dos pardais ou a jogar ao berlinde e ao pião. Humberto ainda hoje gosta de caçar nas diversas herdades que foi comprando ao longo da vida, sobretudo no Alentejo, onde produz também vinho e mel biológico e, no Algarve, em Cachopo.
Na Ericeira, depois do dia a banhos na praia do Sul, Humberto e os amigos, todos adolescentes, seguiam para o Parque de Santa Marta, onde participavam nos torneios de futebol de salão e, mais tarde, de voleibol. O administrador da Fertagus, Luís Catarino conheceu-o nesses dias quentes na vila piscatória. Com o fim do liceu perderam o contacto até que, em 1983, Humberto o foi buscar depois de ter ficado sem trabalho, quando caiu o Governo do bloco central. Acompanhou a entrada no turismo, com a criação da empresa de transportes de turismo Frota Azul e, mais tarde, nos anos 90, ajudou-o a preparar os cadernos para concorrerem à privatização das empresas do universo da Rodoviária Nacional. Humberto já não conserva a casa na Asseiceira Pequena nem goza férias na Ericeira, mas, sempre que pode, vai às furnas na estância balnear comer um peixe assado, como bom garfo que é.
Um conhecedor nato
Humberto Pedrosa aprendeu a gerir a empresa com a experiência. “Cheguei a ser cobrador.
Quando faltava uma pessoa lá ia eu cortar os bilhetes. No início fazia as escalas.
Levei o meu primo Fernando Lourenço comigo para a empresa e, enquanto um ficava no escritório e tratava de alugar os autocarros, o outro ia tratar das carroçarias e da oficina, na altura no Olival de Basto”, recorda o presidente do grupo Barraqueiro.
É destes tempos que vem o conhecimento profundo das máquinas. “Conhece como ninguém o estado de um autocarro. Basta olhar para ele”, assegura o amigo Luís Catarino. Humberto Pedrosa sorri. Ainda hoje se recorda dos números dos primeiros autocarros e da capacidade de cada um deles. Sempre que surge um autocarro para abater na empresa, telefonam-lhe e procura saber a marca e a carroçaria em questão. Só depois disso decide se autoriza o abate. Nem quando nas trágicas cheias de 1967, quando 25 dos 30 autocarros da empresa ficaram debaixo de água no Olival de Basto, Humberto deu sinais de desânimo. “Trabalhámos de dia e noite durante meses. Rebocámos os autocarros para o Poço do Bispo mas conseguimos recuperar todos”, recorda Rui Gomes.
O crescimento da empresa foi lento e estava muito condicionado. O Governo não autorizava a abertura de novas carreiras e o comboio era o meio de transporte protegido.
A Barraqueiro fazia as ligações desde São Pedro da Cadeira, em Torres Vedras, até ao Lumiar, em Lisboa. O trabalho começou a aumentar com o aluguer de autocarros para fazer o transporte escolar.
No final dos anos 60, a empresa consegue uma nova ligação, a partir do bairro em construção de Santo António dos Cavaleiros, nos arredores de Lisboa, e cuja história acabou por ficar profundamente ligada à Barraqueiro. “Foi o grande salto. Praticamente todos os moradores trabalhavam em Lisboa. Todos os dias, às seis da manhã ia assistir às partidas dos autocarros que ficavam lotados em poucos minutos.
Ao final da tarde ia para Lisboa assistir ao movimento inverso. Os passageiros não esperavam um minuto sequer por transporte e isso dava-me um gozo danado, ia para casa com o meu dever cumprido. Hoje poderá haver 10% de passageiros a fazer a deslocação Santo António dos Cavaleiros-Lisboa”, recorda Humberto Pedrosa.
Autocarros mais modernos e confortáveis, cuidado no serviço e nenhuma greve. A empresa distinguiu-se rapidamente da concorrência e, nas paragens, os autocarros seguiam uns atrás dos outros nas horas de ponta. A frequência era elevada mesmo ao longo do dia, marcando uma preocupação na qualidade invulgar para a altura. A somar a estes cuidados, a empresa procurou sempre manter o espírito familiar. É por isso que o seu presidente recorda, ainda hoje, com emoção um dos momentos mais duros do grupo, quando uns meses após a revolução do 25 de Abril, a comissão de trabalhadores tentou nacionalizar a empresa durante um plenário e o sindicato e os empregados votaram contra. Escaparam também por um triz ao famoso diploma que nacionalizou as empresas de transportes públicos: a lei aplicou-se às dez maiores empresas e com mais de 100 autocarros, a Barraqueiro ocupava o décimo primeiro lugar e tinha 80 autocarros.
O líder do grupo recorda ainda um dia em que foi ao Banco Nacional Ultramarino, preocupado com as notícias que davam conta da falta de dinheiro nos bancos.
Mal conhecia o gerente, mas pelos vistos era considerado o suficiente naquela dependência e que o terá descansado: “Ó Pedrosa, não se preocupe: quando não houver dinheiro para si não há para mais ninguém.” A instabilidade social e financeira era gigantesca. Com os escritórios na Calçada do Desterro, em Lisboa, e as oficinas no Olival de Basto, em Loures, Humberto Pedrosa tinha de ultrapassar as barricadas erguidas no final da Calçada de Carriche, na fronteira entre os dois concelhos, onde era mandado parar e revistado por mais de uma vez em menos de 24 horas. Apesar da agitação social, nunca teve problemas de maior dentro da empresa, até porque sempre manteve uma relação muito próxima com todos os trabalhadores.
Ainda hoje, sempre que algum colaborador tem um problema ou dificuldade financeira, o presidente ou as chefias aprontam-se a ajudar. No final dos anos 80, a empresa começa a ganhar dimensão. Fala-se na entrega da Rodoviária Nacional aos privados e Humberto Pedrosa começa a preparar-se para ir às compras. Em sociedade com a Vivendi (na altura Compagnie Generaux des Eaux), concorre à Rodoviária do Algarve.
Uma a uma, consegue ficar com todas as linhas da transportadora a sul. “Sou muito rápido a tomar decisões. Falo com a minha equipa, por vezes durmo sobre o assunto, mas não fico muito tempo a pensar no mesmo. Quando as pessoas começam a enrolar, aviso-as logo para irem diretas ao assunto”, assegura.
“É uma pessoa muito intuitiva, astuto, com faro para estes negócios. Sempre soube rodear-se de uma equipa competente e leal, com quem estuda e pondera as oportunidades de negócio. Sabe delegar bem.
É muito metódico e está sempre a pensar no negócio. Muitas vezes liga-me à noite para falar de ideias que teve”, conta José Luís Brandão, presidente do Metro Transportes do Sul, que se juntou à Barraqueiro em 1993, na altura das privatizações.
Aproveitar as oportunidades
Depois das rodoviárias, a empresa entra no transporte ferroviário. Primeiro com a Travessia Ferroviária do Tejo em 1999, depois com o Metro Sul do Tejo até chegar ao Metro do Porto, em 2010. “É terrível a negociar. É muito eficaz e, ao ser reservado e muito atento, consegue ser muito seguro.
Desarma qualquer pessoa com a sua frontalidade. As pessoas conhecem a sua seriedade e simplicidade”, descreve José Luís Brandão.
José Curvo de Deus, administrado-delegado da Rodoviária do Alentejo, da Barraqueiro e da Trevo, trabalha há 37 anos na empresa, acompanhando de perto a entrada no negócio dos autocarros do turismo e na rodoviária. Nos anos 80, a Barraqueiro já era a empresa da Europa com mais veículos a circular fora do País. “Tínhamos uma frota de luxo, com 80 a 100 autocarros a sair de Portugal e a regressar apenas em dezembro, o resto do ano estavam sempre alugados a percorrer a Europa. Já na altura, o senhor Humberto queria ter a maior empresa de transportes europeia”, conta José Curvo de Deus.
Será esta ambição que o tem guiado e faz procurar novos negócios para o seu portefólio.
“Nem sempre vai às empresas e delega as responsabilidades, mas todos sabemos que é ele quem manda e nem precisa de o dizer”, acrescenta do administrador-delegado da Rodoviária do Alentejo.
Enquanto espera pela abertura do concurso de concessão do Metro, Carris e algumas linhas da CP, Humberto acabou por receber quase do céu a oportunidade de ficar com uma posição na TAP. Foi através do Barclays que veio o convite para se associar ao empresário David Neeleman há cerca de três meses. A empatia foi imediata e do primeiro jantar no último andar do Hotel Sheraton em Lisboa, depressa passaram para uma parceria.
“Temos uma visão dos negócios muito semelhante e uma máxima comum: cuida bem dos teus trabalhadores e eles irão tomar bem conta dos teus clientes”, explica o presidente do Grupo Barraqueiro.
Os dois têm um perfil empreendedor e, enquanto Humberto surge como um empresário português de sucesso, com provas dadas nas privatizações nacionais, David domina o negócio da aviação. “A visão que eu e o David partilhamos é de crescimento, de futuro, de manter o que a TAP tem de bom e melhorá-la. A chave para a TAP voltar a ganhar a confiança dos seus clientes, que foi abalada com esta polémica das greves, é precisamente recuperar a confiança dos seus próprios trabalhadores”, explica.
Humberto Pedrosa não gosta de perder.
Nem quando o seu Benfica está em campo.
E sempre vai repetindo que está habituado a ganhar em tudo o que se mete. Este será um dos maiores desafios da sua vida e o empresário tem noção de que não vai ser fácil ser bem sucedido. Em todo o caso, não dá sinais de querer baixar os braços e quer continuar a correr atrás de mais empresas.