Desde fevereiro que o chefe de cozinha Joachim Koerper tem ainda menos parança. Além da vida agitada no restaurante Eleven, em Lisboa, e da consultoria na Herdade da Malhadinha Nova, no Alentejo, agora é vê-lo todas as semanas a caminho da praia, com Cíntia, a sua mulher e chefe de pastelaria, por companhia. No entanto, duvidamos que alguma vez tenham estendido a toalha nos areais de Porto Covo ou até que tenham saído muitas vezes do Costa do Vizir, o parque de campismo onde fica o restaurante Alma Nómada. É aí que o casal empresta o seu nome ao menu, com a ambição de que a Estrela Michelin que já existe em Lisboa, no Eleven, faça 169 quilómetros e se instale, pela primeira vez, naquela região à beira-mar.
“Estamos bem lançados”, assume Koerper, sem medos. Afinal, é para isso que têm trabalhado Joachim e Cíntia, desde que assumiram este vai-e-vem. Quando regressam à capital, deixam a cozinha bem entregue ao staff que também trouxeram do Eleven. Mas, hoje, estão cá todos e o jantar, em modo degustação, promete.

Foto: Gonçalo F. Santos
Enquanto o Sol se esconde lá fora, já tarde, deixando o céu em tons de laranja, cá dentro atiramo-nos a dois tipos de pão artesanal, que ora molhamos no azeite, ora barramos com manteiga de cabra ou de algas. Lá mais para a frente, quando chegar a vez da carne, havemos de nos arrepender desta gulodice, mas quem resiste a este momento, especialmente se estiver com fome?
Ainda bem que o amuse bouche é uma ostra, para desviar as atenções do pão de azeitona e dar início ao desfile do menu que há de ter vários momentos altos. O atum da nossa costa, de uma frescura que se topa a léguas, partilha o prato com uma burrata. Ainda que a sofreguidão nos queira trair, ouvimos o alerta: há que parar a meio e esperar que o chefe venha presentear-nos com um espesso creme de funcho que nos deixa a salivar por mais.
O que se segue não é só para saborear. Há que apreciar a cor e a beleza com o que vem arrumado da cozinha. No entanto, é depois de prová-lo que nos saem os suspiros. De uma só colherada apreendem-se todas as texturas, do cremoso das ervilhas do Alentejo à crocância do crumble de chouriço de porco preto, terminando na desfaçatez da gema do ovo cozinhado a baixa temperatura, a esvair-se prato fora. Faça-se aqui um parêntesis para registar que nunca faltam flores comestíveis a aprimorar a aparência dos pratos (“é primavera, está tudo florido lá fora”), assim como a já mítica assinatura Koerper: um cubinho de tomate com um pedaço de folha verde por cima.
O momento seguinte leva-nos de imediato até Espanha, pois só lá é que cozinham esta deliciosa fideuá negra – massinha fininha que ganha cor à custa da tinta de choco. Por cima do manto preto, reside um carabineiro grelhado no ponto exato. Quando lhe damos a primeira trinca, pensamos: “Viva a descentralização, que deixa de nos obrigar a estar na cidade para provar maravilhas deste calibre.”
O peixe do dia é salmonete da lota de Sines, a poucos quilómetros daqui. E que sorte apreciá-lo assim, arranjadinho, sem espinhas, já que esta espécie normalmente dá muito trabalho a comer. Ainda por cima, temos como companhia um caviar de limão – como é delicioso rebentar estas minúsculas bolinhas. Como guarnição chega-nos um arroz cremoso de citrinos do Lugar do Olhar Feliz, esse famoso pomar que não quer nada com jornalistas…
Chegados aqui, é tempo de arrependimento, já o dissemos. A terrina de cabrito confitado aterra na mesa ao mesmo tempo que o carré de borrego do pasto alentejano e fazem-se ambos acompanhar de beringela e parmesão. Confessamos que não temos arcaboiço para tudo, até porque queremos guardar-nos para os segredos de Cíntia. A chefe de pastelaria chega à mesa, envergonhada, trazendo na mão um bonsai em que estão penduradas ganaches cítricas para limpar o palato no momento certo. Este é só um aperitivo para as sobremesas e petit fours.
Tudo o que se passou daqui para a frente está no domínio do pecado da gula. E, já se sabe, os pecados não são para confessar assim, à frente dos nossos leitores. Já nos basta ter de digeri-los no breu da noite, fazendo o caminho mais longo até chegarmos ao bungalow.
Alma Nómada > Costa do Vizir, Beach Village Monte Branco, Porto Covo > T. 96 575 4882 > 19h-22h30 > menu de degustação €78