
A surpresa da noite foi a sobremesa apresentada pela dupla David & Noëlle Faure, do Aphrodite (França): contou com a participação de Benoît Sinthon e foi feita ao som de música eletrónica
Henrique Seruca
Uma caixinha de surpresas do princípio ao fim da noite. Foi assim o Madeira Terroir. Ainda não eram sete da tarde quando chegámos, na sexta-feira, 24, ao Mercado dos Lavradores, no centro do Funchal. O destino seria a Praça do Peixe. As bancas, onde durante o dia se vendem douradas, espada, atum, cherne ou bodião, estavam a ser preparadas para o jantar volante que traria até ao mercado do centro do Funchal cerca de 400 pessoas. A expetativa era grande e a única coisa que se sabia era que iam estar presentes mais de 20 chefes de cozinha – portugueses, franceses, espanhóis, a maioria com Estrelas Michelin – e que os pratos que estes tinham preparado incluíam produtos da ilha.
É no cimo das escadas que levam à Praça do Peixe que nos apercebemos da azáfama. Atrás das bancadas de mármore, chefes e respetivas equipas mexiam-se como formiguinhas, com a mise en place pronta – a fazer sonhar com o que iria ser apresentado –, afinavam-se pormenores e processos. Eram 36 bancadas, e fomos a quase todas: às das sobremesas, dos sommeliers (entre os quais se encontravam João Chambel, Miguel Martins, António Lopes, Francisco Marques e Sérgio Marques), à do pão (dos franceses Joana e Bridor) e à da charcutaria, um mimo representado por Davide Dalmasso.
A primeira onde parámos foi na 21, talvez porque Vítor Matos, de barrete madeirense na cabeça, nos tivesse feito ir a correr até lá. Para o evento, o chefe do restaurante Antiqvvm, no Porto (ganhou a sua primeira Estrela Michelin o ano passado), levou foie gras (presente nos menus do restaurante). Pouco madeirense, perguntámos. A resposta foi rápida: “Quando enviei a proposta nem me tinha apercebido que era preciso incluir produtos daqui”. Depressa resolveu o problema, ao seu foie gras com enguia fumada e beterraba, adicionou vinho Madeira. Mais tarde, passaríamos por aqui para provar e comprovar que foi uma escolha acertada.

Diego Guerrero (restaurante DStage, em Madrid, duas Estrelas Michelin) apresentou ceviche de carabineiro sobre folha de bananeira
Henrique Seruca
Nas bancadas em frente, fomos ao encontro de dois chefes espanhóis, Diego Guerrero (DStage, duas Estrelas Michelin) e Pepe Solla (Casa Solla, uma Estrela Michelin) faziam parte da comitiva de nuetros hermanos que incluiu, ainda, Javier Olleros, do Culler de Pau (uma Estrela Michelin). Diego preparou um ceviche de carabineiro servido em folha de bananeira, uma delícia para os olhos e para o palato – as patas de carabineiro crocantes eram saborosíssimas. Já Pepe Solla passou a noite a abrir ostras e, embora a tarefa não seja das mais fáceis e agradáveis, foi sempre com um sorriso na cara que as foi abrindo e servindo com o aguachile de maracujá que preparou.
Por esta altura, já a música soava alto e o ritmo tomava conta da praça. Em alguns momentos foi até difícil trocar dois dedos de conversa com alguns chefes. Venceria a vontade de saber tudo sobre o que tinham preparado. Foi, assim, com o espírito do Madeira Terroir, que nos dirigimos a um dos anfitriões da noite, Luís Pestana, do William, o restaurante do Belmond Reid’s Palace, galardoado também no ano passado com a sua primeira Estrela Michelin. “Temos crepe de batata doce com ovas de espada apresentadas como um caviar e com funcho, salmão meio curado finalizado a baixa temperatura e depois uma crosta de salsa com pão panko, puré de inhame e batata doce, flor de borragem, gel de maracujá e airbags de batata (pequenos crocantes)”, explica Luís Pestana, bem próximo do nosso ouvido para que se perceba tudo o que vamos comer.

O prato de truta de Benoît Sinthon, do Il Gallo d’Oro, o restaurante do hotel The Cliff Bay
Henrique Seruca
Foi graças ao William e ao Il Gallo d’Oro, restaurante do hotel The Cliff Bay, chefiado por Benoît Sinthon, agora com duas Estrelas Michelin, que tivemos o prazer de assistir a um encontro de alta cozinha num mercado tradicional, o Mercado dos Lavradores. Este é, aliás, um dos locais preferidos de Benoît Sinthon, na Madeira.
Era tempo de avançar até à bancada número 31, mais ou menos no centro da praça, uma das mais concorridas da noite, e facilmente identificada pela escultura de gelo em forma de galo. Aqui estava a estrela da noite, Benoît Sinthon, sempre animado e sorridente, respondia a todas as solicitações, de perguntas de jornalistas a selfies. Sobre as toalhas brancas pousavam os pratos de truta, produto que decidiu trabalhar no Madeira Terroir. “Gosto de truta e não tanto de salmão. É suave, elegante e fica bem na primavera”, justifica o chefe. Caviar, espuma de batata e creme de agrião seguiam também com a truta.

O prato de cataplana preparado por Noélia, do restaurante Noélia e Jerónimo, em Cabanas de Tavira
Henrique Seruca
Ao longo da noite, fomos dando voltas e voltas às bancadas de mármore – que muitas vezes serviram de mesa. Também nos cruzámos com chefes sem Estrelas Michelin, como Noélia, do restaurante Noélia e Jerónimo, em Cabanas de Tavira, que preparou uma cataplanda algarvia com ingredientes da Madeira. Foi a sua primeira participação num evento de abertura da Rota das Estrelas. Embora sem Estrela Michelin, a cataplana, foi um dos pratos da noite e de paragem obrigatória para muita gente.
Ao longo da noite, a animação foi constante. Os corpos mexiam-se ao ritmo da música, inclusivé os dos chefes, e as surpresas gastronómicas sucediam-se. A última saíria por detrás de uma cortina preta que ali esteve toda a noite e pela qual passámos várias vezes, sem adivinhar o que ali estava. Quando a cortina levantou, ao som de música eletrónica, apareceu a dupla David & Noëlle Faure, do Aphrodite (França) e Benoît Sinthon. Numa espécie de coreografia, sem ensaio, das mãos destes chefes, acabaria por sair uma sobremesa com sabor a maracujá e movimentos da cozinha molecular, fumo incluído. Para muitos, terá sido este o ponto alto do jantar. Para nós, foram as quatro horas de convívio entre chefes e as suas criações, afinal não é todos os dias que se tem a honra figurar entre tantas Estrelas.

Foram mais de 20 os chefes de cozinha que participaram nesta edição da Rota das Estrelas, no Mercado dos Lavradores, no Funchal
Henrique Seruca