Pintada à entrada, na parede, está uma citação de Agustina Bessa-Luís, que faz pensar no processo de trabalho de Cindy Sherman, artista que produz autorretratos a desafiar estereótipos e padrões, manipulando identidades e a própria aparência. Sem uma abordagem cronológica e estruturada como uma encenação, a exposição “Metaformoses” percorre toda a carreira da influente artista norte-americana nascida em New Jersey em 1954, desde os primeiros trabalhos até ao seu mais recente projeto. São cerca 100 imagens e um mural inédito para ver no Museu de Serralves até 16 de abril.
Há toda uma montagem teatral, e colorida, de cenários inspirados pelas histórias de Sherman, que transformou por completo a ala esquerda do museu. Pintada com cores vitorianas, a remeter para o Museu do Louvre, em Paris, e com uma claraboia no teto, na primeira sala, o visitante é confrontado com Retratos Históricos, um conjunto iniciado em 1988. São impressões de larga escala, onde se identificam algumas pinturas clássicas famosas, onde a artista se representa a si própria. Sem esquecer acessórios, roupa e uma série de objetos da época, remetendo para obras de pintores como Rafael, Caravaggio ou Jean Fouquet.

Com curadoria do diretor do museu, Philippe Vergne, a exposição, organizada pela artista em parceria com a The Broad Art Foundation, de Los Angeles, é baseada nas histórias implícitas observadas no seu trabalho e que vão conduzindo a múltiplas interpretações. Na verdade, essa é apenas “uma das singularidades da obra desta artista”, que “não dá nome a nenhuma das suas obras de forma intencional, dá abertura para que cada pessoa crie a sua narrativa, sem a influência de um título”, com explicou o curador na apresentação aos jornalistas.
A transformação física da artista, que usa quase sempre o seu próprio corpo e a fotografia como meio, sendo autora e modelo em simultâneo, acompanha-nos na peregrinação pelas salas. A representação implica uma mutação que leva a alterações físicas da artista, em produções com muito detalhe, organizadas nesta exposição em diferentes séries. Outra particularidade referida pelo curador foi “a quase ausência de sorrisos” nas fotografias: “São quase sempre rostos com a chamada ‘poker face’, uma quase falta de expressão, um retrato de um género, não de uma personagem.”

Reconhecida por encarnar papéis de estereótipos femininos, Sherman experimentou diferentes identidades: heroínas de filmes, donas de casa solitárias, raparigas trabalhadoras e ingénuas, mas também o amante abandonado e infeliz. Aborda, assim, temas e retratos da sociedade. Um dos exemplos, explica o curador, é a forma como vê a moda e contraria os padrões do corpo perfeito, como aconteceu quando foi contratada para campanhas de casas de moda, como a Jean-Paul Gautier ou a Comme des Garçons. Ao lado, vê-se a série Palhaços, uma espécie de “quarto de máscaras”, cujas histórias foram todas construídas à volta da figura do clown e obrigou a uma pesquisa minuciosa. “São figuras mais perturbantes do que divertidas onde a maquilhagem esconde mais do que revela”, nota.
Grande parte dos personagens criados por Sherman, sejam eles glamorosos ou grotescos, remetem para um determinado contexto, um lugar e um tempo específico. De destacar que grande parte da obra foi criada no estúdio da artista, e de forma solitária, pois Cindy Sherman, para além de fotógrafa, é “maquilhadora, cabeleireira e intérprete do papel a desempenhar.” Essa prática aplica-se tanto ao período analógico como à mudança para a fotografia digital – atualmente é comum a utilização de filtros nos seus retratos partilhados na rede social Instagram.
Além da radical mudança nas salas, Metamorfoses reserva para o final um mural fotográfico, inédito, de quatro metros de altura, onde se veem cinco personagens. Pensado e construído especificamente para o museu, este trabalho foi colocado “de forma intencional num lugar inspirador”, junto às janelas, sendo visível a partir dos jardins. “Único e efémero”, como sublinha Paula Fernandes, coordenadora da exposição.
Cindy Sherman: Metamorfoses > Museu de Serralves, R. D. João de Castro, 210, Porto > T. 22 615 2500 > 4 out-16 abr, seg-sex 10h-18h, sáb-dom 10h-19h > €12