“Produzimos eletricidade renovável, mas não nos importamos que essa eletricidade seja produzida utilizando carvão na China para fabricar o aço para os parques eólicos na Europa”

Foto: Lucília Monteiro

“Produzimos eletricidade renovável, mas não nos importamos que essa eletricidade seja produzida utilizando carvão na China para fabricar o aço para os parques eólicos na Europa”

Estamos demasiado focados na produção e armazenamento de energia de fontes renováveis e a esquecer a soberania energética, a circularidade, os processos industriais e as cadeias de abastecimento, diz Antonio Marco Pantaleo. Afinal, a energia é apenas um meio para atingir um fim – pelo que são os resultados que realmente importam.

O diretor do programa do European Innovation Council para os sistemas energéticos e tecnologias verdes esteve na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, como um dos principais oradores da BIN@PORTO. A BIN (Business & Innovation Network), fundada em 2010 pelas universidades do Porto, Sheffield e São Paulo, é uma rede internacional que junta parceiros académicos, empresas e investidores, como fórum de apoio à inovação e partilha de boas práticas.

Há dez anos, esperaria que a União Europeia estivesse onde está agora, no que diz respeito à percentagem de energias renováveis ​​no cabaz energético? Está a andar mais rapidamente ou mais lentamente do que o previsto?
Está a andar rapidamente. Alguns países tiveram um desempenho ainda melhor do que o esperado; outros, menos. Mas, num prazo mais alargado, tal era esperado, tendo em conta as metas que a Europa, em particular, estabeleceu em termos de produção de energia renovável. Experimentámos um crescimento exponencial impressionante de protótipos fotovoltaicos nos últimos 10 ou 15 anos que cumpriu a ambiciosa expectativa, ao mesmo tempo que seguíamos o ritmo semelhante que tinha desde o início deste século. O que falta é uma política energética industrial e a visão para garantir que a liderança tecnológica da Europa em energias renováveis ​​cumpre o objetivo de ter uma determinada percentagem de eletricidade proveniente de energias renováveis. Não pensámos nas consequências disto em termos de soberania europeia, em termos de materiais necessários para permitir esta transição, em termos de competitividade do ecossistema industrial europeu.

O armazenamento de energia é uma parte fundamental da transição energética. Mas parece estar a evoluir mais lentamente do que deveria. Isto é um equívoco ou está a massificar-se enquanto falamos?
É um equívoco. O armazenamento é apenas parte da solução, é um ativo complementar a um sistema energético totalmente integrado e flexível, onde o elemento-chave é a rede e a ligação. O armazenamento não aborda nem resolve o acoplamento espacial da procura e da oferta, mas apenas talvez o acoplamento temporal, a menos que desenvolvamos um armazenamento que possa ser transportado, o que não é o caso com as políticas atuais. Por outras palavras, estamos a prestar muita atenção à eletricidade armazenada e às baterias de iões de lítio, sem considerar que resultados muito melhores, sob muitos pontos de vista, poderiam ser alcançados com uma resposta adequada à procura, implementando uma forma mais consciente de consumir energia, uma maior ênfase na procura de energia e não nos sistemas de abastecimento. O controlo das redes inteligentes é muito mais importante do que investir dinheiro no armazenamento de eletricidade. Além disso, não prestamos a devida atenção ao armazenamento térmico de energia.

Estamos a viver uma revolução contínua na forma como produzimos e consumimos energia?
Sim. E penso que o erro é focarmo-nos no setor energético e não no setor industrial e nas cadeias de abastecimento mundiais. A energia é um meio para alcançar algo, e podemos armazenar energia em materiais, em processos, em água doce, em plásticos… Isto vai além da simples concretização da produção de eletricidade. Precisamos de uma abordagem mais realista e integrada, que considere a energia apenas como parte de uma questão mais vasta, que consiste em satisfazer as nossas necessidades. Não as necessidades energéticas, mas as necessidades de desenvolvimento económico e social, para produzirmos alimentos, materiais, fertilizantes, produtos químicos, edifícios.

De onde vem a maior parte da inovação em energias renováveis? Grandes empresas, como as utilities, ou das startups?…
De ambas. Existem startups que estão a produzir soluções inovadoras para reciclar painéis fotovoltaicos, para adicionar manutenção preditiva e controlo avançado para turbinas eólicas e aumentar a produtividade, para produzir energia a partir do oceano, das ondas e das marés… E existe um ecossistema de inovação fértil e vibrante na Europa nas grandes empresas, que estão principalmente focadas na investigação incremental nas tecnologias dominantes e menos propensas a desenvolver investigação disruptiva e transformacional. Quando me refiro a incremental quero dizer melhorar, por exemplo, a manutenção ou a eficiência ou o processo de produção de células fotovoltaicas. Disruptivo será ter energia fotovoltaica em ambiente interno, que permite captar, com tecnologias adequadas, a radiação luminosa no interior para produzir eletricidade; ou ter energia fotovoltaica orgânica, totalmente integrada no ecossistema. Processos de produção totalmente circulares. Neste caso, vejo mais pequenas startups a proporem ideias disruptivas, e há uma grande razão para isso: as grandes empresas já consideram os seus negócios muito lucrativos e não têm incentivo para se desviarem demasiado de algo que é muito rentável. Por outro lado, algumas inovações disruptivas são travadas a nível regulamentar, até porque entram em conflito com os interesses das grandes corporações.

Precisamos de uma abordagem mais realista e integrada, que considere a energia apenas como parte de uma questão mais vasta, que consiste em satisfazer as nossas necessidades

Muitas pessoas criticam precisamente a quantidade de regulamentação na União Europeia, que dizem estar a tornar a inovação mais difícil. A Europa consegue competir neste setor com outras regiões, nomeadamente os Estados Unidos da América e a Ásia?
A resposta é mais não do que sim, simplesmente porque a tecnologia e a energia limpa são um setor de capital intensivo. Não são como as aplicações de software, onde se podem desenvolver novas ideias com uma quantidade relativamente pequena de dinheiro, talento e recursos. Não, o investimento é muito elevado, e é um investimento de alto risco, e a Europa é avessa ao risco, do ponto de vista dos investimentos. Há muito dinheiro disponível, mas não disponível para investimentos de risco.

A UE tem objetivos extremamente ambiciosos em matéria de transição energética. Mas o financiamento e o sistema regulatório não parecem estar a ajudar estes objetivos…
Absolutamente. Isso e a falta de reflexão a nível do sistema e de análise das implicações mais vastas das decisões políticas em termos de soberania e circularidade, em termos de consumo de recursos fora da Europa. A nossa procura de eletricidade é satisfeita por eletricidade renovável, mas não nos importamos com o facto de esse tipo de eletricidade ser produzido utilizando carvão na China para fabricar o aço para os parques eólicos na Europa. Se olharmos para a procura de carvão e para o consumo de eletricidade proveniente do carvão na China verificamos que aumentou de forma impressionante nestes anos, o que compensa a procura da nossa eletricidade renovável na Europa.

O Conselho Europeu de Inovação aposta fortemente na inovação e em novos conceitos. Como é que esta abordagem ajuda a impulsionar a transição energética na União Europeia?
Ora, a ambição do Conselho Europeu de Inovação, criado pela mente brilhante de Carlos Moedas há alguns anos, era reforçar a capacidade da Europa de transformar a investigação em dinheiro e também proporcionar aquele passo que faltava para os cientistas se concentrarem no empreendedorismo. Há muitos bons resultados na reunião de mentes brilhantes num “balcão único”, com diversos serviços aceleradores de negócio e ecossistemas de inovação.

A abordagem europeia é melhor do que a americana?
Depende de que ponto de vista e de que alvo. Qual é a métrica para medir a inovação? Talvez seja melhor dar mais liberdade aos cientistas para criarem, para originarem novas ideias, e até mesmo para se desviarem durante a sua investigação do caminho principal para encontrar algo mais interessante. Mas esse não é o melhor caminho para transformar uma tecnologia num produto.

Diria que o modo americano é mais pragmático e o modo europeu é mais estratégico, virado para o futuro?
Sim. Poderia ser. Mas não vejo esta visão estratégica incorporada em qualquer decisão política, nem a ser utilizada para fornecer qualquer feedback relevante sobre o mérito e a ordem das abordagens. Se estamos a falar de investigação visionária, que a Europa pretende facilitar, esta está desligada do domínio político, da decisão a longo prazo e da visão política. Mas, do ponto de vista do desempenho de acelerador, o Conselho Europeu de Inovação, até certo ponto, é capaz de dar mais visibilidade às startups, financiá-las e deixá-las interagir com os investidores dos fundos de risco. Mas deveríamos fazer mais para avaliar até que ponto somos bons a selecionar as melhores startups, até que ponto perdemos as “estrelas” durante a avaliação e estamos a dar dinheiro a empresas que, de qualquer forma, teriam cumprido as suas expectativas, porque já estão no mercado e não precisam desse apoio financeiro.

Há um debate em Portugal sobre a forma como os parques solares estão a ocupar espaço na agricultura e nas florestas. Existem formas de tornar a energia e a agricultura mais compatíveis, para que não tenhamos de escolher entre alimentos e energia?
Isso pode ser resolvido com a ajuda de melhorias tecnológicas. As plantas necessitam de um comprimento de onda específico de radiação solar; podemos, então, utilizar diferentes partes da radiação solar numa área de comprimento de onda que não é de interesse utilizável para as plantas. Assim, podemos deixar que esta utilização ideal da energia solar coexista entre a captação de energia e o cultivo das plantas, simplesmente com um sistema fotovoltaico semitransparente, ou a captação da radiação solar para energia durante o período em que não é necessária às plantas. Existem muitas soluções. Precisamos de novas competências que fundam competências agronómicas e de engenharia e que sejam capazes de modelar o crescimento das plantas e combinar as necessidades fisiológicas das plantas com a célula solar e a radiação solar, para reuni-las e otimizar sistemas inteiros. Com certeza que podemos fazer com que coexistam. A ocupação de terra é um constrangimento, mas esta terra pode ser utilizada de uma forma muito melhor, graças à tecnologia e a um quadro regulamentar adequado e consciente das questões de sustentabilidade. E algumas áreas não valem absolutamente a pena cultivar, por isso, nesses casos, é melhor ter energia.

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