Já passaram 11 anos desde a última vez que a comunidade científica internacional tentou obter uma vacina contra o vírus da imunodeficiência humana (VIH). Nessa altura, as conclusões davam apenas 30% de prevenção da infeção. Agora, um protótipo da vacina contra o VIH desenvolvido pela Janssen vai entrar na última fase de testes, para se perceber se a capacidade de proteção da transmissão do vírus é superior.
O medicamento da farmacêutica da Johnson & Johnson usa a mesma tecnologia que a empresa tem utilizado na sua vacina contra a Covid-19: um adenovírus modificado para transportar, até ao interior das células do indivíduo, o ADN das suas proteínas mais representativas, para que o organismo crie anticorpos contra elas. Na verdade, são duas vacinas, uma codificada com três proteínas e outra com quatro, que por conterem essa mistura têm o nome de mosaico. Ambas foram aprovadas em estudos de segurança e foram vistas como criadoras de anticorpos, como atesta a publicação na The Lancet, resta saber como funcionarão em condições reais. A investigação vai demorar entre 24 e 36 meses, tempo necessário para verificar a permanência e intensidade da proteção.
Para o ensaio já começaram a ser recrutados os 3 800 voluntários, mas esta é uma operação que depende muito de “uma variabilidade tremenda” do vírus, segundo José Moltó, médico e membro da Fundação de Luta contra a Sida, em Espanha, ao jornal El País. “Ao ser pressionado [pelas células do sistema imunológico] muda a aparência externa e escapa”, explica. O que a vacina faz é atingir diferentes variantes das proteínas gag, pol e env do vírus, tornando mais difícil escapar dos anticorpos criados. É, num outro nível, semelhante ao que acontecia há 25 anos com os tratamentos antivirais – começaram a ser eficazes quando vários se combinavam, interrompendo o ciclo de replicação do vírus em diferentes pontos.
Em grande parte o sucesso desses tratamentos é uma das causas que tem levado a menos debate sobre VIH e SIDA, apesar da sua prevalência. O mais recente Relatório Infeção VIH e SIDA em Portugal 2020, com os dados de 2019, divulgado no final de novembro pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge e Direção-Geral da Saúde traça a situação da infeção por vírus da imunodeficiência humana (VIH) e de síndrome de imunodeficiência adquirida (SIDA) no nosso País. Até 30 de junho de 2020, no ano passado foram diagnosticados 778 novos casos de infeção por VIH, o que equivale a uma taxa de 7,6 casos/100 mil habitantes. Foram notificados 172 novos casos de SIDA e 197 óbitos devido a casos de infeção por VIH ou SIDA. Estão registados cumulativamente 61 433 casos de infeção por VIH, dos quais 22 835 em estádio SIDA, em que o diagnóstico aconteceu entre 1983 e final de 2019. No mesmo período, foram notificados 15 213 óbitos em casos de infeção por VIH. Na última década houve uma descida de 47% no número de novos diagnósticos de infeção por VIH e de 65% nos casos que atingiram o estádio SIDA. As estimativas revelaram que no final de 2018 viviam em Portugal 41 305 com infeção por VIH.
Qual o perfil do doente português? Mora maioritariamente (50,4%) na Área Metropolitana de Lisboa, com uma taxa de diagnóstico de 13,7 casos/100 mil habitantes. A maioria (69,3%) são homens, com a idade média de 38 anos. A taxa de novos diagnósticos mais elevada observou-se no grupo etário 25-29 anos (22,1 casos/100 mil habitantes), entre os homens com essas idades a taxa de diagnóstico foi de 33,3 casos/100 mil habitantes. Em 97,3% dos casos a transmissão ocorreu por via sexual, com 57,8% a referirem contacto heterossexual.
Essa redução gradual nas transmissões fez com que o ensaio procurasse homens ou pessoas trans que fazem sexo com homens como voluntários, visto ser um grupo populacional em que a incidência alta. Em Portugal, em 2019, os casos em homens que fazem sexo com homens corresponderam a 56,7% dos casos diagnosticados de sexo masculino e tinham a idade média de 30 anos. Por outro lado, na África do Sul o teste será feito em 1 500 mulheres, uma vez que ali a transmissão acontece principalmente pelo sexo heterossexual. O continente africano representa mais de 40% das novas infeções por VIH no mundo, que são cerca de 1,7 milhões, e de mortes (690 mil no planeta em 2019). Apesar de o vírus ter sido descoberto há 25 anos, o UNAIDS, programa das Nações Unidas iniciado em 1996 para criar soluções e ajudar no combate à SIDA, estima que 12 milhões das 38 milhões de pessoas que vivem com o vírus no mundo não recebem tratamento. São precisamente esses 12 milhões de pessoas que ainda podem vir a desenvolver SIDA.