Circulando, o deslumbramento é inevitável. A pala com cem metros de comprimento que acompanha toda a fachada sul do edifício, o novo jardim que irrompe pelas enormes janelas. O projeto do arquiteto japonês Kengo Kuma e do libanês Vladimir Djurovic para a renovação do CAM – Centro de Arte Moderna da Gulbenkian mereceu aliás um prémio: é o Edifício do Ano 2025, na categoria de Arquitetura Cultural, atribuído pela ArchDaily.
No dia que por lá passámos, o nosso propósito era outro. De quinta a sábado, a partir das 19h30, a cafetaria que serve o CAM e os seus visitantes transforma-se num restaurante, sob a batuta do chefe André Magalhães. Mais, ao sábado as exposições estão abertas até às 21 horas.

O restaurante deve o seu nome à grande mesa desenhada também por Kengo Kuma, que se desdobra em inúmeras pequenas mesas. André Magalhães desligou-se da Taberna da Rua das Flores e da Antiga Camponesa para se dedicar a este projeto, em parceria com Pedro Franca Pinto, dono do Craveiral Farmhouse, a poucos quilómetros da Zambujeira do Mar.
É de lá que vêm alguns dos legumes, frutos e ervas aromáticas que servem em Lisboa. O que não produzem na sua época é comprado a pequenos produtores (outro dos parceiros é o Papafigos Bio, na zona do Cartaxo), assim como a carne, os queijos e os enchidos. O peixe vem direto de várias lotas.
Faz sentido, tendo em conta as linhas que orientam este novo CAM: um edifício sustentável do ponto de vista energético, onde se estudam soluções para diminuir a pegada ecológica e poupar os recursos. “Estabelecer um diálogo entre o museu e o restaurante funciona através desse trabalho de proximidade com os produtores, seguindo o que a terra dá a cada mês”, afirma André Magalhães. “Isso também se vê no paisagismo da Gulbenkian, no que eles plantam, nos canteiros que vão mudando a cada estação.”
Cozinha sem desperdício
Com um menu à carta, a ideia é partilhar o que vai chegando na bonita louça da Studioneves. Ao som de vários êxitos da bossa nova, o ritmo escolhido naquela noite, começamos pelo pão de massa mãe com manteiga de ovelha batida, uma espécie de couvert que servem sempre. E prosseguimos com o alho-francês grelhado com avelãs e queijo azul da Ortodoxo. Desta queijaria artesanal em Azeitão chega também o coração de burrata com marmelo, pickles de raiz de aipo e rebentos de grelos de nabo.

Na enorme cozinha, que fica na cave, tudo é aproveitado (raízes, talos, folhas, aparas…) e transformado (em recheios, caldos, pickles ou molhos). Também não fazem lixo que não seja orgânico, diz André Magalhães, para explicar que este é guardado numa câmara fria (para não fermentar), voltando para o Craveiral em carros elétricos, para ser convertido em fertilizante natural para a terra.
Nessa mesma cozinha, dá-se liberdade criativa para combinar ingredientes de várias regiões e espaço para que as pessoas interpretem o que está no prato: experimente-se o delicioso aipo cozinhado no forno e grelhado, puré do mesmo e crumble de alfarroba num caldo de cebola apurado durante horas. Ou o xerém algarvio com uma carne de porco dos Beloteiros (produtor alentejano de carne e enchidos de fumeiro em Arronches), conjugado com um molho de barbecue de ameixas, fruto da produção excedente do ano passado. A acompanhar tudo isto um branco Vicentino, da casta Sauvignon Blanc plantada na vinha mais oceânica do parque do Sudoeste Alentejano.

Além do menu à carta, em que constam também sobremesas (o gatnabour, nome para o arroz-doce arménio, é uma homenagem a Calouste Gulbenkian), A Mesa do CAM tem um menu de snacks que se podem acompanhar com um dos vinhos de baixa intervenção. À escolha, há por exemplo arancini de cogumelos com queijo azul, brioche com rosbife e dijonnaise, cogumelos silvestres grelhados com molho de fermento fresco e salsa, pickles de raízes do Craveiral, manteiga tostada e molho barbecue de ameixa.
Olhando pela janela rasgada de cima a baixo, André Magalhães diz que o restaurante está a crescer ao ritmo do jardim. “Há uns meses, isto era um estaleiro de obras.” No futuro, desejam estabelecer um diálogo ainda mais próximo entre o entorno do edifício e a cozinha da Mesa do CAM.
A Mesa do CAM > R. Dr. Nicolau Bettencourt, Lisboa > cafetaria: seg, qua e dom 10h-18h, qui-sex 10h-18h, 19h30-23h, sáb 10h-23h, jantares: qui-sáb 19h30-23h