Muito já se escreveu sobre a importância dos contos tradicionais para a interpretação do mundo em sociedade. Estas histórias, que passam de geração em geração – por mais cruéis que possam ser – preparam crianças e adultos para o mundo, desvendando, em parte, a natureza dos seus abismos.
Talvez por isso Michel Hazanavicius tenha feito de A Mais Preciosa Mercadoria uma história cruel e bela em torno do Holocausto, uma fábula, quase ao estilo de Charles Perrault. E para melhor definir essa linguagem, escolheu a animação – que se tornou a herdeira mais eficaz dessa tradição oral.
No seu primeiro filme de animação, o realizador francês resgata o livro de Jean-Claude Grumberg. A ideia de fábula baseada em factos reais é logo construída e desconstruída no início, quando se refere ao Pequeno Polegar. Outras histórias se encaixariam neste ponto de partida: a de um casal estéril que vive isolado numa floresta e a quem um bebé cai nos braços.
O contexto, que é o que mais conta, é a II Guerra Mundial. E aquele bebé, apelidado de “a mais preciosa mercadoria”, foi, na realidade, atirado de um comboio por um pai desesperado a caminho de um campo de concentração nazi. O filme faz assim, também, justiça àqueles que tiveram a coragem de proteger os judeus perseguidos em tempos de terror.
A Mais Preciosa Mercadoria – uma animação para pequenos e graúdos – é um filme tão belo quanto comovente, com uma animação bem desenhada, que foge aos parâmetros da Disney, da DreamWorks, etc., e uma história que procura ser eficaz no seu mais nobre propósito: não apagar a memória. O que significa também estar alerta para as réplicas de desumanidade e genocídio que ainda hoje ecoam no mundo, com diferentes protagonistas.
O filme foi feito, em parte, para assinalar os 80 anos do fim da guerra que assolou a Europa e o mundo, e expôs a Humanidade a níveis bárbaros de crueldade. A Mais Preciosa Mercadoria consegue atingir um público diversificado através de uma história simples.
Esta incursão no cinema de animação não deixa de ser um passo surpreendente para Michel Hazanavicius, realizador conhecido por O Artista, filme mudo francês que foi a grande sensação dos Oscars em 2011.
A Mais Preciosa Mercadoria > De Michel Hazanavicius, com vozes de Dominique Blanc, Grégory Gadebois, Denis Podalydès, Gueule Cassée e Jean-Louis Trintignant > 81 min