Um recente estudo científico realizado por uma equipa de investigadores do Instituto Feinstein de Investigação Médica revelou que os “fundamentos neurobiológicos” do sexo e do género se encontram associados a diferentes partes do órgão cerebral, possuindo ainda uma grande influência no cérebro e saúde. “O sexo e o género são diferentes em termos de experiências vividas. No estudo, vemos que são diferentes na forma como estão a influenciar a biologia do nosso cérebro “, referiu Elvisha Dhamala, professora de psiquiatria e uma das autoras do estudo. A objetivo da investigação, que envolveu a análise de imagiologia cerebral de quase cinco mil crianças dos Estados Unidos, passou pela melhor compreensão das “influências únicas e mensuráveis” que as noções de sexo e o género possuem no comportamento e saúde dos indivíduos, desde crianças. As descobertas foram publicadas recentemente sob a forma de artigo científico na revista Science Advances.
Segundo os investigadores, tanto os conceitos de género e de sexo fazem parte da experiência humana, especialmente na forma como as pessoas percecionam os outros e como se compreendem a si próprias. De forma a distinguir as noções durante a investigação, a equipa de cientistas definiu “sexo” enquanto feminino ou masculino, com base nos órgãos genitais à nascença, enquanto o “género” foi perspetivado como as atitudes, sentimentos e comportamentos exibidos, bem como os papéis socialmente construídos. Os investigadores definiram ainda o género como algo não binário – ou seja, não classificando como apenas feminino ou masculino – uma vez que nem todas as pessoas se identificam com os termos feminino ou masculino – podendo identificar-se como não binárias.
Para a investigação foram analisados dados de imagiologia cerebral de quase cinco mil crianças dos Estados Unidos – das quais cerca de 2 315 eram do sexo feminino e 2 442 do sexo masculino – com idades compreendidas entre os 9 e os 10 anos de idade. Os registos médicos das crianças parte da amostra fazem parte de um estudo de longa duração sobre o desenvolvimento do cérebro e a saúde infantil nos Estados Unidos, o Adolescent Brain Cognitive Development. Com um período de intervalo de alguns anos, as crianças foram submetidas a testes clínicos – como ressonâncias magnéticas – avaliações de comportamento e psiquiatria e inquéritos – realizados às crianças e aos respetivos seus pais – centrados no conceito de género.
Segundo a equipa, o preenchimento dos questionários por parte dos pais das crianças foi uma parte fundamental do estudo uma vez que as suas respostas deram aos investigadores uma melhor noção do ambiente social em que estavam a ser criadas e como este pode afetar o seu desenvolvimento cerebral. Através de um questionário com 12 perguntas, os pais forneceram ao estudo dados sobre o tipo de comportamentos que a criança exibia durante as brincadeiras e se esta apresentava sinais de disforia de género – um termo que se refere à angústia sentida por uma pessoa cujo sentido de género não corresponde ao sexo com que nasceu. “Quando as crianças têm um determinado tipo de comportamento ou expressão de género, isso influencia a forma como os pais e também outros prestadores de cuidados, amigos e familiares… etc. interagem com elas”, explicou Dani Bassett, um dos autores do estudo.
A equipa recorreu a um sistema de inteligência artificial para analisar os dados clínicos da amostra e, assim, construir um modelo capaz de prever o sexo e o género de uma criança somente a partir das imagens do seu cérebro. Os resultados mostraram que ambas as noções atuam em funções distintas do cérebro – o sexo de uma criança tem mais influência nas regiões do cérebro envolvidas no processamento visual, sensorial e no controlo motor, bem como algumas regiões envolvidas na função executiva – que permite a um indivíduo organizar e integrar informações ao longo do tempo; já o género mostrou um maior impacto na função executiva e nas áreas relacionadas com a atenção e a cognição social.
“O sexo e o género estão associados ao comportamento humano ao longo da vida, na saúde e na doença, mas não se sabe se estão associados a fenótipos neurais semelhantes ou distintos. Demonstrámos que, nas crianças, o sexo e o género se refletem de forma única na conetividade funcional intrínseca do cérebro. As redes somatomotoras, visuais, de controlo e límbicas estão preferencialmente associadas ao sexo, enquanto as redes correlacionadas com o género estão mais distribuídas pelo córtex. Estes resultados sugerem que o sexo e o género são irredutíveis um ao outro, não só na sociedade, mas também na biologia”, lê-se no estudo.
Futuramente, os investigadores esperam vir a ter uma melhor compreensão da forma como o sexo e o género interagem na vida de uma pessoa e como influenciam o cérebro ao longo da vida bem como o impacto que as diferentes culturas têm nas noções de sexo de uma pessoa e o desenvolvimento cerebral. “O nosso estudo abre caminho a uma abordagem mais inclusiva da neurociência, que procura compreender a anatomia, a fisiologia e os circuitos cerebrais através da variação natural dos sexos e géneros humanos”, acredita Bassett.