A coleção outono/inverno estava pronta a vestir quando o calor do incêndio que andou a poucos metros, em Catraia de S. Paio, afetou a roupa que se encontrava no interior da loja. Mas Ana Guilherme, Gonçalo e Patrícia Lopes – mentores desta marca artesanal, nascida em 2013, que usa o burel como matéria- -prima – não baixaram os braços. Por estes dias, já se costuram capas e casacos para mulher (a partir de €70), capotes e casacos para homem (a partir de €200), e chapéus, com os metros de burel, proveniente das ovelhas de raça bordaleira, que tinham guardados no ateliê. A cor camel era (e é) a grande novidade desta coleção, com cada peça forrada a lã, e que acompanha as muito procuradas capas vermelhas, pretas, brancas e azuis, lembrando as que eram usadas pelos pastores. Ana Guilherme estima produzir, “pelo menos, meia centena até ao Natal”. “Trata-se de um projeto para valorizar um produto da nossa serra”, diz, temendo pelo futuro do burel “e o preço que poderá vir a atingir”. É que, a somar à morte de milhares de ovelhas, o pasto seco dificulta a alimentação das que restaram. Por ora, no ateliê – que também exportava para os EUA e Alemanha –, cria-se a nova coleção que, além de ser vendida na loja, pode ser adquirida na Aldeia Natal, em Cabeça, Seia. Depois, só o tempo e o burel ditará o futuro.
A marmelada de maçã reineta (a partir de €2,99), que se juntou à de noz e à tradicional, feita com polpa de marmelo, é uma das novidades da Quinta de Jugais, empresa que produz e comercializa produtos da região. Mas há outras criações, feitas à base de frutos da região, como a pera rocha, a abóbora e o marmelo. Caso dos doces Rare (a partir de €4,60), de figo e noz, abóbora e avelã, morango e hortelã, cereja e gengibre, ou pera rocha com vinho do Porto. Além da gama Natura (a partir de €3,19), feita sem açúcares (maçã e beterraba, morango, pêssego, ou abóbora com noz).
Tem dois anos, esta marca de saboaria feita com plantas aromáticas e medicinais da serra da Lousã. É cosmética ecológica (manteigas corporais, bálsamos labiais, óleos de massagem, sais de banho e sabonetes) “com aromas da flora da serra”, explica Cláudia Mendes, uma das sócias. Rosmaninho e alfazema, zimbro e gengibre, alecrim e eucalipto nos óleos de banho, hortelã- -pimenta e camomila nos bálsamos labiais ou manteiga corporal de esteva e alecrim são alguns dos produtos (a partir de €4,60).
Desde 2012, quando o designer Vítor Rodrigues e a farmacêutica Filipa Monteiro abriram a saboaria artesanal Só Sabão, em Viseu, que nunca se viram numa situação destas. Parte da matéria-prima que usam nos sabonetes e linha de banho ficou comprometida. Falta o azeite (da azeitona galega da região) usado em todos os sabonetes, que vinha da Cooperativa de Olivicultores de Nelas – onde muitos dos associados ficaram sem oliveiras. Falta o leite de cabra serrana jarmelista (raça “que dá menos leite, mas com uma qualidade superior”, conta-nos Vítor) de um produtor de gado caprino de Tondela, que ficou sem quase nada. Falta o mel, produzido por um casal de apicultores de Mangualde, que ficou sem colmeias. E nem as vinhas do Dão escaparam ilesas ao incêndio de outubro. Para cuidar do futuro, e porque na produção da Só Sabão só entram plantas aromáticas desta região, como rosmaninho ou alecrim, pretendem ter uma plantação própria. Por agora, é tempo de ajudar os parceiros do Dão. Pelo que 20% da venda dos sabonetes (a partir de €5) será entregue a cada produtor onde iam buscar parte da matéria-prima. Serão ainda vendidas as ilustrações (que embrulham as diferentes coleções de sabão) assinadas por Liliana Bernardo, Joana Geraldes e Nuno Pereira. Para que os sabonetes – de azeite de oliveira galega, de leite de cabra serrana, ou de vinho, folha de videira e óleo de grainha de uva – voltem a ser produzidos com a mesma sustentabilidade de sempre.
É tradição antiga, esta da produção artesanal dos palitos e artefactos de madeira, a partir da madeira de salgueiro ou choupo, reconhecida como património cultural imaterial. Por estes dias, Fátima Lopes, 51 anos, uma das artesãs, anda numa lufa-lufa no corte de pequenos pedaços de madeira de onde nascem presépios com seis centímetros (a partir de €3). Um trabalho de minúcia, com origens no Mosteiro de Lorvão, onde as freiras faziam palitos para decorar bolos.
Se o cenário fosse outro, nesta altura do ano, o belga Aaron Vansant, a viver em Portugal desde criança, andaria a fazer entregas de microvegetais, rebentos e flores comestíveis a vários restaurantes do País. Mas, depois do incêndio, só lhe sobrou o alho-francês, os espargos brancos, que deverão estar prontos a colher em fevereiro, e as sementes biológicas – de agrião, stevia, cebolinho, cenouras, tomate-cereja ou funcho (€2), entre outras. E já preparou “uma mistura de sementes especialmente pensada para a recuperação dos solos”.
Os últimos meses já não corriam de feição às ovelhas da raça bordaleira Serra da Estrela, com as pastagens secas por causa da falta de chuva. Mas o pior veio depois, em meados de outubro. A Ancose – Associação Nacional de Criadores de Ovinos Serra da Estrela ainda não sabe ao certo quantas foram as ovelhas que se perderam, mas calcula que andem “entre as oito mil e as dez mil”. “Este ano é para sobreviver, para tentar aguentar os animais vivos”, lamenta-se João Madanelo, técnico da Ancose, que anda a curar os animais que sobreviveram e que se encontram “em situação de stresse”. Era, precisamente, a partir de outubro (até maio/junho), que a ordenha começava, essencial para a produção do Queijo Serra da Estrela DOP – coagulado com flor de cardo e feito com leite desta raça autóctone. Além da perda muito significativa de produção, lastima o responsável, “não é quantificável o património genético que perdemos”.
Foi em julho que nasceu o primeiro gin de montanha. Tem nome de gato-montês, felino em vias de extinção, feito com “as plantas silvestres que brotam das montanhas” da serra da Estrela, como zimbro, carqueja, urze e medronho. Quando falámos com João Pedro Mendes, o master distiller da Destilaria Caratão, andava a apanhar os medronhos que sobreviveram na aldeia de Teixeira, Seia. Mas, nos próximos tempos, o fruto terá que vir de outras zonas do País para que o Gin Montês (a partir €25) continue a ser destilado como antes.
Só lá para maio o terreno de cinco hectares da Lusoberry, em Tábua – meio hectare foi consumido pelo fogo –, terá toneladas de mirtilos prontos a colher. Por ora, é tempo de os provar em forma de compota (de maçã e mirtilo), em azeite, em aguardente (o Mirtilão foi lançado em agosto) e em cosméticos. Para o ano, a empresa de Nuno Tavares Pereira pretende vir a fazer sidra a partir dos mirtilos plantados na região de Tábua, à qual deu o nome de “capital dos frutos vermelhos”.
Por estes dias, Ana Brito, 60 anos, a proprietária da Donanna, empresa familiar nascida há mais de uma década em Coja, ainda conseguirá pôr a cozer no tacho o doce de medronho – ganhou o concurso nacional de Doces de Fruta (2015) – por conta dos 13 quilos que “uma senhora de Arganil” lhe levou, sabendo da sua dificuldade em encontrar o fruto nas terras ardidas da região. “Mas só dará para uns 40/50 frascos”, calcula. Nada comparado, portanto, aos 200 quilos de medronho que usou no ano passado para fazer o doce no outono. Este fruto, tal como a castanha e o mirtilo, serão, nos próximos tempos, os mais difíceis de entrar na cozinha/ateliê de Ana Brito, onde, há mais de uma década, os transforma em licores, aguardentes e compotas, tal e qual como a avó materna a ensinou. A marca tem, contudo, outros sabores, à venda na empresa e em lojas gourmet de todo o País. Nas 14 variedades de licor (a partir €2,70) e 17 de compota (a partir €3,30), estão os de maracujá, figo, ginja, amora, frutos silvestres, laranja, café ou poejo, planta aromática que Ana Brito espera “encontrar em alguns lameiros, caso as sementes tenham ficado na terra”. O telefone vai tocando com pedidos de encomendas, como a marmelada com vinho do Porto e geleia de marmelo, também premiados, tal como o doce de abóbora com pinhão. Mas nada que se compare a 2016, ano em que dali saíram 500 cabazes de Natal.
Perde-se no tempo, a tradição do barro negro de Molelos, às portas de Tondela, onde existem cinco olarias e sete oleiros. A Artantiga, dos irmãos José e Luís Lourosa, é uma delas. Aí se moldam à mão perto de 200 peças que constituem o saber-fazer desta região. Como a típica bilha ou cântara do segredo, uma peça antiga de decoração (custa entre os €20 e os €30).
Tal como o queijo Serra da Estrela, também o cordeiro e o cabrito da região merecem atenção. Foi o que levou Patrícia Martins, 33 anos, formada em marketing, a apostar neste negócio de família “de forma a poder valorizar o produto dos produtores”. Neta de pastores, sabe bem as dificuldades pelas quais passam e aprecia “o amor que têm pelo que fazem”. “Fui criada com eles, a andar descalça e ao ar livre”, recorda. Daí que, através da Abicarnes, comercialize a carne “com menos teor de gordura” destes animais “criados ao ar livre, alimentados unicamente de leite materno” ou nos pastos da época e, não menos importante, “sem hormonas”. Ainda que tenham morrido muitos animais devido aos incêndios – estima-se que cerca de oito mil na região, o que deverá diminuir a venda para metade, comparando com os números do ano passado – e que os pastos sejam escassos e secos, Patrícia aconselha que o consumidor vá adquirindo a carne, antecipadamente, se a quiser ter na mesa de Natal. Convém verificar a sua indicação de origem. “Pergunte sempre pelo cabrito e borrego de raça bordaleira. Só assim se dignificará o trabalho dos pastores”, aconselha Patrícia.
Poucos saberão ser da vila de Castanheira de Pera que saem os barretes verdes, com uma barra vermelha, usados pelos campinos e forcados do Ribatejo ou mesmo aqueles que são usados no folclore português. A Jotave, fábrica de peúgas de José Augusto Tavares, é a única a fazê-los, 100% em lã, embora seja, segundo diz o proprietário, um negócio complicado, em parte devido à concorrência estrangeira.
A água mineral proveniente das Caldas da Felgueira, de natureza sulfúrea primitiva, tem sido aproveitada para a criação de uma linha de beleza: tónico para pele sensível, leite de limpeza, creme de dia e creme de corpo (a partir de €19). Embora as termas se encontrem encerradas até março, os produtos terapêuticos vendem-se online ou no Grande Hotel da Felgueira.
Jorge Costa, 60 anos, nunca fez outra coisa senão colheres de pau, esculpidas à mão, a partir de madeira de pinho, na aldeia de Pardieiros, Benfeita. Com a oficina engolida pelo fogo, o único artesão a fazê-las tem andado a talhar algumas “junto à lareira de casa, que os dias já estão frios”, para as levar à Feira de Artesanato e Gastronomia da Marinha Grande (que decorre entre 5 e 10 de dezembro). “Mas ando pouco animado”, confessa. Nos próximos tempos, só aceita encomendas, já que ficou sem a maior parte da matéria-prima.
A colheita do mel (a cresta) das 4 700 colmeias, pertencentes a 30 produtores certificados da serra da Lousã, tinha sido feita no final de julho/agosto. E só isso terá salvo o mel Denominação de Origem Protegida (DOP) este ano. Nos próximos meses, ainda será possível encontrar frascos desse mel colhido antes dos incêndios de outubro, que terão destruído 2 700 colmeias desta região demarcada. Mas 2018 é uma incógnita. Ana Paula Sançana, diretora da Cooperativa Lousamel, na Lousã, diz que “só três produtores não foram afetados” e o terreno verde onde a flor de urze poderá vir a rebentar não chegará para acolher todos os apicultores. Este mel colhido nas zonas mais altas da serra, de cor mais escura, “de sabor particular e intenso”, arrisca-se, pois, nos próximos tempos, a ser “um produto limitado e com um valor mais elevado porque é feito em pequenas produções”. “Cabe ao consumidor final perceber que, com a compra deste produto, estará a contribuir para a sua valorização”, defende Ana Paula. Dando, ao mesmo tempo, alento aos apicultores para que não desistam desta atividade.
Os enchidos da região de Lafões fazem parte da gastronomia regional portuguesa. Da empresa Fumeiro Florindo, uma das poucas que sobreviveu na Zona Industrial de Oliveira de Frades, saem todo o tipo de enchidos tradicionais certificados (salpicão, chouriça, farinheira, morcela e bacon fumado) da região conhecida pela vitela de Lafões ou pelo cabrito da Gralheira.
No maior lagar da região, em Lagares da Beira, não se veem camiões a descarregar azeitona, como seria hábito por esta altura do ano. Mas ainda há azeite para vender, apesar de o produtor e dono, Luís Falcão de Brito, ter perdido sete mil oliveiras e 100 hectares de pinhal. Disponível em garrafas de 250 ml a 1 litro (€1,90 a €5,50) ou em latas de 250 ml e 0,5 litro (uma parte com certificação biológica), os Azeites do Cobral prometem continuar, com um novo futuro, que deverá passar pela replantação dos olivais.
Parte da Região Demarcada do Dão, a primeira zona demarcada de vinhos não licorosos do País, foi afetada com os fogos de outubro. Embora ainda não existam dados finais, a Comissão Vitivinícola da Região do Dão (CVRD) calcula que tenham sido dizimados 140 hectares de vinha, embora este número possa vir a crescer. “Há vinhas afetadas pelo calor emanado, pelo que não sabemos se elas vão ou não produzir novamente”, lembra Pedro Mendonça, diretor executivo da CVRD. Só lá para abril se saberá, portanto, de que forma ficará afetada a produção do próximo ano. A Quinta dos Roques, por exemplo, perdeu 12 dos 35 hectares de vinha, situada entre Nelas e Mangualde, ou seja, um terço da área produtiva, de onde, habitualmente, saíam 150 mil litros de vinho. Luís Lourenço, um dos responsáveis, tem “esperança” que algumas videiras – muitas com 40 anos – recuperem. “Mas o calor pode ter destruído os canais por onde a seiva corre dentro do tronco”, admite. Na região, também as vinhas biodinâmicas da Casa de Mouraz ficaram afetadas (13 hectares dos 25 em Mouraz, Tondela), além do armazém que acolhia a produção do Elfa de 2013 (o vinho mais caro que produzem). A Quinta do Mondego, em Caldas da Felgueira, e a Quinta dos Três Maninhos, da Palwines, em Nelas, viram também parte das suas vinhas afetadas.
Desde sempre que Fernando Mendes, 55 anos, se habituou a ter o Bolo Negro de Loriga na mesa das festas. Quando fundou a Loripão com o cunhado, há 30 anos, em Loriga, Seia, o bolo de forma retangular, que, diz-se, terá sido uma herança da colónia inglesa que se estabeleceu por ali, tinha de fazer parte do receituário desta empresa de panificação. De cor castanha, por causa da canela que lhe é adicionada (“embora muitos julguem ter chocolate”, conta-nos Fernando), o bolo tornou–se numa marca da vila situada a 770 metros de altitude, na serra da Estrela. Todos os dias, saem do forno a lenha 150 unidades, depois de a massa (leva açúcar, farinha, bicarbonato de sódio, canela e leite) ter sido amassada à mão e deitada nas formas de lata, altas e retangulares, idênticas às de outrora. O Bolo Negro (de dois tamanhos, 400g e 800 gramas) pode ser adquirido na loja da fábrica e em todo o País (a partir de €3,20). A broa de Loriga (a partir de €1,30), outro dos atrativos nas mesas de Loriga, é feita com farinha de milho moída pelo sr. Adelino, um dos poucos moleiros da região, e vem diretamente dos moinhos de água de Sandomil e da Ponte de Jugais, Seia. Depois de amassada, são precisas três pessoas para tratar da broa: “Uma para a moldar, outra para a ‘bailar’ e ficar redonda, e ainda outra para a pôr na pá e levá-la ao forno, onde é metida uma a uma”, explica-nos Fernando Mendes. O segredo parece estar, pois, neste cuidado com que é confecionada.
Da empresa familiar Vouzelpasteis saem todos os dias dezenas de unidades do célebre pastel de Vouzela. “Felizmente, o fogo não chegou a este lado da zona industrial”, conta-nos Vítor Correia, sócio, com o irmão, neste negócio que já vem do tempo do pai. O delicado doce conventual continua a ser confecionado com recheio de ovos, sendo depois envolto em massa folhada feita com água e farinha. Estaladiço q.b., o pastel vende-se em várias confeitarias desta vila da região de Lafões. E, quem sabe, talvez seja uma forma de adoçar os nossos dias.
Em meados de outubro, os medronhos ainda não tinham sido apanhados nos 50 hectares que a empresa Lenda da Beira possui na Beira Baixa. Metade do terreno desapareceu e, com ele, 18 750 medronheiros. Serão precisos “uns quatro, cinco anos até que as novas árvores comecem a produzir”, calcula o diretor, José Martins. Com o que restou, ainda se fará a aguardente de medronho possível e se comercializará, em alguns supermercados, as embalagens com o fruto fresco.
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