A modéstia de Jacinto João Torres da Silva é ainda maior do que o nome. Se alguém lhe pergunta pelo seu mister, não hesita na resposta, mas fala como se encolhesse os ombros de tão óbvia. E, sobretudo, como se esse mister fosse de tal maneira fácil que até estranha o interesse. Percebe-se porquê: são quase 50 anos a encadernar e a recuperar livros e revistas, nos poucos metros quadrados do ateliê que se esconde no número 7A da Rua 4 de Infantaria, em Campo de Ourique.
Jacinto João já trazia algum saber adquirido nas oficinas da Casa Pia quando foi trabalhar de aprendiz com o encadernador Oliveira Duarte. O velho senhor gabou-lhe o jeito e prometeu-lhe muito labor, natural num tempo em que o Diário da República saía em papel e os advogados precisavam dele encadernado. O miúdo tinha 16 anos acabados de fazer e força para alombar com os volumes mais pesados, era na mouche. E, num instante, sabia trabalhar a pele, gravar títulos na perfeição e distinguir a lombada meia-francesa (com nervuras) da meia-inglesa (lisa).
O dicionário com mais de cem anos que a minha mãe lhe levou para encadernar não teve direito a grandes mariquices, mas ficou como novo. Só por fora, claro. Por dentro, lá estão todas as palavras caídas em desuso que tanto gozo nos dá ler em voz alta.