Márcio Marujo foi libertado, na passada sexta-feira, depois de ter passado mais de nove meses numa prisão em Laval (na comuna de Mayenne), França. O português é casado com a irmã de Heitor Brandão, suspeito de ser um dos principais narcotraficantes de Lisboa (e detido pela Polícia Judiciária, em dezembro de 2023). Márcio é fiscal na Junta de Freguesia da Estrela, e um dos quatro familiares de Heitor Brandão a quem a autarquia deu emprego, entre janeiro e fevereiro de 2021.
Detido em dezembro de 2023, Márcio Marujo era acusado de trabalhar na “logística” para a introdução na Europa dos mais de 124 quilos de cocaína descobertos a bordo do navio Great Sea, de pavilhão liberiano, que entrou no porto de La Rochelle, França, no dia 26 de maio de 2022. A embarcação, que transportava celulose, tinha partido do porto de Santos, no Brasil, tinha paragens previstas em La Rochelle (Carântono Marítimo) e Bristol (Reino Unido), e destino final em Vlissingen, nos Países Baixos.
Os investigadores, que contaram com dados obtidos nas sequência do desmantelamento do serviço de mensagens encriptadas Encrochat, em 2020, alegam que Márcio Marujo é suspeito de ter comprado bilhetes de avião entre Mérignac (Gironda) e Portugal para dois homens envolvidos no caso. Nesta operação, as autoridades francesas e portuguesas detiveram Márcio, Heitor Brandão e ainda o sogro deste, conhecido por “Frances” (em Portugal) – em França, foram detidas duas pessoas em Marselha e uma em Nice.
O português ficou em prisão domiciliária em Lisboa, até ser extraditado para França, onde se encontrava detido desde o passado dia 10 de fevereiro. O juiz do Tribunal de Recursos de Rennes decidiu agora libertar o suspeito por considerar que os indícios que ligam este homem ao negócio do narcotráfico não são tão fortes como os dos restantes envolvidos.
Márcio Marujo, pai de três filhos, é casado com Karine Brandão – atualmente vogal da Comissão Política Concelhia do PSD/Lisboa, e que também faz parte do quadro da Junta de Freguesia da Estrela. A ligação de Karine Brandão à autarquia começou pelo “serviço de atendimento e esclarecimento ao público”; três anos depois, por ajuste direto, por cinco mil euros, passou para a Academia Estrela; seguiu-se outro ajuste direto, por 10.800 euros, para o “apoio administrativo ao gabinete de administração geral” da autarquia; e, por fim, já em 2022, um novo ajuste direto, 5.400 euros, para novo apoio administrativo, uma vez mais por “ausência de recursos próprios”. Em setembro de 2023, a funcionária entrou para o quadro da autarquia, após ter concluído com sucesso o período experimental do contrato para a categoria de Assistente Técnico.
Márcio Marujo mantém o vínculo com a Junta de Freguesia da Estrela, apurou a VISÃO. Aquando da detenção, em dezembro de 2023, a advogada do arguido solicitou a suspensão do contrato do trabalhador, de acordo com a lei. A autarquia ainda não foi oficialmente informada da libertação deste homem, sabe a VISÃO.
A Junta da família Brandão
A ligação entre a Junta de Freguesia da Estrela, presidida por Luís Newton (deputado da AD), e a família Brandão não se fica pelo casal Márcio e Karine. A primeira “Brandão” a entrar na Junta de Freguesia da Estrela foi, no entanto, Sara Brandão, cunhada de Heitor, que chegou à autarquia em fevereiro de 2017, por ajuste direto, passando a trabalhar no serviço de “atendimento e esclarecimento ao público”. No portal dos contratos públicos, a Junta de Freguesia da Estrela justificou a contratação do serviço – por nove mil euros, com a “ausência de recursos próprios”.
O sobrinho de Heitor Brandão, Leonid, chegou a ser selecionado para entrevistas, no âmbito de um concurso aberto em 2019, mas acabaria excluído por ter faltado a esta etapa. Posteriormente, em janeiro de 2021, a Junta de Freguesia da Estrela contratou os seus serviços, por ajuste direto, para prestar “serviços de apoio operacional no âmbito do gabinete de administração geral”. Uma vez mais, foi alegada a “ausência de recursos próprios” e foram pagos 10.800 euros.
A ligação entre o presidente Luís Newton e a família Brandão existe há pelo menos uma década. Heitor Brandão apoiou a primeira candidatura de Newton à Junta de Freguesia, nas autárquicas de 2013, na coligação PSD/CDS-PP “Sentir Lisboa”, liderada por Fernando Seara. O suspeito chegou mesmo a posar num cartaz de campanha (ver imagem acima).
Newton nega “amizade”
Heitor Brandão, de 46 anos, foi detido pela PJ em dezembro de 2023, quando se encontrava no café de que é proprietário, na Rua Possidónio da Silva, em Lisboa. O luso cabo-verdiano é suspeito de ser um dos principais narcotraficantes a atuar na capital portuguesa, e de ser o “herdeiro” das rotas marítimas de tráfico de cocaína que ligam Portugal e a América do Sul, controladas por “Xuxas”, o “narco” português condenado, esta semana, a 20 anos de prisão.
Newton sempre negou qualquer proximidade com o suspeito ou com a família Brandão. Aquando da detenção de Heitor Brandão, em dezembro de 2023, Newton, em declarações ao Correio da Manhã, afirmou: “Eu sou presidente da Junta há 10 anos, claro que em 10 anos ouvi muitos rumores, inclusive a ligação do Heitor à droga. Mas sempre foram só rumores. Não sabia de nada, nunca vi nada. Não é meu amigo, tínhamos apenas ligações institucionais por eu ser presidente da Junta e ele presidente de uma coletividade [o Sporting União Fonte Santense]”.
O autarca omitiu, porém, as contratações pela Junta de Freguesia da Estrela dos quatro familiares do alegado narcotraficante. Nas redes sociais, é também possível confirmar uma relação de (grande) proximidade entre Luís Newton e o próprio Heitor Brandão, em diversos eventos particulares (ver galeria acima). As trocas de mensagens de apoio mútuo tornar-se-iam habituais ao longo dos anos.