
José Caria
O trânsito parou, na sexta-feira, 5, para ver o chefe de cozinha José Avillez à porta do seu novo restaurante no Chiado, em Lisboa. Um episódio pacífico, sem direito a buzinadelas ou palavras menos simpáticas por parte dos automobilistas que aguardaram uns minutos para poderem passar à frente do novo Bairro do Avillez. Metade da culpa, confessamos, foi da nossa equipa de reportagem, a quem José Avillez abriu a porta, para fazer de cicerone. A outra metade, temos que a atribuir à curiosidade de todos os que por ali passavam e queriam espreitar este novo projeto, que abriria discretamente na quarta-feira, 10, e que teve inauguração oficial nesta terça, 16. A nossa visita guiada aos cerca de mil metros quadrados que ocupam parte dos claustros do antigo Convento da Trindade foi acompanhada pelo som de berbequins e dos tachos nas cozinhas – sim, são três as cozinhas, mas já lá iremos. E, claro, acabaram por ser muitas as interrupções de lisboetas e turistas, que entraram para ver de perto a novidade e fazer perguntas ao chefe medalhado com duas estrelas Michelin, que abre assim o seu sétimo restaurante, depois do Belcanto, Cantinho do Avillez, Pizzaria Lisboa, Café Lisboa e Mini Bar Teatro, todos no Chiado, e ainda do Cantinho do Avillez, no Porto.
Prego do lombo à casa, com manteiga de mostarda e creme de alho assado
José Caria
Ainda com os últimos detalhes por acertar, nem os escadotes no meio do caminho, nem os tubos de cola ou as chaves de fendas espalhadas pelo chão conseguiam chamar mais a atenção do que as tranças de alhos e os presuntos pendurados por cima do balcão da cozinha da Taberna. É esta a primeira paragem no Bairro do Avillez. “Aqui vamos servir os petiscos típicos de uma taberna, mas reinventados, até porque este é um bairro atipicamente lisboeta”, descreve José Avillez. A ementa é bastante diversificada, dividida em diferentes categorias e apostando também em sugestões sem glúten e vegetarianas. Nos Snacks e Petiscos, destacam-se as “pipocas” de coirato picantes e o ceviche de tremoços. Na opção Em Bolo de Caco, sobressai a sanduíche de leitão com pickles de algas e salicórnia. Já sopas, existem duas, a alentejana e o gaspacho de cerejas com requeijão e presunto. Nos Pequenos Pratos, favinhas com gema de ovo a baixa temperatura e toucinho fumado, e o polvo com alho e molho kimchi. Há ainda uma secção dedicada às Brasas, com vazia maturada, pluma de porco preto e naco de ervas e pinhões, e outra para os acompanhamentos (arroz de alho, coração de alface nas brasas com pera e vinagreta de noz) e, por último, nove sobremesas.
Passamos na cozinha aberta para a sala, antes de vermos chegar à mesa um prego do lombo à casa, com manteiga de mostarda e creme de alho assado, e uma saladinha de “orelha de morcego”. Para os fotografarmos, terão primeiro que ser devidamente aprovados por José Avillez. E, depois de captados pela câmera, seguem-se as provas – e descobrimos que a alga “orelha de morcego”, pela consistência, nos faz pensar em orelha de porco, curiosamente. Ou talvez seja da parede forrada a azulejos, feita pelo mestre Fernando Duarte, da centenária fábrica Viúva Lamego, que ali está, com diferentes raças de porcos, desenhadas pela mão da artista Henriette Arcelin. “Os produtos provenientes do porco são presença típica nas cartas das tabernas. Aqui, os porcos vestem- -se com jaleca e sentam-se à mesa. É uma brincadeira”, ri-se Avillez.
Na Mercearia, haverá sempre novidades. A loja do Bairro do Avillez vende os vinhos e biscoitos da marca do chefe de cozinha, sacos de juta e aventais, entre outros produtos selecionados por José Avillez
José Caria
Do lado oposto a este painel, vê-se a Mercearia. Nesta pequena loja, com prateleiras, podem comprar-se, entre outros, os produtos produzidos por José Avillez, como os vinhos branco, tinto e rosé de marca JA, as areias e os biscoitos Bairro do Avillez (€3,50, cada embalagem). Os aventais estendidos numa corda e os sacos de juta também estão à venda. Vale a pena perder uns minutos a descobrir as peças decorativas, da ceramista Cátia Pessoa, fundadora do ateliê e galeria Caulino Ceramics, penduradas no teto desta Mercearia. Há cabeças de peixe, pimentos, folhas de couve, alhos e malaguetas…
Na Charcutaria, podem comprar-se os queijos e enchidos da Manteigaria Silva. Para comer ali ou levar para casa
José Caria
Ainda antes de sair desta primeira sala, provem-se os enchidos e os queijos da Manteigaria Silva, uma mercearia centenária da Baixa de Lisboa, aqui disponíveis na Charcutaria (que se serve da mesma cozinha da Taberna). “Há muito tempo que trabalhamos juntos. Tenho grande admiração pelo sr. José Branco e pelo trabalho que faz, apostando sempre na qualidade. Somos amigos há vários anos. Quando estava a planear o Bairro e os diferentes conceitos aqui dentro, pensei que seria interessante ter uma Charcutaria associada à Mercearia”, explica o chefe de cozinha. “É uma marca que tem valores semelhantes aos nossos, sobretudo na perspetiva da qualidade, do respeito pelos produtos portugueses, pela tradição e na atenção ao cliente. Tal como nós, dão grande importância ao atendimento personalizado e especializado”, continua.
Enquanto decorria uma aula de formação aos funcionários, ainda conseguimos espreitar o que por ali haverá. Nos queijos, só para dar alguns exemplos, estão o da serra da Estrela, de Nisa, de Azeitão e da Ilha de São Jorge; nos enchidos, presunto, paio, chouriço ou linguiça de porco preto, entre tantas outras, cortadas no momento do pedido, numa máquina especial. “A Berkel é uma máquina manual de fatiar presunto, comprada por nós de propósito para o Bairro. Permite cortar sem aquecer, respeitando totalmente a integridade dos produtos. E conseguimos cortar fatias de presunto tão finas que são transparentes. Aliás, quando me mostraram a máquina pela primeira vez, pude comprovar que, com três fatias de presunto sobrepostas em cima de um jornal, ainda conseguia ler as palavras por baixo”, conta Avillez, não escondendo as suas preferências. “Pessoalmente, gosto muito do queijo de cabra curado Guilherme, um queijo que também já tinha noutros restaurantes, como no Café Lisboa, por exemplo, onde faz parte do couvert”, diz.
Na Charcutaria, as iguarias podem ser levadas para casa ou degustadas numa das mesas com tampos em mármore ou em madeira, onde repousa o “estojo de ferramentas” com um garfo, uma faca, uma colher e um guardanapo. A acompanhar, um copo de vinho ou uma das quatro variedades de cerveja artesanal 1927 da Super Bock, servidas à pressão através de um equipamento topo de gama, que garante a temperatura e a pressão ideais. Diga-se, a propósito de bebidas, que a carta de vinhos do Bairro do Avillez apresenta uma seleção de referências portuguesas, de norte a sul, mas dá um destaque especial às da região de Lisboa. Muitos dos vinhos disponíveis são provenientes de pequenos produtores e não se encontram nos circuitos comerciais habituais.
Passando um corredor, entra-se no Páteo, a segunda sala do Bairro do Avillez, onde decorre agora mais uma aula de formação, desta vez, sobre café. Aqui, a ementa volta-se mais para o peixe e o marisco, com uma oferta diversificada. Para lá dos mariscos ao quilo, como a lagosta nacional, o lavagante azul, o carabineiro grande grelhado e as bruxinhas de Cascais, podem escolher-se pratos de peixe – robalo, salmonete, lulas, corvina, entre muitos outros, confecionados em arroz, no tacho, grelhados ou assados. Pratos de carne, essencialmente bifes, completam a oferta no Páteo.
Carabineiro grelhado com molho do Bairro
José Caria
Pela grande claraboia, entra muita luz natural, que ilumina a mesa no centro, com réplicas de barcos. Mas é a instalação As paredes têm ouvidos, de Joana Astolfi, que ganha toda a atenção e protagonismo nesta sala. Para ver na totalidade este trabalho que recria as fachadas lisboetas, é preciso recuar e ir até perto da cozinha (também ela aberta aos olhares dos clientes), para assim, à distância, lhe descobrir os pormenores: as típicas janelas lisboetas estão decoradas com fotografias antigas ou deixam ver estátuas de Santo António, um par de socas, pratos de loiça ou naperons.
“Aqui, sonho ver muita gente. A petiscar, a conversar, a jantar e a beber um copo de vinho. Neste bairro, os clientes podem fazer tudo… só não podem cá dormir”, brinca José Avillez. Já o escrevemos várias vezes e repetimos: o chefe de cozinha é um orgulhoso rapaz do bairro. “Vivo e trabalho no Chiado. Para mim, é a zona mas bonita de Lisboa”, dizia-nos há três anos, quando abriu a Pizzaria Lisboa. É também, cada vez mais, o Bairro do Avillez este novo Chiado, não há dúvida.
No Páteo, a luz entra por uma grande claraboia. É aí que está a instalação As paredes têm ouvidos, de Joana Astolfi, um retrato das janelas da Lisboa antiga
José Caria
O Bairro do Avillez em números
3 Cozinhas que funcionam, ininterruptamente, das 12 às 24 horas
78 Funcionários que trabalham nas cozinhas e nas salas
300 Número de lugares sentados, sendo que cerca de 60 são na Taberna
1000 metros quadrados, a área total do novo restaurante
Bairro do Avillez > R. Nova da Trindade, 18, Lisboa > T. 21 583 0290 > seg-dom 12h-24h