É mais um mistério que mostra bem como este vírus é traiçoeiro. Os médicos descrevem um fenómeno em que os pacientes estão aparentemente bem e até a conversar sem dificuldades e, no entanto, os seus níveis de oxigénio apresentam-se tão baixos que os doentes bem poderiam estar já inconscientes ou mesmo mortos.
As dificuldades respiratórias causadas pela pneumonia que o SARS-CoV-2 provoca podem, em alguns casos, manifestarem-se muito tarde – e num pequeno número de casos já tarde demais. Um pouco por todo o mundo foram reportados pacientes com uma saturação de oxigénio de apenas 50%, quando o normal se situa entre os 94 e os 100 por cento.
Noutras doenças que provocam hipóxia, os pacientes aparentam estar gravemente doentes, como explica o anestesiologista Mike Charlesworth ao jornal Guardian. “Com pneumonia normal ou embolia pulmonar, os doentes não conseguem sequer sentar-se na cama a falar com o médico. No caso da Covid-19 nós simplesmente não entendemos como é possível. Ela pode estar a causar graves danos aos órgãos e nós nem damos por isso”.
Este fenómeno é especialmente perigoso para as pessoas que estão a tratar a Covid-19 em casa. O mesmo médico contou ao jornal a sua experiência com a doença, dizendo que teve febre e tosse e que passou 48 horas de cama. “Enviei mensagens muito estranhos pelo telemóvel durante esse período. Provavelmente estava com hipóxia e o meu cérebro não estava a trabalhar muito bem”, diz.
Uma saturação de oxigénio abaixo dos 75% deixa, normalmente, os doentes inconscientes. Órgãos vitais como o coração ou o cérebro ficam em risco. Outro médico de um hospital de Londres citado pelo Guardian conta que tiveram uma paciente com níveis de oxigénio semelhantes aos das pessoas que vivem em grandes altitudes. O seu sangue estava muito escuro, perceberam quando lhe tiraram uma amostra. Colocaram-na num ventilador, mas ao fim de uma semana morreu. O médico conclui que o desfecho para os pacientes que sofrem deste fenómeno não costuma ser feliz.
Um artigo da revista Science, por sua vez, explica que o que conduz ao sintoma de falta de ar não é a falta de oxigénio, mas os níveis elevados de dióxido de carbono. “O cérebro está programado para monitorizar os níveis de dióxido de carbono com vários sensores. Já os níveis de oxigénio não os sentimos”, refere o investigador Paul Davenport.
Isto para dizer que em doentes com Covid-19 nem sempre se percecionam os baixos níveis de oxigénio através dos problemas respiratórios, pois os níveis de dióxido de carbono podem permanecer estáveis e, dessa forma, o doente respira aparentemente bem. Nestes casos, os médicos são unânimes em afirmar que a deteção precoce do problema é fulcral para o tratamento. Só que o “diabo” reside justamente aí, na deteção.