O encanto, por vezes, está nos pormenores, e quem visita Amarante sabe muito bem disso. Pode-se até começar pela imagem do rio Tâmega, visto da Ponte de São Gonçalo, com o casario pregado às margens e refletido nas águas serenas como se de um espelho se tratasse. Depois, vem o pormenor. O recém-inaugurado Cineteatro de Amarante tem uma presença imponente, junto ao parque florestal e sobranceiro ao rio. Fica na margem esquerda, a 300 metros da ponte.
Da estrutura aberta ao público, em 1947, ficou apenas a fachada; tudo o resto mudou. Miguel Silva, técnico superior da Câmara Municipal de Amarante, numa visita guiada ao icónico edifício, conta-nos que este funcionou como sala de cinema até aos anos 80, mas depois “entrou em decadência.”
Apesar de bastante degradado, acabou por ser comprado pela câmara, em 2000, para o recuperar e devolver à cidade como equipamento cultural. Para lá da original fachada dos anos 40, com grandes janelas em vidro, há agora uma nova e moderna estrutura em betão, que confere ao cineteatro uma imagem contemporânea de forte impacto.
Galeria
Bem encaixado na envolvente urbana, o edifício, reabilitado pelo arquiteto Carlos Prata, abraça este novo volume, numa clara relação entre proporção e escala. Os materiais usados, como o betão e o ferro, as linhas retas e depuradas, além dos tons claros, conferem grande luminosidade aos dois foyers que dão acesso à plateia e à tribuna. Será ali que, em breve, abrirá The President’s Club Piano Bar e Vinoteca.
Com uma área total de nove mil metros quadrados, a atual configuração do edifício contempla uma sala de espetáculos para 386 pessoas sentadas, com torre cénica, sala de ensaios, camarins, gabinetes e outras valências de apoio aos artistas. Além de duas régies e de um ecrã LED exterior, destaca-se a concha acústica, composta por módulos em painéis de madeira, com iluminação própria, para uma orquestra completa. “Tem condições para receber todo o tipo de espetáculos”, assegura Miguel Silva, do teatro à música, da ópera ao bailado, passando por ciclos de cinema.
A ponte é uma passagem
A envolvente do teatro vale, por si só, uma visita, com as pastelarias, que exploram o receituário conventual (papos de anjo, foguetes, lérias, brisas do Tâmega…), a rivalizarem com os ilustres da terra, como Teixeira de Pascoaes, Agustina Bessa-Luís e Amadeo de Souza-Cardoso. É na outra margem, junto à ponte, que encontramos o restante centro histórico, onde se destacam a Igreja de São Domingos e o Convento de São Gonçalo, que acolhe o Museu Amadeo de Souza-Cardoso.

Neste último, na Sala do Capítulo, encontra-se a exposição Comer e Existir, que assinala a entrega do Grande Prémio Amadeo de Souza-Cardoso a Ana Jotta. O inesperado e libertário trabalho da artista – visível num conjunto de ecrãs de projeção pintados, em que há formigas a devorar sobremesas, e nos bolos fálicos tradicionais de Amarante num friso – cruza-se com a obra Paisagem com Casario (1912) de Amadeo. “É uma elegia radical ao prosaico, ao mínimo insignificante, um lugar de atenção à essencialidade da vida: dormir e trabalhar, comer e existir”, dizem Lígia Afonso e Samuel Silva, os curadores da exposição. No primeiro piso, há fotografia, instalação, pintura, escultura e dois filmes de 15 artistas, selecionados pelo júri do prémio.

Com o rio por companhia, alcançamos o café São Gonçalo, aberto desde a década de 30, do século passado, e que agora é restaurante e bar. Neste edifício histórico, remodelado no início de 2023, faz-se questão de lembrar que este foi um dos lugares favoritos de Teixeira de Pascoaes, poeta do saudosismo, e ponto de encontro para outros notáveis, como o poeta e pintor Mário Cesariny.
O São Gonçalo integra a Rede de Cafés Históricos de Portugal e mantém uma agenda de iniciativas, certificam os irmãos Luís Miguel e João Pedro Antunes, os novos proprietários que querem “revolucionar o panorama cultural e gastronómico da cidade”, sem deixarem de “respeitar a sua História e tradição.” A pensar nos almoços de família, ao domingo, privilegia-se a partilha e servem cabrito e leitão.

Uns passos à frente, há um refúgio perfeito debruçado sobre o Tâmega. A Casa do Fontanário, com paredes de granito e pincelada de cor, foi renovada sem perder a identidade. Alberga quatro apartamentos (estúdio, T1 e T2), com varanda e uma vista desafogada, onde reina a tranquilidade. O alojamento de João Baptista e de Laura Pinto é uma declaração de amor do casal à cidade – e que bela cidade.
GUIA DE PASSEIO
VER
Cineteatro de Amarante Av. General Silveira > T. 255 420 215
Museu Amadeo de Souza-Cardoso Al. Teixeira de Pascoaes > T. 255 420 282 > Comer e Existir, de Ana Jotta > até 3 mar, ter-dom 10h-18h > €4
COMPRAR
Doçaria Mário R. Cândido dos Reis, 141 > T. 255 433 044 > seg-dom 9h-19h
Confeitaria da Ponte R. 31 de Janeiro, 186, Amarante > T. 255 432 034 > seg-dom 8h30–20h
COMER
São Gonçalo Restaurante – Café bar Pç. da República, 8 > T. 255 432 707 > seg-dom 9h-24h
DORMIR
Casa do Fontanário R. Cândido dos Reis, 113 > T. 91 739 4565 > a partir de €65 estúdios, €130 apartamento com jacúzi (mínimo duas noites)