Os olhos também comem, já se sabe, e o nariz não lhe fica atrás, acreditamos. Cheira a outono junto no Astoria, o restaurante do Palácio das Cardosas, no Porto, que apresentou agora a sua nova carta. Há pequenas bolotas em cima dos guardanapos de pano e, junto ao balcão, transformado em cozinha informal e em pequeno bosque, estão pequenas e grandes abóboras, ouriços de castanhas, tubérculos com cogumelos. É outono, sim, e a chuva até já começou a cair. O chefe de cozinha Pedro Sequeira, 34 anos, confessa-nos que, amiúde, se recorda das conversas em família à lareira, que aqueciam os dias mais frios da sua aldeia próxima da Lousã. Serve este detalhe para explicar que algumas das suas novas criações têm, por isso, cheiro a saudade. Ou não fosse também a cozinha o resultado de memórias de cheiros e de sabores.
A primeira entrada a chegar à mesa é a truta marinada (durante 12 horas) com geleia de pepino, mousse de cavala fumada e creme de topinambur. Topinambur? Pode repetir? “É um tubérculo, com origem no Médio Oriente e já com produções em Portugal”, elucida o chefe, enquanto nos põe na mão um topinambur (é semelhante a uma batata) e nos conta que, com ele, costuma fazer cremes, sopas “cremosas”, purés e assados. “A geleia de pepino serve para dar alguma frescura. Estamos no início do outono e ainda consumimos bem um prato tépido”, nota. A entrada é servida com um espumante Filipa Pato 3B rosé. Serão vinhos portugueses, atravessando várias regiões do país, que acompanharão a refeição.
Seguimos para o creme de cogumelos com presunto alentejano e chila fumada, acompanhado pelo branco Ervideira Invisível (Alentejo). Neste creme de cor escura – feito com shitake, boletos, portobello e trompetas de la muerte (produzidos em Espanha e França) – os cogumelos saem, mesmo, a ganhar. Outono é sinónimo deles e também de feijão, abóboras e romãs, como veremos adiante quando chegar a sobremesa. Depois de marinado com água de mar (flor de sal e algas), o cantarilho dos Açores, um dos peixes preferidos de Pedro Sequeira, chega à mesa com puré de feijão branco, cebolinhas glaceadas e molho de lemongrass. O prato marca a estreia do feijão seco, essa leguminosa tão portuguesa, no menu do Astoria.
Os dois pratos de caça que nos esperam – servidos com Quinta do Portal Grande Reserva Tinto 2011 – serão, talvez, as maiores estrelas desta nova carta: lombinho de javali confitado e alheira no bosque com cogumelos silvestres e molho de mirtilo, e supremo de faisão com alcachofra e abóbora, eringii grelhado (outra variedade de cogumelos) e creme de avelã. “É a primeira vez que trabalho o faisão”, confessa o chefe de cozinha, explicando parte do seu processo de confeção: “Marinamos os supremos com estrela de anis, aguardente, cardamomo, cravinho, pimentas. Desta forma, potenciamos também o sabor do faisão”. Já o javali – “uma carne não muito comum” – vem com uma alheira que lhe dá um toque fumado, a fazer lembrar as carnes defumadas de inverno.
Os sabores outonais continuam à sobremesa, acompanhados de vinho da Madeira meio seco (mais uma das regiões vínicas portuguesas). A romã – essa fruta que, confesso, a mim me leva às memórias de infância – surge em forma de sorvete, ao lado de uma dacquoise de avelã (uma espécie de bolo em camadas) polvilhado com pó de pistáchio. O bolo podre, receita típica da cozinha alentejana – “aqueles bolos de inverno que dão para guardar”, diz-nos o chefe – é servido com neve de queijo fresco, gelado de abóbora e crocante de canela. Sentimos alguns “estalos” na boca, são peta zetas. “Aqueles doces que comíamos quando éramos miúdos…”, entusiasma-se Pedro Sequeira. Demasiado delicioso para “guardar”, este bolo podre.
Restaurante Astoria > Palácio das Cardosas, Pç. da Liberdade, 25, Porto > T. 22 003 5600 > seg-dom 12h30-15h30, 19h30-22h30