A nova coprodução do Teatro da Garagem com o Teatro Nacional São João revisita uma peça maior do repertório clássico, aqui com tradução da poetisa Regina Guimarães. Retrato da luta incansável do homem pelo poder, alimentado pelo riso, representa uma “alegre anomalia” no percurso da companhia, que não costuma praticar um teatro de repertório. Para Carlos J. Pessoa, responsável pela dramaturgia e encenação, a qualidade artística do Tartufo de Molière reside “no texto e, por consequência, no jogo desenhado pelos atores, no exercício cénico da palavra”.
Nesta versão contemporânea da peça, cada ator representa duas personagens (por vezes, uma masculina, outra feminina), numa “duplicidade que pretende evidenciar a complementaridade das mesmas entre si, nas diferentes tonalidades que apresentam”. A única exceção é Orgon, interpretado por Sérgio Silva, retratado como um homem de negócios atual. Já o impostor Tartufo (o ator Miguel Damião) surge como um guru de ioga, sedutor e empreendedor. O certo é que ninguém passa sem mácula, todos parecem condenados à intoxicação pela tartufice.

Este é um teatro “em que não há heróis nem vilões, mas criaturas que produzem e combatem a pestilência”, descreve o encenador. Na conceção plástica do espetáculo, as personagens vivem obcecadas por “nódoas” que não conseguem limpar ou esconder e que se acumulam no cesto de roupa suja… Tal como as imposturas e hipocrisias que se sobrepõem e vão impossibilitando a descoberta da “verdade.” O trabalho de vídeo, sonoplastia, luz e figurinos acentua o ambiente repulsivo. Só uma lavagem coletiva, com o humor como ingrediente principal, pode repor a ordem das coisas.
Tartufo > Mosteiro de S. Bento da Vitória > R. S. Bento da Vitória, Porto > T. 22 233 2041 > 29 set-10 out, qua-sáb 19h, dom 16h > €10