Amor roubado no filme “Shoplifters – Uma Família de Pequenos Ladrões”
Vencedor da Palma de Ouro em Cannes, um delicado filme japonês sobre um submundo de afetos. Shoplifters – Uma Família de Pequenos Ladrões já se estreou nas salas de cinema
“As coisas que estão no supermercado não pertencem a ninguém, porque ainda ninguém as comprou”, diz um pai ao seu filho adotivo (ou afetivo), como justificação do roubo, porque já se sabe que os princípios morais podem ser fabricados à medida de cada um. O filme de Hirokazu Kore-eda, justamente distinguido com a Palma de Ouro em Cannes, é uma estimulante reflexão sobre o bem e o mal, o certo e o errado, afastando toda e qualquer lógica simplista bipolar preconcebida. Que é como quem diz, as coisas raramente são tão simples quanto parecem.
Kore-eda, com toda aquela riqueza poética dos gestos simples, como só os japoneses sabem fazer, coloca-se no estrato mais baixo da sociedade, o que até é raro na cinematografia nipónica que chega às telas europeias. Tal como em Nobody Knows (2004), estamos junto da ralé, num submundo miserável e escondido.
Para fazer este filme, Kore-eda inspirou-se nas histórias reais de famílias que ocultavam a morte dos avós para continuarem a receber a pensão correspondente. No caso, leva a ideia de construção familiar a um novo patamar – a família Shibata é feita mais de laços de afeto do que de laços de sangue. O afeto e a proximidade criam-se, ilegal e sub-repticiamente, como resposta aos males sociais.
Osamu, preguiçoso chefe de família, rege-se por princípios socialmente errados. Ensina os filhos “emprestados” a roubar, porque diz não ter mais nada para lhes ensinar. Premissas dickensianas, estratégias de sobrevivência, que são compensadas por um alto grau de afeto. E é na exploração do quadro afetivo, da generosidade instintiva, que Kore-eda não só desculpa os adultos mas também cria toda essa ambiguidade moral, longe de uma condenação sumária. Os pequenos crimes, praticados com mestria, que não maltratam nem magoam, são um surpreendente fator de união. De certa forma, Shota rouba com o “pai” assim como outras famílias vão à pesca ao fim de semana.
Shoplifters – Uma Família de Pequenos Ladrões > De Hirokazu Kore-eda, com Kirin Kiki, Lily Franky, Moemi Katayama > 121 minutos