A Portaria n.º 266/2024, de 15 de outubro, que entrou em vigor no dia 3 de dezembro de 2024, veio proceder ao alargamento das regras de tramitação eletrónica constantes da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto, aos processos e procedimentos que correm termos nos serviços do Ministério Público, bem como aos atos que lhe são legalmente atribuídos.
Por força da mencionada Portaria, passaram a ser desmaterializados e tramitados eletronicamente todos os inquéritos crime, bem como todos os processos ou expediente das diversas jurisdições que corram termos nos Serviços do Ministério Público.
Ou seja, o mencionado diploma legislativo tem como escopo a transformação digital da justiça, na medida em que se considera uma ferramenta indispensável ao combate à sua morosidade, ao oferecer soluções eficazes para os problemas que impedem, muitas vezes, o sistema judicial de dirimir, num prazo razoável, os litígios que lhe são submetidos pelos cidadãos, pelas empresas e pelas entidades públicas.
Em consequência, em nome da celeridade e economia processual, com a entrada em vigor da mencionada Portaria, acabou-se com o papel, com os imensos volumes de inquéritos que atolavam as secretarias do Ministério Público e os gabinetes dos seus magistrados, e tudo passou para o universo digital, com a “facilitada” tramitação eletrónica.
Sucede que fenómenos anómalos têm sempre a virtualidade de nos alertar para a necessidade de garantir a existência de sistemas de redundância que permitam que, falhando as “novas tecnologias”, os sistemas e as instituições continuem a funcionar.
O apagão ocorrido no pretérito dia 28 de abril teve consequências significativas no sistema de justiça, incluindo a paralisação de tribunais e falhas nas comunicações, devido à dependência de sistemas informáticos. A falta de energia impede a operação de sistemas como o Citius, que são essenciais para o funcionamento do sistema judicial. A vulnerabilidade do sistema de justiça durante uma crise, como um apagão, demonstra a necessidade de planos de contingência e fontes de energia alternativas para garantir a continuidade dos serviços e a proteção dos direitos dos cidadãos.
Mas, bem andou o legislador ao garantir no artigo 28.º, n.º 1, da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto, a possibilidade de manter no suporte físico do processo peças, autos e termos processuais que, sendo relevantes para a decisão material da causa, sejam indicados pelo magistrado competente, em despacho fundamentado em cada processo.
Este acervo documental físico é, de facto, uma garantia que o processo não fica paralisado em consequência de fatores externos ao sistema de justiça.
Na verdade, para além deste fenómeno raro que ocorreu na semana passada, os sistemas informáticos são visados recorrentemente por tentativas de intrusão, denominados de ciberataques. Para o efeito, são frequentes as tentativas de instalação nos sistemas operativos dos equipamentos e das redes informáticas de softwares de caráter hostil ou intrusivo, apelidados de Malware.
Trata-se de software destinado a infiltrar-se, de forma ilícita, em equipamentos, com o intuito de causar danos, alterações ou furtar informação.
Um dos esquemas frequentemente utilizados é a publicação de conteúdos com títulos que despertam curiosidade ou apelam a algum tipo de ação “urgente”, bem como o envio através de emails fraudulentos.
Há ainda que considerar, e tratar com extrema prudência e cautela, fenómenos como o ciberterrorismo.
O ciberterrorismo é uma forma de terrorismo que usa informações, computadores, redes e infraestrutura técnica para conduzir atividades terroristas. Devido à importância desses componentes de interconexão de redes, o ciberterrorismo poderá ser considerado potencialmente mais prejudicial do que o terrorismo tradicional.
Em particular, o ciberterrorismo tem como alvo a infraestrutura financeira e comercial, bem como a infraestrutura governamental, informação judicial, o controlo de tráfego aéreo e registos médicos, apresentando como vantagens o facto de poder ser realizado com recursos financeiros modestos, com anonimato e à distância.
A intenção do ciberterrorismo é incapacitar e/ou reduzir drasticamente a disponibilidade dos recursos computacionais de uma organização, entidade ou infraestrutura. Se para uma empresa privada, este tipo de ataque poderá resultar em perdas financeiras, para uma entidade pública, poderá convergir na incapacidade de cumprir a sua missão.
O conceito de ciberterrorismo associa-se, aliás, ao de destruição e/ou incapacitação de infraestruturas críticas, cujo comprometimento tem um impacto debilitante na segurança nacional, na economia e no estado social de um determinado país.
No âmbito destas infraestruturas críticas, poderemos incluir as comunicações, a energia, a água, a cadeia de fornecimento de bens alimentares, os serviços de emergência e os serviços de saúde, os serviços de justiça, assim como símbolos de coesão nacional. De entre estas infraestruturas, destacam-se os setores energéticos e da informação e telecomunicações, pelo seu papel central no funcionamento das demais infraestruturas críticas de um país.
O funcionamento da justiça não está imune a este tipo de fenómenos e ataques, pelo que o mais avisado é ter à sua disposição mecanismos de redundância que permitam o sistema de justiça funcionar: manter a continuidade do bom e velho processo em papel!
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