
Ainda o filme não chegou a um terço e já passámos os maiores dramas da diáspora dos imigrantes/refugiados a caminho da Europa. Ou seja, a própria viagem, que envolve sacrifícios e riscos tremendos, bem como um jogo de enganos, numa aparente desumanização das personagens. Atravessam mares de areias e desertos de água e sal, onde homens se animalizam em nome de um oásis com água envenenada. O paraíso europeu é, na melhor das hipóteses, um purgatório, mas amiúde revela-se um inferno.
É o que se vê em Mediterrânea, filme do italiano Jonas Carpignano, que conta a história de um grupo de imigrantes em Itália, oriundos da África Ocidental. O filme começou a ser preparado em 2012, mas só agora se estreia, ganhando natural pertinência com situação da Síria. Mas o problema já lá estava. E Carpignano tem a capacidade de abordar a questão em toda a sua complexidade. Talvez por ter sido escrito há quatro anos, as personagens de Mediterrânea não são sírios, antes africanos negros: não são refugiados “políticos” que fogem de uma guerra cruel e implacável, mas os chamados imigrantes económicos que abandonam os seus países em busca de melhor sorte. Isso torna o filme ainda mais interessante, fugindo ao atual lugar comum da família síria, e mostrando que no caso dos imigrantes económicos há igualmente legitimidade na busca de refúgios e melhores condições de vida.
O realizador italiano parte da história e da experiência pessoal de Koudous Seihon, o ator principal do filme, natural do Burkina Faso, que atravessou o cabo das tormentas da imigração ilegal em Itália. Nota-se essa experiência vivida na sua poderosa interpretação. Nesta história exemplar, há uma tentativa de mostrar como não há saída. E é essa sensação de impotência que nos transtorna. Por um lado, um racismo transversal na sociedade italiana, ora brutal, ora camuflado. Um retrato particularmente embaraçoso para o povo italiano que, como se sabe, é um povo de emigrantes. Estes africanos que agora penam no engano de uma vida melhor, em muito se assemelham aos italianos que outrora viajaram em condições miseráveis para os Estados Unidos. Que é como quem diz: os refugiados fomos nós.