Foram mais de dois anos de trabalho a analisar mais de 50 transferências de jogadores do Benfica. Agora, na sua versão final e oficial, as conclusões da auditora EY são claras: “percorridas a 4 dimensões de análise descritas e analisadas as volumetrias de informação referidas, não identificámos nenhuma situação ou particularidade em que a SAD tenha sido diretamente lesada por qualquer um dos seus representantes”.
Esta auditoria forense foi pedida por Rui Costa, atual Presidente do Benfica, depois de ter rebentado a chamada “Operação Cartão Vermelho”, em que o Ministério Público considera que Luis Filipe Vieira, parentes seus, agentes e sociedades relacionadas tinham montado um esquema para ficar com parte do dinheiro dos negócios de transferências do Benfica, lesando assim a instituição, em proveito próprio. Esta investigação levou mesmo à detenção de Vieira e, de seguida, à sua substituição enquanto Presidente do Benfica, por parte de Rui Costa.
Na sequência do caso, a direção encarnada pediu à EY que analisasse em profundidade a transferência de três jogadores: Claudio Correa, Derlis Gonzales e César Martins. Com a apresentação dessas conclusões, o Benfica validou a metodologia e pediu que esse trabalho fosse estendido a mais 48 negócios, abrangendo assim 51 transferências, as que são identificadas como suspeitas pelo Ministério Público. Foi este o universo analisado, representando cerca de 30% de todas as transferências realizadas pelo Benfica entre 2008 e 2022.
A principal conclusão é de que a EY não conseguiu encontrar prova do esquema alegado pelo Ministério Público. Se tal acontecesse, o Benfica poderia reclamar desses danos junto de Luis Filipe Vieira, entre outras ações, por ter sido lesada.
Mais, fazendo as contas entre os ganhos e perdas dessas 51 transferências, o saldo até é positivo para a Benfica SAD, em 97 milhões de euros.
Offshores, comissões e violações de estatutos
Se não foi encontrado indício forte de um esquema fraudulento, a auditoria da EY não deixou de encontrar muitos problemas no que toca às transferências.
Em vários casos, há decisões importantes assinadas apenas por um administrador, quando os estatutos da SAD obrigam à assinatura de, pelo menos, dois. Nesses casos, consta apenas a assinatura de Luis Filipe Vieira. Noutros, há esta e a de Paulo Gonçalves, à data assessor jurídico da SAD mas que não era administrador; em nenhuma situação é identificada qualquer ação que tenha tido apenas a assinatura de Domingos Soares de Oliveira, ex-CEO da SAD, ou de Rui Costa, Ex-vice-presidente e atual Presidente da SAD.
Rui Costa, aliás, praticamente não é mencionado no documento.
No que toca aos negócios com offshores, a EY salienta que isto aconteceu em muitos casos, todos eles do lado das contrapartes com quem o Benfica negociou, seja para pagamento dos passes seja para pagamento de comissões a jogadores e agentes contratados. Para algumas destas sociedades não foi possível apurar quem, na verdade, as detém.
Um dos pontos sensíveis de análise prendeu-se com quem estava realmente nos negócios. Naquilo que se relaciona com a “Operação Cartão Vermelho”, foram detetados vários negócios que a EY considera que podem configurar conflitos de interesses, uma vez que contaram com a intervenção do agente Bruno Macedo, sócio de Luis Filipe Vieira numa imobiliária e um dos arguidos na “Operação Cartão Vermelho”.
Outro dos pontos focados é o pagamento de comissões, que excedem largamente as recomendações (e não uma obrigação) da FIFA, embora a EY cite um estudo que mostra que isto é prática generalizada em todos os grandes campeonatos europeus.
Vieira e Paulo Gonçalves sem contraditório
Entre as pessoas que, ao longo do tempo, foram tendo um papel mais determinante nos negócios relativos a jogadores, a auditora teve acesso à documentação contabilística e contratual nas mãos do Benfica, bem como à caixa de correio de três pessoas: Domingos Soares de Oliveira (ex-CEO da SAD), Miguel Moreira (ex-diretor financeiro) e Paulo Alves (do departamento financeiro). No entanto, admite o documento: “em relação aos indivíduos que participaram nas negociações, relativas às transações dos 51 jogadores, não nos foi possível discutir as conclusões com Luis Filipe Vieira, nem com Paulo Gonçalves, mas foi possível perceber o seu grau de envolvimento no fluxo de emails analisados de outros intervenientes”.
A auditoria foi já esta sexta-feira disponibilizada publicamente aos sócios, através do site do Benfica.
Segundo o comunicado da SAD, que acompanha o relatório, “a Benfica SAD deu total autonomia à EY para a elaboração da referida Auditoria e colaborou em tudo o que foi solicitado, tendo sido analisadas um total de 51 transações em todas as suas vertentes, correspondentes à totalidade dos contratos que o MP terá considerado, de alguma forma, suspeitos.
O tempo decorrido foi o considerado necessário por parte da EY, dada a complexidade da análise em questão e tudo o que foi analisado, o elevado número de elementos analisados e o hiato temporal da referida análise (cerca de 14 anos), como pode ser comprovado no referido relatório”.
Por último, “conforme compromisso publicamente assumido, foi já enviada cópia do relatório para o Ministério Público, no âmbito do mencionado processo que ainda se encontra em investigação. Mais se acrescenta que a Administração não deixará de zelar pela defesa intransigentes dos interesses da Benfica SAD em tudo o que se revelar necessário, procurando pautar a sua conduta, sempre, pela legalidade e pelas melhores práticas”, conclui o comunicado do Benfica.