O consumo de suplementos dietéticos e fitoterápicos está a aumentar à medida que o culto da beleza e da estética continua a crescer globalmente – e com isso sobe também o número de internamentos graves por lesões hepáticas, provocado pelos suplementos, com alguns casos a tornarem necessário mesmo recorrer a transplantes de fígado.
Um estudo liderado pela médica Emily Nash do hospital Royal Prince Alfred, Austrália, comparou as características e os resultados da lesão hepática provocada por medicamentos (drug‐induced liver injury – DILI na sigla inglesa) que contêm paracetamol, conhecidos para tratar a febre e as dores, e a a hepatite tóxica medicamentosa em pessoas que tomam fármacos sem paracetamol, como por exemplo suplementos dietéticos e fitoterápicos ou antibióticos.
Estiveram envolvidos 115 pacientes com hepatite tóxica medicamentosa relacionada com o paracetamol e 69 com o mesmo problema mas não relacionado com o consumo de paracetamol, todos com mais de 18 anos e seguidos no centro de transplante de fígado do Hospital durante entre 2009 e 2020. Os medicamentos sem paracetamol mais frequentes foram antibióticos (19,28%), suplementos fitoterápicos e dietéticos (15,22%), medicamentos anti tuberculose (9%) e medicamentos oncológicos (7 por cento).
Os números de admissões hospitalares com DILI provocada por medicamentos sem paracetamol foram semelhantes ao longo do período de estudo, mas a proporção associada a suplementos de ervas e dietéticos aumentou de 2 em 11 (15%) durante 2009-11 e 10 em 19 (47%) durante 2018-20.
Ao longo de um acompanhamento de 90 dias, 12 pacientes com DILI relacionada com o paracetamol morreram e três receberam transplantes de fígado. Sete pacientes com DILI não relacionada com o paracetamol morreram e 12 receberam transplantes. A sobrevivência de quem não realizou nenhum transplante nesse período de tempo foi de 86% para pacientes com DILI relacionada com paracetamol, e 71% para os restantes casos. No caso concreto de quem consome suplementos, a sobrevivência foi de 59%, revelando-se pior do que para pessoas hospitalizadas com DILI relacionada com paracetamol.
Ken Liu, co-autor da investigação e hepatologista especialista em transplantes, disse ao The Guardian que desenvolver este estudo foi relevante, porque estava a observar cada vez mais pacientes com lesões hepáticas causadas por medicamentos não tipicamente associadas a este tipo de doenças.
Dados obtidos noutros estudos mostram semelhanças na proporção geral de casos de DILI provocados pelo consumo de suplementos. Nos Estados Unidos representaram 20% dos casos de doenças do fígado, em 2013, na Islândia, em 2010-2011, representaram 16% e na Austrália verificaram-se em 22% dos casos.
As conclusões obtidas têm várias implicações clínicas, dizem os autores do estudo publicado no The Medical Journal of Australia, na última segunda-feira. O facto de as lesões hepáticas relacionadas com o consumo de medicamentos com paracetamol continuarem a ser um problema para a saúde mostra uma necessidade de tomar medidas para a saúde pública, “incluindo reduções adicionais no tamanho das embalagens”, lê-se no estudo. O aumento de casos relacionados com o consumo de suplementos, revela um crescente consumo deste tipo de produtos nas últimas duas décadas, na Austrália, o que já levou a Therapeutic Goods Administration a reforçar que a compra de suplementos online não é abrangida pela supervisão regulatória australiana.