Há muitos filmes sobre extraterrestres, mas Titane parece ter sido feito por um. Ou por uma, para ser mais rigoroso. O segundo filme de francesa Julia Ducournau foi a grande surpresa do Festival de Cannes, ao arrebatar a cobiçada Palma de Ouro. E surpreende porque, logo à partida, não é comum o júri do mais prestigiado festival europeu deixar-se impressionar por filmes de género. Mas a imaginativa e imagética exploração de universos raros proposta pela jovem realizadora francesa atravessa e suplanta as questões de género e abala os quadros referenciais.
A esse nível, aponta-se facilmente à cabeça David Cronenberg (Crash, Videodromme…), Ridley Scott (Blade Runner) e também Quentin Tarantino (Kill Bill, À Prova de Morte) ou o Manga japonês. Mas talvez também se possa olhar para Titane como o filme que Leos Carax estava a dever-nos, só que, em vez disso, resolveu fazer aquele insípido musical chamado Annette. Ducournau é, até ver, uma promissora herdeira de Carax de Holy Motors – e, nesse aspeto, até mais caraxiana do que o próprio realizador francês.
Um breve resumo do enredo é o suficiente para auferir o grau de imaginação fantástica. O filme conta a história de uma serial killer que tem relações sexuais com automóveis e acaba por engravidar. No processo de fuga à justiça, faz-se passar por uma criança desaparecida e acaba enturmada num peculiar quartel de bombeiros que funciona como uma seita.
Acresce a isto um ritmo visual intenso, de filme de ação, em que se descobre espaço, em contraste, para cenas de comovente e insólita ternura. Um papel extraordinário, visceral, de Agathe Rousselle, uma personagem intuitiva, animalesca, em constante processo metamorfósico. E o sempre brilhante Vincent Lindon, aqui, arrisca fugir do seu habitual contexto realista, mas ainda assim enche de humanidade um filme metálico.
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Titane > De Julia Ducournau, com Agathe Rousselle, Vincent Lindon > 108 minutos