Malhas que parecem veludo, linhas que mimetizam pelo, redes em vez de rendas, fitas de tafetá em lugar de fios de algodão, detalhes prateados, impressos sobre tecidos onde o preto e o branco deram lugar ao azul e ao cinzento.
A menos de uma semana do início da 64ª edição da ModaLisboa, a coleção outono/inverno 2025 de Constança Entrudo, que a própria afirma ser uma celebração dos “second best” [os segundos melhores], descansa já quase toda num charriot, à entrada do seu atelier.
Os materiais, bem como as cores, foram pensados como “as segundas melhores” opções, relativamente àqueles que costumam ser usados pela marca. “Por exemplo, o que costumamos fazer com linhas, surge agora com fitas, ou, sempre que queríamos usar preto, optamos por tonalidades de cinzento ou azul escuro”, conta Constança.
Ainda assim, tal como nas coleções anteriores, a designer de moda mantém-se comprometida com a investigação têxtil e com o desenvolvimento de tecidos sustentáveis criados por si que, a par de um espírito criativo, minucioso e metódico, a têm destacado desde que se lançou em nome próprio, há sete anos.
A nova coleção, explica Entrudo enquanto observa os últimos preparativos no primeiro andar do atelier, é um hino “às segundas escolhas”, aos que se tornam invisíveis, encurralados entre terceiro e o primeiro lugar ou engolidos pela distância que separa a derrota da glória. “A maioria das pessoas é o second best [o segundo melhor] na vida de alguém ou naquilo que faz. Ninguém quer ser, mas somos todos”, assegura, sorrindo.
A maioria das pessoas é o second best [o segundo melhor] na vida de alguém ou naquilo que faz. Ninguém quer ser, mas somos todos
constança entrudo, designer de moda
Munida de um sentido de humor já típico no seu trabalho e de cerca de 50 novas criações, que serão mostradas nesta sexta-feira, dia 7, no Centro de Arte Moderna (CAM) da Fundação Calouste Gulbenkian, ainda que nos custe admitir, Constança prestará um tributo a todos nós.
Recordando-nos ainda que a meritocracia não pode ser sinónimo de uma desumanização alarmante, da qual somos escravos por nunca nos terem ensinado que, mesmo com muito trabalho, nem sempre vamos ganhar. Levante a mão aquele a quem ensinaram realmente a perder.
Rosetas, pódios e muitos confetti
O ponto de partida para estas reflexões, e para a sua materialização nas camisolas, vestidos, casacos, saias, calças, camisas e cachecóis que se encontram no charriot da entrada, conta Constança Entrudo, foi um livro sobre o casamento da princesa Diana com o então príncipe Carlos, onde havia fotografias de rosetas com a cara dos príncipes, que, na altura, muita gente fez para pendurar na rua.
Associadas à ideia de prémio ou condecoração, as rosetas – na coleção surgem reinterpretadas em fita de tafetá e veludo, sobre lapelas de camisas, ou estampadas em serigrafia, na parte frontal de vestidos –, remeteram Constança e Bernardo Cunha, diretor de arte da marca, para “a questão da meritocracia” e de uma “cultura de competição super americanizada, com vencedores e vencidos, em que ninguém quer ficar em segundo lugar”.

E porque quem fica em segundo, ainda que com o amargo na boca, é obrigado a festejar, confetti não faltam. Surgem recriados em veludo e cozidos a camisolas de manga comprida, estampados em vários dos tecidos, ou ainda como trocadilho, na parte exterior de um vestido comprido, cujo forro é prateado, numa alusão à ideia de que deveríamos celebrar mais os lados positivos do processo, mesmo que este conduza à derrota [em inglês, silver lining tanto quer dizer forro prateado como “o lado positivo”].
Já as linhas, os cortes e as formas trazem à memória equipamentos de modalidades como a ginástica rítmica, a acrobática ou a patinagem artística, remetendo para as grandes competições olímpicas dos anos 1980 e para as meninas prodígio que, nelas, acumulavam dezenas de medalhas ao peito.
Há uma ironia associada, claro, mas também há uma lição. Às vezes, a segunda escolha é a mais sustentável a longo prazo e acaba por ser mesmo a melhor
constança entrudo, designer de moda
Por fim, para a apresentação das peças, no CAM, Constança e Bernardo pensaram numa performance que transmitisse a ideia de celebração do segundo lugar. “Vamos ter vários pódios, instalações e esculturas feitas por nós com tecido drapeado, em que o primeiro lugar é tão alto que nem sequer vale a pena considerar e, por isso, os manequins e performers estão todos no segundo lugar”.
Além dos pódios, tal como nos estádios olímpicos, vão existir ecrãs gigantes com projeções, em grande plano, das caras dos performers, atravessadas por “aquela expressão muito específica associada aos segundos”, sempre em personagem, com um piscar de olhos constante e a suster a respiração.
“Há uma ironia associada, claro, mas também há uma lição”, assegura Constança Entrudo. “Às vezes, a segunda escolha é a mais sustentável a longo prazo e acaba por ser mesmo a melhor”.
ModaLisboa: Second Best, de Constança Entrudo > Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian > R. Dr. Nicolau Bettencourt, Lisboa > 7 mar, sex 17h, 17h20, 17h40 > entrada livre, mediante levantamento de bilhete no próprio dia a partir de 2 horas antes da apresentação (máximo de 2 bilhetes por pessoa)