Com o termómetro a bater nos 40 graus à sombra, só mesmo as grandes ventoinhas da nova esplanada do Bairro do Avillez conseguiam prender quem passava na agora colorida Rua Nova da Trindade, no Chiado, em Lisboa. O restaurante de José Avillez junta, na mesma morada, o Páteo, a Taberna, a Pizzaria Lisboa e o Mini Bar. O mesmo é dizer que naqueles 30 lugares ao ar livre tanto pode pedir-se uma mariscada ou uma pizza como beber um copo de vinho acompanhado por um enchido ou um queijo.

Antes de escolher uma das mesas, vale a pena percorrer os 550 metros quadrados de asfalto, entre o Largo Trindade Coelho e a barbearia e bar O Purista – Barbière, no número 16C, onde funcionou a livraria A Barateira. A mudança mais visível é o chão pintado num azul forte e chamativo, mas há cerca de uma semana que a rua está também interdita à circulação automóvel e, por agora, com quatro novas esplanadas. É o resultado do projeto A Rua é Sua da Câmara Municipal de Lisboa, acelerado pela pandemia, que quer devolver a rua às pessoas e, simultaneamente, apoiar a restauração e o comércio local.
Para José Avillez, a decisão de pintar e tornar esta artéria pedonal, “independentemente das cores escolhidas ou das polémicas, faz sentido nesta fase, quer numa perspetiva das pessoas quer do comércio”. “A rua funcionava como uma espécie de rotunda gigante e de passagem para procurar estacionamento. Não só não prejudica o trânsito como ficou mais organizada e com esplanadas”, defende.

Ao lado do restaurante de chefe com duas Estrelas Michelin, fica a Cervejaria Trindade. A mais antiga cervejeira de Portugal, construída em 1836 nas ruínas do Convento da Santíssima Trindade dos Frades Trinos, continua a ser uma escolha dos lisboetas, a avaliar pelo tipo de clientes ali sentados. Ao ar livre, saberá ainda melhor um dos bifes ou mariscos da ementa.
Já bem perto do Largo Trindade Coelho, há mais um motivo para abrandar o passo e sentar-se. Às mesas exteriores do restaurante italiano Mercantina, na Rua da Misericórdia, juntam-se agora lugares ainda mais convidativos na Rua Nova da Trindade. Na esplanada, aberta apenas ao jantar, entre os muitos pratos à prova, encontram-se as pizzas, com destaque para a Margherita D.O.P, a Dalla Terra ou a Vegetariana.

Rua Nova da Trindade
Área de intervenção: 520 m2
São quatro as novas esplanadas já em funcionamento: Bairro do Avillez, Cervejaria Trindade, Mercantina e barbearia e bar O Purista – Barbière. Em breve, também o restaurante Ofício contará com lugares ao ar livre.
Verde, cor de esperança
Do outro lado da cidade, o toque do sino denuncia a proximidade da Igreja de Nossa Senhora do Amparo de Benfica, na Estrada de Benfica. Estamos na Rua Cláudio Nunes, onde reside o primeiro-ministro, António Costa, e onde o verde salta à vista. Pintada de fresco, numa pequena extensão de 442 metros quadrados – apesar de se estender até bem perto do Cemitério de Benfica –, a rua está agora cortada ao trânsito e contará com três ou quatro esplanadas, dizem-nos.
Quando por lá passámos, dias antes da inauguração oficial (no dia 20 de julho), faltava ainda colocar os candeeiros, uma antiga paragem de autocarro, os caixotes de lixo transformados em bancos e as floreiras em material reciclado. “A ideia”, diz Mauro Prucha, funcionário da Junta de Freguesia de Benfica, “é tornar esta zona mais convidativa e incentivar a economia de bairro”. Nesta artéria, que foi ficando de costas viradas ao movimento da Estrada de Benfica e perdendo importância após a construção do Centro Comercial Colombo, destaca-se o restaurante A Tradicional. “Já se chamou Na Volta Cá Os Espero”, conta Anabela Graça, a proprietária, “e era ponto de encontro e confraternização, depois dos funerais, à volta de um copo de vinho”. Agora, serve grelhados, que podem acompanhar-se com sangrias variadas.

A intervenção na Rua Cláudio Nunes é uma das muitas que a Câmara Municipal de Lisboa projetou para os próximos meses. A saber: Travessa do Cotovelo (Freguesia da Misericórdia), Travessa da Marta (Belém), Avenida Madame Curie (São Domingos de Benfica); Rua António Pereira Carrilho (Arroios); Avenida Conde de Valbom e Rua Elias Garcia (Avenidas Novas). Todas as intervenções são temporárias e, no fim do ano, garante a autarquia, será feita uma avaliação para decidir sobre a sua continuidade como ruas pedonais.

Rua Cláudio Nunes
Área de intervenção: 442 m2
No troço intervencionado, a par da pastelaria Doce Tentação e do Prego de Ouro (por agora encerrado), há ainda dois cabeleireiros, um pronto-a-vestir (para trespasse), o bazar Z&R, o restaurante A Tradicional, a Casa dos Frangos e o Talho – Loja da Carne
A intervenção na Rua dos Bacalhoeiros é apenas uma das muitas que a Câmara de Lisboa projetou para os próximos meses. No fim do ano, será feita uma avaliação, decidindo-se pela sua manutenção como ruas pedonais.
Perto do rio Tejo
Percorrendo a Baixa Pombalina, chegamos à Rua dos Bacalhoeiros, também ela pintada de azul entre a Rua da Padaria e a Rua dos Arameiros, e com novas esplanadas. Se, por um lado, os comerciantes aplaudem a intervenção da autarquia de Lisboa, resolvendo assim um problema de estacionamento abusivo, por outro, alguns lisboetas criticaram nas redes sociais a decisão de “despejar tinta” de cor “horrenda”, classificando-a de “aberração”.
No número 103, no piso térreo de um prédio forrado a azulejo, o chefe João Sá, do restaurante Sála, elogia o projeto que “trouxe cor à rua e a tornou menos esburacada, mais bonita e uniforme”. Ainda sem esplanada, espera-se que em breve esta comece a funcionar, com uma carta para servir fora de portas. “Lá dentro, no restaurante, temos os menus de degustação. Aqui, vou apostar nos vinhos e nos petiscos, mas sem cair nas tapas”, adianta.

Nesta rua “híbrida”, do que João Sá mais gosta é da sua diversidade de sabores. Aos restaurantes mais recentes, juntam-se as casas mais antigas. Mário Mateus, que ali chegou há cerca de 50 anos, soma 35 à frente do restaurante Gaúcha. Dos tempos que já lá vão, recorda os muitos armazéns de mercearia que abasteciam a cidade e o grande fluxo de pessoas. “Sempre foi uma rua com muito movimento, funcionava quase como uma interface para quem apanhava o barco ou o comboio, mas o metropolitano retirou-lhe esse vaivém de gente.” Mesmo com menos clientes, Mário não desiste de fazer o que melhor sabe: pratos de peixe fresco e de bacalhau, entre outras especialidades de sabor bem português.

Ao lado, numa das mesas da esplanada do Qosqo, um dos primeiros restaurantes peruanos a abrirem em Lisboa, os ceviches e os copos de pisco lembram-nos que são horas de jantar. Mas antes de ceder à tentação, há que palmilhar mais uns metros até ao Tábuas Porto Wine Tavern, aberto há cerca de dez anos, em frente à Conserveira de Lisboa e à loja de sabonetes Claus Porto. Quem nos recebe é Orlando Macário, também proprietário da casa vizinha, a Estrela do Minho, por agora encerrada, que criou amarras nesta zona há mais de três décadas. Ainda antes de nos trazer à mesa uma tábua de queijos e enchidos, faz um reparo: “Como vê, esta rua não é toda pedonal como têm dito.” E repara-se que, apesar do lugar onde está a esplanada estar pintado de azul, à sua porta passam os carros que descem a Rua da Padaria para virar para a Rua da Madalena. Mas nem por isso os seus petiscos, acompanhados pelos vinhos de todo o País, sabem menos bem.

Rua dos Bacalhoeiros
Área de intervenção 455 m2
A rua é morada das lojas Conserveira de Lisboa, Claus Porto, Portela Cafés e Comur – Conserveira de Portugal, de um supermercado e dos apartamentos turísticos Porta do Mar. A estes, juntam-se os restaurantes Maria Catita, Baixa Mar, Gaúcha, Qosqo, A Gaiola, Sála, Churrasqueira Santo António e Tábuas Porto Wine Tavern. A cafetaria Basílio e o restaurante Estrela do Minho continuam encerrados.