Correr do trabalho para casa, pagar as contas, tomar conta dos filhos, pensar se se quer ter filhos, poupar para ir de férias, chegar às férias e perceber que talvez não se tenha poupado o suficiente.
Adormecer tarde, levantar cedo, descansar o possível, voltar a correr para o trabalho, e daí para casa, não sem antes ter ido almoçar com um amigo que não víamos há meses, encaixado uma consulta depois do almoço e elaborado, pelo menos, três listas mentais de tudo o que ficou por fazer.
Cansa. A vida hoje em dia cansa, e vai-nos desgastando, a uns de forma mais rápida, a outros de forma mais intensa. Andamos todos “cheios de ansiedade”. A frase escapa-nos da boca sem que pensemos muito nela. Mas será que a ansiedade que sentimos é normal ou já se tornou patológica? Será que chegamos a um ponto em que temos mesmo uma doença e devemos procurar um médico?

“Para começar, toda a gente tem ansiedade”, descansa o psiquiatra e diretor clínico do PIN Lisboa, Gustavo Jesus. E explica: “Ao longo das centenas de milhares de anos da espécie humana, a ansiedade ajudou-nos a sobreviver”. Ou seja, no fundo, a ansiedade é nada mais nada menos que “uma resposta complexa, física e psicológica, que todos nós temos para fugir ao perigo”.
Quando a ansiedade dura vários meses ou passa a existir independentemente de existirem estímulos externos, estamos perante uma doença que deve ser diagnosticada por um psiquiatra e tratada
Durante esta resposta, o que acontece é que o corpo prepara-se para fugir ou lutar. Por esta razão, ficamos extremamente focados, o coração acelera para que o sangue chegue mais depressa a todo o corpo, e a respiração fica ofegante, para trazer mais oxigénio ao sangue, que o levará ao cérebro e aos músculos, caso necessitemos de fugir.
Ainda que seja normal reagir desta forma perante algo que consideramos perigoso, esta reação passa a ser considerada patológica quando se torna “demasiado intensa, demasiado duradoura ou desproporcional em relação aquilo que a causou”, explica Gustavo Jesus.
Quando a ansiedade dura vários meses ou passa a existir independentemente de existirem estímulos externos, estamos perante uma doença que deve ser diagnosticada por um psiquiatra e tratada.
E as principais doenças da ansiedade, explicou Gustavo Jesus no primeiro episódio de 2023 das conversas com Saúde, são as fobias, a perturbação da ansiedade generalizada, na qual os doentes estão constantemente enervados e tudo é uma preocupação, e a perturbação de pânico, na qual os doentes têm ataques de pânico e ficam convencidos que vão “morrer, perder o controlo ou enlouquecer”.
Será que sofro de ansiedade?
É claro que evitar o problema é sempre melhor do que resolvê-lo. Quem ainda não sofre de ansiedade deve, segundo Gustavo Jesus, promover um estilo de vida saudável, pautado pela prática de exercício físico e de estratégias de meditação, por uma boa rotina de sono e pela manutenção de uma dieta predominantemente mediterrânica, à base de verduras e rica em ácidos gordos ómega-3.
Para quem esteja na dúvida se sofre ou não da doença, o psiquiatra aponta alguns sintomas a não ignorar, nomeadamente o grau de sofrimento, o facto de a ansiedade ser muito descontextualizada relativamente ao que se está a passar, o facto de a pessoa sentir que está muito diferente do que era e ainda o grau de disfunção, ou seja, “se a pessoa deixou de conseguir fazer coisas que habitualmente conseguia fazer e deixou de aceitar coisas por causa da ansiedade”.
Como posso tratar-me?
Perante sintomas inegáveis, é aconselhável marcar uma consulta no psiquiatra e, caso o diagnóstico se verifique, o tratamento poderá passar pela prescrição de fármacos antidepressivos, ansiolíticos e/ou pela realização de psicoterapia.
Apesar de muitas pessoas terem medo que os antidepressivos causem dependência, Gustavo Jesus assegura que “a única classe de medicamentos que pode causar dependência são as benzodiazepinas, vulgarmente chamadas de calmantes ou ansiolíticos”, as quais não devem ser usadas durante mais de oito a 12 semanas, incluindo a fase de descontinuação.
O médico sublinha que, apesar de às vezes ser mesmo preciso recorrer a estes fármacos para ajudar pessoas que têm sintomas que causam grande sofrimento, como ataques de pânico diários, os ansiolíticos “não mudam nada a longo prazo”. Para isso é necessário recorrer, a outras estratégias.
Uma delas é, por exemplo, a toma de antidepressivos. “Apesar do nome, são usados para muito mais coisas do que apenas para tratar a depressão”,comenta Gustavo Jesus. Estes medicamentos vão “remodelar a neurotransmissão, levando a uma alteração dos circuitos”. É que, quando estamos ansiosos, acabamos por “habituar” os circuitos do nosso cérebro a funcionar mal, como se ficassem viciados em caminhos errados que, inevitavelmente, levam a uma resposta ansiosa.
Re-educar estes “caminhos” cerebrais é algo que, além de poder ser feito com antidepressivos, é conseguido através da psicoterapia, que funciona como uma espécie de fisioterapia cerebral. Além de resolver a raiz do problema, ensina o cérebro a voltar a usar os circuitos cerebrais de forma a não desencadearem respostas patológicas de ansiedade.
Ao longo da conversa, disponível em vídeo e em formato podcast, Gustavo Jesus fala ainda do burn-out e respetivos sintomas, bem como dos sinais de alerta de perturbações de ansiedade em adolescentes, uma faixa da população que, segundo o médico, foi a que mais viu a saúde mental abalada após a pandemia.
Para ouvir em Podcast: