Ao longo das últimas décadas, vários estudos comprovam a eficácia que o desporto tem no organismo humano. Quer seja a correr, a caminhar ou a treinar no ginásio, não é segredo que a prática física ajuda a melhorar a saúde física e mental. Contudo, as alterações que ocorrem ao nível molecular quando ocorre atividade física ainda permanecem pouco estudadas pela ciência.
Um novo estudo científico, publicado na revista Nature, concluiu que a resposta do corpo humano ao exercício físico é mais complexa do que se acreditava. Uma equipa de investigadores, pertencentes ao consórcio Molecular Transducers of Physical Activity Consortium – também conhecido por MoTrPAC – recorreu a uma amostra de ratinhos para descobrir os efeitos que a atividade física provoca no organismo.
Durante a investigação, os cientistas utilizaram uma série de técnicas de laboratório para analisar as alterações moleculares que ocorreram nos ratinhos quando submetidos a oito semanas de intenso exercício físico. No decorrer da investigação foram seguidos 19 órgãos diferentes da amostra – como o coração, cérebro, fígado e pulmões – e observados os efeitos que a atividade física teve sobre os mesmos. No total, foram identificadas milhares de alterações moleculares partilhadas e específicas ao nível dos tecidos, tendo sido também encontradas diferenças entre os sexos dos ratinhos. Os cientistas acreditam que as suas conclusões fornecem dados relevantes para muitas condições de saúde humana.
Os investigadores foram capazes de concluir que cada um dos órgãos analisados se foi alterando com o exercício físico, ao ajudar o corpo a regular o sistema imunitário, a responder ao stress e a controlar as vias ligadas a doenças do fígado, a doenças cardíacas e até a lesões dos tecidos.
O consórcio concluiu ainda existirem diferenças entre os sexos em vários órgãos, especialmente quando relacionadas com a resposta imunitária no decorrer do tempo. A maior parte das moléculas de sinalização imunitária exclusivas do sexo feminino sofreram alterações entre uma a duas semanas de treino, enquanto as dos ratinhos macho só mostraram diferenças após quatro a oito semanas.
Os cientistas descobriram também que a prática física tem impacto na glândula suprarrenal – órgão responsáveis pela produção de hormonas e por regular processos como a imunidade, o metabolismo e a pressão arterial.
Para além disso, os cientistas encontraram ainda uma possível explicação para as alterações que ocorrem no fígado durante a prática de exercício, dado que pode vir a ter impacto no desenvolvimento de novos tratamentos para a doença hepática não alcoólica. “Embora o fígado não esteja diretamente envolvido no exercício, sofre alterações que podem melhorar a saúde. Ninguém especulou que veríamos estas alterações de acetilação e fosforilação no fígado após o treino físico”, explicou Pierre Jean-Beltran, um dos autores envolvidos no estudo.
Até agora, a produção científica que existia sobre as alterações moleculares decorrentes da prática física centravam-se sobretudo em mudanças num só órgão, sexo ou momento, incluindo apenas um ou dois tipos de dados. “Muitos estudos em grande escala centram-se apenas num ou dois tipos de dados. Mas aqui temos um leque de muitas experiências diferentes nos mesmos tecidos, o que nos dá uma visão global de como todas estas diferentes camadas moleculares contribuem para a resposta ao exercício”, contou Natalie Clark, cientista computacional envolvida na investigação.
Os investigadores esperam que as suas descobertas possam vir a ser utilizadas para desenvolver tratamentos que imitem os efeitos da atividade física para pessoas impedidas de fazer exercício. “Este é o primeiro mapa de todo o organismo que analisa os efeitos do treino em vários órgãos diferentes. O recurso produzido será extremamente valioso e já produziu muitos conhecimentos biológicos potencialmente novos para exploração futura”, explicou Steve Carr, um dos autores do estudo.
O projeto MoTrPAC, com início em 2016, reúne cientistas de vários institutos e universidades – como o Instituto Broad do MIT e de Harvard, a Universidade de Stanford e os Institutos Nacionais de Saúde – e de outras instituições e destina-se a investigar os processos biológicos subjacentes aos benefícios do exercício físico para a saúde.
Todas as conclusões do consórcio foram disponibilizadas num repositório público online, para que outros cientistas possam ter acesso às descobertas.