Com um sorriso rasgado, Ana Paula Alho, 32 anos, entrega a filha de 4 meses nos braços do CEO da Liberty Seguros, José de Sousa, 62 anos. A pequena Carolina não sabe, mas o homem que a segura com um à-vontade surpreendente é patrão da mãe há sete anos. Ana Paula Alho, responsável pela Gestão de Parcerias e Apoio ao Cliente da companhia de seguros, termina a licença de maternidade em breve e decidiu levar a filha ao escritório. “Quando penso em produtividade, penso em pessoas que gostam de estar no local de trabalho”, afirma José de Sousa. “Temos de criar condições para as pessoas se sentirem acarinhadas, só assim elas ficam compelidas a darem o seu melhor”, acredita.
Atualmente, a insegurança laboral obriga a um ritmo frenético, uma constante prova de utilidade. Há formas de conciliar eficiência laboral e felicidade pessoal, mas estará o mercado de trabalho preparado para trocar eficácia por tempo?
“Ser produtivo não significa trabalhar mais, significa trabalhar melhor”, sintetiza o diretor do Gabinete de Estratégia e Estudos do Ministério da Economia, Ricardo Pinheiro Alves, 50 anos. “Os nórdicos trabalham menos horas do que os portugueses e são conhecidos por produzirem mais”, confirma o coacher de Produtividade com Inteligência, Luís Gonzaga.
Nos períodos mais intensos, Miguel Figueiredo, 44 anos, trabalhava 16 a 18 horas por dia, na sua agência de publicidade. Se os picos de horas infindas de atividade eram pontuais, a incapacidade de se desconectar das preocupações com a empresa tornou-se permanente. “O meu corpo não estava no escritório, mas a cabeça ficava lá”, confessa o agora coacher nas áreas da liderança e gestão de tempo. Os problemas de saúde começaram a aparecer e Miguel Figueiredo percebeu que precisava de desligar.
Ser produtivo para quê?
A meditação foi o primeiro passo. Reduz a ansiedade, aumenta a resiliência ao stresse, facilita a gestão das emoções e também potencia a criatividade e a capacidade de concentração. Muitos dos truques que começou por pôr em prática na agência publicitária são os mesmos que ensina a quem o tem procurado nos últimos dois anos, desde que decidiu dedicar-se ao coaching. Saber quando dizer não, fazer listas de tarefas, identificar o período mais produtivo do dia, estabelecer prazos para cumprir determinada missão ou limitar o acesso às redes sociais são alguns dos seus mantras. Miguel Figueiredo acredita que o grau de motivação de cada um está intimamente ligado à perceção da importância do seu papel dentro da empresa. “Ser produtivo só para entregar dinheiro aos acionistas não motiva ninguém.”
O especialista em recrutamento Fernando Neves de Almeida, 56 anos, Managing Partner da Boyden Portugal, assegura que “as empresas mais bem-sucedidas sabem que o bem-estar dos trabalhadores é fundamental para elevar a produtividade”. Tanto que “muitos gestores de topo são penalizados na remuneração quando a satisfação dos subordinados é baixa”.
O colega que sai mais cedo é, muitas vezes, olhado de lado. Mas “em muitos casos, quem sai mais cedo é, precisamente, mais produtivo”, contraria Neves de Almeida. Os millennials (nascidos entre o início dos anos 80 e os anos 2000) têm uma relação com o trabalho diferente do estereótipo conservador e materialista associado aos yuppies. “Esta geração não quer trabalhar muitas horas porque entende o valor do seu tempo”, contextualiza Pedro Rocha e Silva, 46 anos, responsável pelo estudo Índice da Excelência, que analisa anualmente o clima organizacional de cerca de duas dezenas de empresas. Outro estudo das consultoras BCSD e Delloite em parceria com a Sonae acrescenta que os trabalhadores desta faixa etária (e que representam 32% da população empregada) dizem ser mais produtivos se trabalharem à distância, tiverem flexibilidade de horários e usarem os dispositivos móveis a seu favor.
O coacher de Produtividade com Inteligência, Luís Gonzaga, reforça esta avaliação: “Não interessa se as pessoas estão no seu local de trabalho – com as devidas exceções para, por exemplo, a indústria – o que é importante é apresentarem resultados. Se o fazem na esplanada ou em casa é indiferente”. Na Full Fill, empresa onde ministra cursos nesta área, os formandos queixam-se da quantidade de emails e do excesso de informação com que são bombardeados a toda a hora. “Criou-se uma espécie de fobia de estarmos a perder alguma coisa e isso está a impedir-nos de ser felizes.” Muitos dizem-lhe, também, não ter tempo para fazer exercício físico. “E quanto tempo passou esta semana no Facebook ou no Instagram?” Há que tomar consciência “onde estamos a gastar a nossa energia” e quais são as nossas prioridades.
Prioritário ou urgente?
Ricardo Vargas, psicólogo social e CEO da Consulting House – com cursos nas áreas de Liderança, Desenvolvimento Pessoal e Gestão do Tempo – usa uma expressão de Winston Churchill para exemplificar como a organização laboral é importante: “Se falhas a planear, estás a planear falhar.” Ter uma metodologia de planeamento e de gestão de comunicação é fundamental. Na agenda deve estar anotado o que é prioritário. E não vale a pena planear 10 tarefas num dia, não vai ser possível fazê-las. “Prioritário é diferente de urgente”, lembra. “As coisas urgentes surgem normalmente dos chefes que não planeiam.”
A interrupção de uma tarefa exige 15 a 20 minutos para retomar o foco. Daí que o multitasking seja um contrasenso. “Estar a dedicar os nossos recursos a diferentes tarefas tem um preço em termos de produtividade”, explica o psiquiatra Bernardo Barahona Correa, 43 anos, da Unidade de Neuropsiquiatria da Fundação Champalimaud. “Há interferência mesmo quando tentamos conjugar tarefas motoras e intelectuais.” Para estar focado é essencial remover as tentações (como as redes sociais), trabalhar num só ecrã (deixar de lado o telefone) e fazer pausas regulares que impliquem movimentar o corpo. A capacidade de concentração é um dos traços distintivos das pessoas com processos mentais mais eficientes e, por conseguinte, mais produtivas, refere o neuropsiquiatra.
A ansiedade, em doses moderadas, “aumenta a concentração e a resistência à fadiga mas, a partir de um determinado nível, torna-se contraproducente”, alerta Barahona Correa. Essa fronteira depende da tolerância de cada um. Pedro Rocha e Silva, partner da consultora Neves de Almeida, nota que “determinados perfis reagem bem à pressão, outros nem tanto. Um líder sabe ver a diferença.”
O ponto de equilíbrio entre produtividade e ansiedade alcança-se percebendo o que é prioritário. De outra forma, pode entrar-se num estado de perturbação com consequências até fisiológicas. Se alguém pensar que está sempre a falhar ficará com a sensação de que perdeu o controlo sobre a sua vida. “Pode gerar descargas quotidianas de cortisol (hormona do stresse) que dão origem a depressões, burnout ou stresse crónico”, alerta Ricardo Vargas. Uma das consequências é a falta de horas de sono. E tudo se joga num ciclo vicioso. Quem não produz fica ansioso; como está ansioso não dorme; e depois produz menos porque no dia seguinte está cansado.
O psicólogo Ricardo Vargas aponta a “reunite aguda” como um dos principais entraves à produtividade. “As pessoas são chamadas e não sabem porquê, depois não têm os elementos que lhes são pedidos e acabam a marcar nova reunião para discutir o que deviam ter falado naquela.” O CEO da Liberty, José de Sousa, diz mesmo que as reuniões são “uma das piores doenças” das empresas. “Só servem para partilhar responsabilidades em vez de as assumir.”
Recursos humanos ou pessoas?
José de Sousa até pode passar uma tarde no cinema durante a semana, mas a seguir terá mais de três dezenas de emails por ler. E não admite falhar, já que uma das suas regras é nunca demorar mais de 24 horas a responder. O trabalho por objetivos, com remuneração variável, é uma das estratégias habituais para estimular a motivação e a produtividade dos trabalhadores. Mas pode ser desastrosa se não for bem aplicada. “Tem que se conhecer muito bem o negócio para estabelecer objetivos realistas”, defende, sob pena de arrasar a motivação dos funcionários.
“Fico preocupado quando dizem que o problema da produtividade é dos colaboradores”, diz Nadim Habib, professor na Nova School of Business & Economics, em Lisboa. Para o especialista em Produtividade das Organizações, as empresas precisam de dar mais autonomia aos funcionários, “para que não estejam sempre à espera da assinatura do chefe”, e acabar com uma série de regras que “destroem a motivação”. Se as empresas tiverem normas mais libertadoras, a produtividade aumenta porque as pessoas (e não “recursos humanos”, termo que abomina) se sentem responsáveis.
O cineasta Pedro Pinho, 40 anos, não simpatiza com a palavra produtividade. “É a rentabilidade aplicada ao ser humano, mas a quem favorece esta otimização do esforço?”, questiona o realizador de A Fábrica de Nada (já nas salas), distinguido no festival de cinema de Cannes com o Prémio FIPRESCI. Inspirado no caso real da fábrica de elevadores Fateleva que, entre 1975 e 2016, funcionou em autogestão, o filme acompanha um grupo de operários que se recusa a abandonar as instalações e deixar a administração levar as máquinas essenciais à laboração. “A produtividade coloca-nos como peças de uma máquina que não nos favorece”, acusa o cineasta. “Ao fazer este filme, deparei-me com esta coincidência absoluta entre quem é uma pessoa e aquele que é o seu trabalho. A nossa função social é produzir. Há qualquer coisa de trágico nisso”.
Já há 150 anos se prometia uma era em que o ser humano poderia explorar todas as suas potencialidades pelo decréscimo do trabalho. Mas a revolução tecnológica trouxe antes desemprego. A diminuição do trabalho será mais uma promessa ou uma ameaça? “A resposta a essa pergunta está na redistribuição. Se houver uma acumulação de riqueza cada vez maior nas mesmas pessoas, se os que são ‘libertados’ do trabalho estiverem votados à pobreza, então é uma ameaça”, vaticina Pedro Pinho.
O investigador do Instituto de Sistemas e Robótica do Instituto Superior Técnico, Pedro Lima, 56 anos, defende que é fundamental antecipar a necessidade de redistribuir a riqueza gerada pela produtividade das máquinas pelos seres humanos. E já há soluções a serem discutidas, como os robôs pagarem taxas para a segurança social ou instituir o rendimento básico incondicional (já testado em países como a Finlândia).
No seu estilo descontraído (não usa gravata), o CEO da Liberty Seguros valoriza acima de tudo as pessoas e acredita que são as decisões que melhoram o bem-estar dos trabalhadores aquelas que mais contribuem para o aumento da produtividade. Passando Carolina de novo para o colo da mãe, José de Sousa frisa “a importância de ser feliz no local de trabalho”. E fora dele.
Várias estratégias para aplicar durante o ano inteiro. Saiba o que pode fazer para gerir melhor o seu tempo e os comportamentos que deve evitar:
Fazer
Estabelecer prioridades
Estar concentrado numa tarefa de cada vez é mais eficaz do que tentar fazer tudo ao mesmo tempo. Não deixe o urgente sobrepor-se ao realmente importante. Pergunte-se sempre se a tarefa em questão precisa mesmo de ser feita por si.
Agendar
Planear não é despejar coisas na agenda. As ferramentas de organização pessoal são essenciais para “arrumar” o tempo que tem disponível para cada objetivo.
Listas de tarefas
Seja realista nos seus objetivos diários e, em vez de incluir dez tarefas no mesmo item, como “criar projeto”, divida a tarefa nas suas várias fases, como “pesquisar para o projeto, preparar apresentação…”.
Períodos de descanso
Faça intervalos regulares enquanto cumpre uma tarefa. A técnica mais conhecida é a Pomodoro (inspirada nos cronómetros de cozinha em forma de tomate), que estabelece períodos de concentração de 25 minutos e pausas de 5 minutos.
Partilhar a responsabilidade
Se mais alguém souber dos objetivos a que se propôs, será mais fácil sentir-se responsável por atingir resultados.
Ter a secretária organizada
Mantenha apenas o material necessário à missão que tem em mãos. Reserve cinco minutos ao final do dia para arrumar a secretária para o dia seguinte.
Dormir
Sete a oito horas de sono diárias são essenciais. Durante a noite, novas ideias podem surgir no subconsciente, daí as ideias brilhantes associadas ao duche matinal. Desligue os dispositivos tecnológicos meia hora antes de dormir.
Ir ao ginásio
O exercício físico é muito eficaz na oxigenação do cérebro. Além de melhorar as funções cognitivas, ajuda a libertar a tensão muscular acumulada. Mesmo no escritório, vá à casa de banho ou buscar um copo de água quando sentir que está desconcentrado.
Meditar
O mindfulness, um treino mental que ensina a lidar com os pensamentos e emoções, tem vindo a ganhar adeptos no universo empresarial. Esta técnica ensina a distinguir os pensamentos úteis dos inúteis.
Controlar o tempo
Contabilize o tempo despendido em cada tarefa e estabeleça prazos para as terminar. Reduza o tempo gasto em reuniões e, se forem indispensáveis, contribua para a objetividade da discussão.
Ser sexualmente ativo
O stresse aumenta a produção de cortisol (considerada a hormona do stresse), enquanto o sexo liberta endorfinas, responsáveis pela sensação de bem-estar.
Ser paciente
É difícil alterar rotinas de um dia para o outro. Em vez de mudar tudo de uma vez só, o melhor é adotar pequenas mudanças e, gradualmente, descobrir o que funciona melhor. Quando correr bem, compense-se por isso.
Evitar
Multitasking
Tentar fazer várias coisas ao mesmo tempo é contraproducente. A necessidade de mudar o foco da atenção quando alterna tarefas torna-o mais lento.
Redes sociais
Resista ao vício procrastinador de consultar as redes sociais antes de concluir uma tarefa. Faça-o apenas nos intervalos. Mantenha aberta no computador apenas a janela na qual está a trabalhar.
Zero emails
Não alimente a ilusão de ter zero mensagens por ler na caixa do correio. Na verdade, alguns deles não merecem mesmo a sua atenção.
Trabalhar longas horas
Além das perigosas consequências para a saúde (fadiga, exaustão, depressão) é fundamental ter intervalos de, pelo menos, dez horas entre períodos de trabalho, para recuperar a motivação e ter novas ideias.
Passar o dia a reagir
Se estiver sempre a responder a solicitações – telefonemas, emails – estará apenas a reagir às necessidades dos outros. Tente reservar períodos do dia não-
-reativos: por exemplo, as primeiras horas do dia.
5 Regras para dominar o email…
… Antes que ele o domine. Estar constantemente a receber mensagens na caixa de correio eletrónico pode ser altamente contraproducente, mas há formas de o contrariar.
Limitar a consulta
Em vez de verificar o email sempre que chega uma mensagem nova, o ideal é programar a consulta para determinadas horas do dia ou dedicar-lhe apenas dez minutos por hora, por exemplo.
Organizar por grupos
Bastam dois grupos para fazer toda a diferença: os que são de resposta rápida e os que exigem uma resposta ponderada. Mas também é importante distinguir aqueles que nem sequer merecem resposta.
Enfrentar os mais difíceis
A tendência habitual é adiar a resposta a mensagens difíceis, sobretudo quando implicam uma resposta negativa, mas libertar-se dessa tarefa não desejada é importante para ficar mais disponível e concentrado noutras missões.
Não consultar de manhã
A primeira hora ou duas do dia devem ser dedicadas às suas prioridades e não a reagir ao que chegou pela caixa do correio – corre o risco de desperdiçar um dos períodos mais produtivos do dia.
Desligar as notificações
Quando precisar de se concentrar numa tarefa desligue as notificações de email pelo menos durante meia hora, para evitar ser interrompido.
Artigo publicado na VISÃO 1282 de 28 de setembro