Há quem tenha perdido o olfato durante uns dias, umas semanas, vários meses. Ou aparentemente para sempre, assusta-se quem deixou de conseguir cheirar o quer que seja depois de ter sido infetado pelo novo coronavírus, e assim se mantém por tempo indeterminado.
Ao fim de três anos de pandemia de Covid-19, foram milhares as pessoas que perderam completamente o olfato, uma condição que se chama anosmia. E, por arrasto, sentiram também ter perdido o paladar, como bem se explica aqui.
“A maioria dos pacientes com anosmia tem perceção normal de substâncias salgadas, doces, azedas e amargas, porém falta discriminação mais apurada nos sabores, que depende muito do olfato. Portanto, eles muitas vezes queixam-se de perder o sentido do paladar (ageusia) e de não apreciar o alimento.”
A perda do olfato e do paladar tornou-se, por isso, um sintoma de que, muito provavelmente, a pessoa está infetada pelo SARS-CoV-2, o vírus responsável pela Covid-19. Um alerta para a necessidade de fazer o teste.
E tornou-se também um dos efeitos secundários mais relatados e mais prolongados no tempo. Cerca de 5,6% das pessoas com perda do olfato pós-Covid-19 ainda não são capazes de cheirar ou de provar normalmente seis meses mais tarde, segundo uma meta-análise de 18 estudos, cujos resultados foram publicados recentemente no British Medical Journal.
Uma perda que nem sempre é logo percecionada como importante, mas que pode roubar qualidade de vida e até prazer de viver. Um estudo realizado por investigadores da Universidade de Utrecht, nos Países Baixos, concluiu que o olfato é o sentido que desperta mais memórias emocionais – sobretudo por causa da proximidade entre o centro de processamento de cheiros e regiões que controlam emoções e memórias no cérebro.
Além da questão de quem precisa do olfato para trabalhar (os enólogos e os perfumistas, entre outros), lembre-se ainda que os cheiros (sobretudo os desagradáveis) alertam para situações de perigo. E muito rapidamente.
Cientistas do Instituto Karolinska, na Suécia, concluíram que os odores negativos são processados mais cedo do que os positivos e desencadeiam uma resposta física evasiva. “A resposta humana de evitar cheiros desagradáveis associados ao perigo há muito que é vista como um processo cognitivo consciente, mas o nosso estudo mostra pela primeira vez que ela é inconsciente e extremamente rápida”, diz o primeiro autor da investigação publicada no PNAS, Behzad Iravani, do departamento de Neurociências Clínicas daquele instituto.
Não admira, por isso, que um pouco por todo o mundo os cientistas se afadiguem a estudar as formas de reverter esta perda.
O chamado treino do olfato já existe há algum tempo. Implica cheirar profundamente quatro cheiros (geralmente de plantas e de frutas) durante 30 segundos cada um, duas vezes por dia e durante alguns meses. E resulta em grande parte dos casos.
De acordo com um estudo publicado em 2009, na revista The Laryngoscope, 40 pessoas que tinham distúrbios olfativos terminaram o treino com capacidades olfativas melhoradas, em média, em comparação com as 16 pessoas que não fizeram o treino, relatou o investigador Thomas Hummel e os seus colegas. Segundo este professor na Faculdade de Medicina Carl Gustav Carus, em Dresden, na Alemanha, o método ajuda entre 30 a 60% das pessoas, desde que elas sejam disciplinadas.
Há pouco mais de um ano, foi apresentado na Universidade de Aveiro um kit desenvolvido para treino do desvio olfativo destinado, em particular, a pacientes afetados pela Covid-19. Em parceria com a Sogrape, o kit TOP COVID – Treino Olfativo Pacientes Covid-19 – é constituído por cinco discos de aromas naturais, criados a partir de matérias-primas 100% vegetais e sem qualquer tipo de conservante, como pó de alecrim, pó de casca de tangerina com pó de bagaço de Baga, pó de bagaço de Touriga Nacional com grãos de erva doce, pó de gengibre com pó de bagaço de Baga e folhas de orégãos.
Mas o que fazer para ajudar as pessoas para quem o treino do olfato não é suficiente e que temem que a sua perda seja permanente?
Neste momento, estão a ser analisados potenciais tratamentos, para ajudar a recuperar o epitélio nasal, desde esteróides, suplementos de ómega 3, fatores de crescimento e vitaminas A e E.
Em estudo, relata a Science News, estão igualmente “transplantes epiteliais, concebidos para estimular as células estaminais olfativas, tratamentos com plasma rico em plaquetas para conter a inflamação e promover a cura, e mesmo um ‘nariz eletrónico’ que detetaria moléculas odoríferas e estimularia diretamente o cérebro”. Um “sistema de cheiro cibernético” inspirado nos implantes cocleares para a audição e nos implantes da retina para a visão.