Na madrugada de 25 de Abril próximo terá início o primeiro de vários momentos de reconstituição da operação militar de há 50 anos, que derrubou a ditadura do Estado Novo. Na antiga Escola Prática de Cavalaria de Santarém será recriada a formação das tropas e a sua saída do aquartelamento, comandadas pelo capitão Salgueiro Maia. Depois, viaturas militares de época vão desfilar nas ruas daquela cidade, revelou esta quarta-feira, 7, a Comissão Comemorativa dos 50 anos do 25 de Abril, na divulgação do programa oficial que celebra o cinquentenário do golpe que conduziu à Revolução dos Cravos.
Quando o dia amanhecer, terá lugar no Terreiro do Paço, um dos locais mais emblemáticos da Operação Fim de Regime, uma parada militar evocativa, à qual se seguem outros episódios de reconstituição histórica: a chegada a Lisboa da coluna de Salgueiro Maia, com desfile desde Sacavém, a tomada daquela praça central da capital, a confrontação com as forças do Regimento de Cavalaria 7, decisiva para a vitória do golpe, e o cerco ao Quartel do Carmo, onde se refugiara o Presidente do Conselho, Marcelo Caetano. Aquele quartel, onde se deu a rendição do sucessor de Salazar, após as forças comandadas por Salgueiro Maia terem sitiado o local, estará a 25 de Abril de portas abertas ao público. Em Elvas, a chaimite Bula – em que Marcelo Caetano foi transportado depois de apresentar a sua rendição – será exposta junto ao paiol. Tudo isto para lá dos tradicionais desfiles populares na lisboeta Avenida da Liberdade e por todo o País, e da cerimónia solene na Assembleia da República.
“As comemorações dos 50 anos do 25 de Abril pretendem contribuir para uma sociedade mais conhecedora da sua história recente, e também mais participativa, plural e democrática”, diz Maria Inácia Rezola, comissária executiva. “Consideramos que preservar a liberdade e a democracia é um dever de todos”, acrescenta. “Por isso, pretendemos que 2024 seja um ano de festa e de evocação, mas também de aprendizagem, de reflexão e de ação. O programa visa a mobilização do conjunto da sociedade e, nesse sentido, permanece aberto à colaboração de todos, com a ajuda das plataformas digitais. Todos têm lugar e todos são necessários.” Eis um conceito que lembra a frase do Papa Francisco que ficou na memória coletiva, proferida na Jornada Mundial da Juventude, em Lisboa: “Todos, todos, todos!”
A 25 de Abril terá lugar no Terreiro do Paço, um dos locais mais emblemáticos da “Operação Fim de Regime”, uma parada militar evocativa
O ano decorre sob o mote 50xTodos, para somar à mensagem patente na marca das comemorações (50×2, porque se celebram 50 anos de liberdade e de democracia) a ideia de que todos são chamados a participar. Para o efeito, a comissão disponibilizará no seu site, além do programa completo das comemorações, um conjunto de recursos de uso livre, que inclui exposições, e conteúdos educativos e criativos, “para que cada um possa escolher, em liberdade, como pretende celebrar a data”.
Naquele site encontra-se também a Agenda 25.04, “uma ferramenta colaborativa que permitirá aos municípios, organismos estatais e às mais variadas organizações da sociedade divulgarem, para consulta pública, as iniciativas que estão a desenvolver”. O programa das comemorações aborda, igualmente, o presente e o futuro. Uma exposição intitulada De Abril a Abril: 50 Anos, 50 indicadores de mudança, de cariz itinerante e que será inaugurada, em abril, no Porto, ilustra, através de indicadores socioeconómicos e culturais, o caminho percorrido por Portugal desde o derrube da ditadura. Desenvolvida em parceria com o Instituto Nacional de Estatística, a iniciativa irá traduzir-se na constituição de um dossiê e na criação de uma campanha digital.
Sondagem: o que melhorou, o que piorou?
A comissão vai ainda promover um estudo de opinião sob o título de Os portugueses e o 25 de Abril. Dirigida por Pedro Magalhães, investigador-coordenador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, esta sondagem pretende apurar a perceção sobre a democracia e os legados do 25 de Abril. Serão abordados temas como o lugar do 25 de Abril enquanto facto histórico na sensibilidade dos portugueses; as atitudes em relação ao regime anterior; o grau de conhecimento sobre figuras políticas e militares da época; as opiniões acerca da Constituição portuguesa; e as perceções sobre os aspetos da vida no País que mais melhoraram ou pioraram nos últimos 50 anos. Os resultados serão apresentados a 19 de abril, na Fundação Calouste Gulbenkian, na capital.
A comissão vai proporcionar, via ChatGPT e H5P, conteúdos de ensino e aprendizagem do 25 de Abril, num curso preparado e ministrado pela Associação de Professores de História, e dirigido a docentes
Os espetáculos também estão, claro, no programa, o primeiro dos quais, um concerto de Sérgio Godinho, se realiza já a 16 de março, no Centro Cultural e de Congressos das Caldas da Rainha. Evoca-se assim o chamado e falhado Golpe das Caldas, a 16 de março de 1974, intentona neutralizada pelo regime de Marcelo Caetano, mas da qual os militares retiraram relevantes lições para o sucesso da operação desencadeada a 25 de Abril seguinte. A comissão vai igualmente evocar o Encontro da Canção Portuguesa, que se realizou no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, a 29 de março de 1974. Decorrendo ainda num regime de censura (cerca de três dezenas de canções e poemas foram proibidos pelos censores), o concerto traduziu-se numa ação de protesto e de denúncia da ditadura. O espetáculo, que reuniu vários cantores da resistência, foi um êxito e terminou com Grândola, Vila Morena, cantada por Zeca Afonso e por todo o público, que saiu do Coliseu entoando o tema. Menos de um mês depois, Grândola seria a senha para o início das operações militares que conduziram ao derrube da ditadura. Este acontecimento será revisitado a 22 de março, no Cineteatro Capitólio, em Lisboa, com um espetáculo que reunirá músicos que atuaram no evento e artistas de gerações posteriores. O concerto será transmitido pela RTP e pela Antena 3.
Já o Campo de Concentração do Tarrafal, na Ilha de Santiago, em Cabo Verde, acolhe, a partir de 1 de maio, uma exposição que pretende preservar a memória histórica da repressão que ali se abateu durante a ditadura. Ao longo de mais de 30 anos, quase 600 presos políticos de Portugal, Angola, Guiné-Bissau e Cabo Verde passaram por aquele espaço. As condições do local e a forma como os detidos eram tratados fez com que fosse conhecido como “campo da morte lenta”. Os presos só seriam libertados a 1 de maio de 1974.
Mas a alinea mais surpreendente do programa é um curso para docentes feito com Inteligência Artificial. A comissão vai proporcionar, via ChatGPT e H5P, conteúdos de ensino e aprendizagem do 25 de Abril, num curso preparado e ministrado pela Associação de Professores de História, e dirigido a docentes do 2.º e do 3.º ciclos, e do secundário. O futuro é já ali…