A menos de três semanas das eleições legislativas, a Sciaena tenta trazer o mar para a agenda política. A ONG portuguesa dedicada ao ambiente marinho lançou um “manifesto azul”, com 14 medidas para proteger os ecossistemas marinhos, a adotar pelo Governo que se seguir.
A primeira proposta da lista (ainda que não seja por ordem de importância, adverte a associação) é “assegurar um ministério responsável pela governação do mar” – um regresso ao passado recente, dado que houve um Ministério do Mar entre 2015 e 2022. “Com esse retrocesso, o mar perdeu relevância”, diz Ana Matias, coordenadora de Clima da Sciaena, que defende também o retorno a este gabinete das pescas, que entretanto passou para o Ministério da Agricultura e Alimentação. Além das pastas em si, caberia ainda ao regressado ministério servir de órgão consultor para outros ministérios.
A gestão do espaço marinho atravessa várias propostas, sempre com o foco na proteção da biodiversidade e do clima, sobretudo tendo em conta a aposta na energia eólica offshore. Uma vez que estamos a arrancar com relativo atraso, face aos países do Norte da Europa, temos a obrigação de aprender com os erros dos outros e desenvolver os projetos de um modo mais sustentável, frisa Gonçalo Ferreira de Carvalho, coordenador executivo da associação. “Portugal tem espaço e um mar ainda relativamente pouco industrializado. No mar do Norte, as conversas são muito complexas; aqui, temos a oportunidade de avançar com as renováveis integrando-as na conservação. Seria muito mau se, ao tentar resolver a crise climática, acabássemos por piorar a crise da biodiversidade. Desenvolver eólicas, sim, mas assegurando que a preservação dos ecossistemas não é esquecida.”
O papel do oceano enquanto sumidouro de dióxido de carbono não foi esquecido. “É impossível ter ação climática sem falar do oceano, sem garantir zonas de restauro, deixadas intocadas para que os ecossistemas locais se possam regenerar”, diz Ana Matias. O oceano é o maior recetor de CO2 e de calor, e é isso que nos tem permitido continuar a viver de uma forma mais ou menos estável. Com todas as ameaças – poluição, pescas, transportes -, a saúde global do oceano tem declinado. A nossa preocupação é que, enfraquecendo-se a saúde do oceano, isso leve a menor capacidade de produzir estes efeitos. É por isso que temos de minimizar os impactos, garantindo que haja zonas de captura de carbono azul.”
Essa garantia passa pela criação de zonas intocáveis, mesmo quando os projetos têm propósitos climáticos, como é o caso da energia eólica. “Nenhuma área classificada deve ter implantação de eólica offshore”, realça a coordenadora de Clima da Sciaena. “Temos de garantir corredores migratórios para aves e também queremos que as ONG sejam chamadas para todos os grupos de trabalho [na apreciação de projetos de energia eólica]. Mas as duas coisas podem coexistir. Claro que vai ter impactos, mas temos de definir as áreas onde não há impactos extremamente negativos na biodiversidade. A SPEA [Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves] desenvolveu mapas das áreas mais sensíveis; a nossa expectativa é que sejam levados em conta.”
Os oceanos têm estado arredados da discussão público pré-eleitoral, nomeadamente dos debates, mas Ana Matias, coordenadora de Clima da associação, reconhece que, embora sejam “os partidos tradicionalmente mais chegados à ecologia” que têm mais pontos em comum com as posições deste manifesto, foram encontradas “coisas positivas em vários programas”.
Gonçalo Ferreira de Carvalho, coordenador executivo da associação, também vê o copo meio cheio. “Temos lido algumas destas propostas nos programas eleitorais, ainda que não em todos. Estamos a fazer essa análise, e é natural que os partidos da área da ecologia partilhem mais estas visões, mas é interessante ver, por exemplo, a gestão das Áreas Marinhas Protegidas em vários programas, incluindo os da AD e da IL. A nossa ideia é incentivar e apoiar partidos que se revejam nestas prioridades.”
Apesar de admitir ser “difícil ter um partido 100% alinhado”, e que “são os suspeitos do costume em que nos revemos mais”, Gonçalo Ferreira de Carvalho sublinha que há espaço para entendimentos de uma ponta à outra do panorama político, dando o exemplo da votação sobre a moratória de mineração de mar profundo nos Açores, que foi unânime na Assembleia da República. No sentido negativo, acrescenta, “não deixa de ser sintomática” a forma como a pesca é tratada, de forma “superficial e presa à agricultura”.
Aqui ficam as 14 propostas do “manifesto azul”, que já foi enviado às candidaturas dos principais partidos.
1. Assegurar um ministério responsável pela governação do mar
2. Dotar o IPMA e os centros de investigação de recursos humanos e financeiros
3. Reconhecer o oceano como um verdadeiro aliado contra a crise climática
4. Aprovar a lei que cria a rede nacional de Áreas Marinhas Protegidas
5. Desenvolver e implementar uma estratégia de transição para uma pesca de baixo impacto
6. Apostar na monitorização e controlo da pesca e das atividades marítimas
7. Adotar uma moratória à mineração em mar profundo
8. Ratificar o Tratado do Alto Mar
9. Implementar medidas que reduzam efetivamente os resíduos que poluem o oceano.
10. Criar uma legislação para regulamentar as atividades marítimo-turísticas
11. Descarbonizar o setor do transporte marítimo
12. Desenvolver projetos de energias renováveis offshore com respeito pela natureza
13. Ordenar o espaço marítimo de forma responsável, justa e coerente
14. Implementar modelos de envolvimento e capacitação das comunidades costeiras