Desde junho deste ano que a humanidade está a viver a crédito dos recursos do planeta, um cenário que se tem vindo a repetir nos últimos anos, apesar de todos os alertas sobre a crise climática.
A 26.ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (COP26) tem feito eco aos avisos até agora feitos, e António Guterres não deixou margem para dúvidas de que é preciso agir já. “É hora de dizer basta. Basta de brutalizar a biodiversidade, basta de matarmo-nos a nós mesmos com carbono, basta de tratar a natureza como uma latrina (…) e de cavar a nossa própria sepultura”, afirmou o secretário-geral da ONU.
“Esta é a última das últimas chamadas para garantirmos que não vamos acima do 1,5 ºC”, alerta Francisco Ferreira, presidente da Zero, em declarações à VISÃO, a propósito dos primeiros dias da cimeira do clima. Numa altura em que todos os segundos contam e o futuro do clima está em debate, há ações individuais que podem ajudar a fazer a diferença. E o ponto de partida é abrandar o consumo nos mais variados setores, optando por compras menos frequentes, mas mais conscientes e de produtos e bens duradouros.
Ter atenção à origem do que se compra é também um requisito – e há cada vez mais marcas portuguesas a apostar em conceitos e produtos ecológicos e de produção sustentável -, assim como evitar ao máximo tudo o que é descartável e de utilização única. Depois, há que seguir a já velha máxima dos R: recusar, reduzir, reutilizar e reciclar.
Alimentação
Nunca se falou tanto em alimentação sustentável como nos dias de hoje, mas a verdade é que tudo o que se coloca no prato tem um impacto direto no ambiente. A origem do alimento (a maioria dos supermercados já menciona o país de origem dos alimentos, sobretudo das frutas e vegetais), a forma como é comercializado (o tipo de empacotamento e o material usado para esse fim) e a forma como viajou do produtor até ao consumidor (se de avião, camião ‘convencional’ ou camião elétrico ou híbrido, por exemplo) são aspetos a ter em conta na hora de procurar uma alimentação mais amiga do ambiente.
Mas há outros fatores a considerar, como o próprio alimento em si: a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), descreve um alimento sustentável como aquele que “é produzido com recurso a métodos de produção que respeitam o ambiente e os animais”, que é “local e sazonal adquirido diretamente aos produtores locais”, “não processado, de modo a minimizar a quantidade de recursos utilizados (p.ex. água, combustível)” e “que respeita o bem-estar do ambiente, dos animais, dos produtores e dos consumidores”.
A sazonalidade e a produção local são dois requisitos que saltam à vista e a ministra das Mudanças Climáticas do País de Gales, Julie James, diz mesmo que, no futuro, a comprar de frutas e vegetais fora de época deverá ser visto como “um luxo”, um hábito pontual e não diário.
Falar em alimentação sustentável é também falar em desperdício alimentar, um dos principais calcanhares de Aquiles da sustentabilidade nos países ocidentais – estima-se que, em Portugal, por ano, um milhão de toneladas de alimentos vá parar ao lixo, mas há formas de travar o desperdício e tudo começa com o consumo moderado e consciente do que se compra e come ao longo do dia.
A nível mundial, o desperdício alimentar é responsável pela emissão de 8% dos gases de efeito de estufa, segundo a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), que, juntamente com a Organização Mundial da Saúde (OMS), lançou um guia com recomendações governamentais que podem servir de base para aquilo que cada pessoa faz diariamente.
Nesta ligação entre a alimentação e o clima, surgiu em 2015 um novo conceito, mais concretamente, um novo padrão alimentar que tem por base a salvaguarda do planeta. A dieta climatariana assume-se como aquela que dá destaque a alimentos com menor pegada carbónica, que são classificados como sustentáveis e que prezam o bem-estar animal. A BBC tem, no seu site, uma calculadora da pegada carbónica de alguns alimentos (em inglês).
De acordo com a Associação Portuguesa de Nutrição, seguir o padrão alimentar mediterrânico (que privilegia os alimentos de origem vegetal e apela a um consumo reduzido de carne, uma das indústrias mais insustentáveis) é uma das formas mais eficazes de aliar a sustentabilidade à alimentação. Em 2017, o organismo lançou um e-book onde apresenta dados e conselhos sobre sustentabilidade alimentar.
Mobilidade
O fim do uso de veículos movidos a combustíveis fósseis é uma das bandeiras da COP26 e das medidas que se assume como prioritária, não só pelo ambiente, mas também pela saúde humana. Após 15 anos das últimas diretrizes, a OMS reviu os indicadores de qualidade do ar para os principais poluentes atmosféricos e passou a definir como “perigosos” os níveis de poluição do ar que eram considerados seguros até aos dias de hoje. Atualmente, os limites de segurança passam a ser mais apertados para quatro substâncias nocivas ligadas à queima de biomassa e aos combustíveis fósseis (petróleo, gás e carvão). Nesta quinta-feira foi dado um passo nesse sentido depois de mais de vinte países e instituições – incluindo Portugal – terem assumido o compromisso de deixar de financiar projetos de combustíveis fósseis até ao fim do ano de 2022.
A mobilidade verde é a grande aposta para fazer frente ao impacto dos atuais carros, mas importa ainda incluir o planeamento das viagens quando o objetivo é cuidar do futuro do ambiente. Evitar o uso do avião para viagens de curta distância, optar por transportes públicos nas viagens diárias de casa para o trabalho e vice-versa e optar por bicicletas e trotinetas em percursos pequenos e citadinos, são estratégias a ter em conta e que podem ser adotadas no imediato. Sobre a última, também na COP26, a MUBi, coligação global de organizações que defendem a mobilidade em bicicleta, publicou uma carta aberta a instar os líderes presentes na cimeira a promoverem o aumento da utilização da bicicleta, um meio de transporte que tem vindo a ganhar destaque em algumas cidades europeias (e que tem sido polémica em Lisboa).
No que diz respeito aos carros, no primeiro semestre de 2020, 11% dos carros vendidos em Portugal eram elétricos, com os veículos híbridos e 100% elétricos a ocuparem um espaço semelhante no mercado automóvel (cerca de 6% cada um no total de vendas), mas a tendência é para que este tipo de veículos se assuma como a escolha principal. A associação ZERO pede para que os novos veículos comercializados em Portugal a partir de 2035 sejam totalmente elétricos, um objetivo também partilhado pela Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos, que em setembro deste ano anunciou que foram vendidos 1 551 veículos 100% elétricos em Portugal, tendo os veículos elétricos atingido uma quota de mercado de 25%.
Energia
Na COP26 tem-se discutido o papel da energia limpa no combate à crise climática. Mais uma vez, tudo começa com o fim do uso de combustíveis fósseis, devendo seguir-se uma aposta na energia renovável – seja de fonte solar ou eólica, por exemplo. Segundo o ministro do ambiente, João Pedro Matos Fernandes, Portugal já ultrapassou os 2 gigawatts de energia elétrica produzidos a partir de fonte solar e a meta para 2030 é entre os 8 e os 9 gigawatts. No entanto, diz, e tendo em conta os projetos já licenciados “e com o que está já a acontecer no terreno”, essa meta pode ser antecipada para 2025. Na União Europeia, em 2020, as energias renováveis ultrapassaram pela primeira vez os combustíveis fósseis.
No que diz respeito aos atos diários que podem promover uma energia mais limpa, o uso de painéis solares nas habitações tem já sido uma aposta recorrente em Portugal, assim como a procura por eletrodomésticos e lâmpadas com um consumo mais eficiente.
Pegada digital
São cada vez mais as pessoas que trocam os blocos de nota em papel por blocos de nota digitais, que usam o telemóvel para todas as tarefas do dia e armazenam o seu trabalho e vida pessoal em clouds. O uso da tecnologia veio facilitar e acelerar o dia a dia, mas até isso tem impacto no ambiente.
A pegada digital ‘alimenta-se’ de toda a informação que um indivíduo coloca online, de forma propositada ou não (aqui, pode ser, por exemplo, através dos formulários de preenchimento). No entanto, quando se fala em pegada digital não está apenas em causa a privacidade de cada pessoa, está também o impacto que a massificação de informação online tem no ambiente.
Segundo o investigador Mike Hazas, da Universidade de Lancaster, cada ação feita online (upload e download de vídeos e fotos, pesquisas, preenchimento de dados, partilhas nas redes sociais, compras online, etc.) tem um custo: “Alguns gramas de dióxido de carbono são emitidos devido à energia necessária para operar os dispositivos e alimentar as redes sem fio utilizada”. Os próprios “data centers e os vastos servidores necessários para dar suporte à internet e armazenar o conteúdo a que acedemos através dela” recorrem a energia, e tendo em conta os milhões de pessoas que todos os dias acedem à internet, dá para perceber o impacto que este hábito diário tem. Diz o investigador que “a pegada de carbono dos nossos gadgets, a internet e os sistemas que os suportam respondem por cerca de 3,7% das emissões globais de gases do efeito estufa, de acordo com algumas estimativas”.
Fazer um uso mais modesto da internet (e quem sabe um detox digital de vez em quando), organizar as aplicações móveis e contas de e-mail (e desinstalar as que não são usadas) e partilhar menos informação online são formas de controlar a pegada digital.
Moda
A indústria da moda é apontada como uma das que mais impacto tem no ambiente, um efeito que se acelera e agrava à boleia da produção massificada e do fast fashion – estima-se que esta indústria seja responsável por 10% das emissões de gases com efeito de estufa. De acordo com a informação partilhada pelo Parlamento Europeu no seu site, em 2015, a indústria do têxtil e do vestuário usou 79 mil milhões de metros cúbicos de água, sendo que a produção de uma única t-shirt requer o uso de 2 700 litros de água, o equivalente ao que uma pessoa bebe em dois anos e meio.
A produção, o fabrico e o transporte são três fatores de peso nesta questão, mas há ainda que incluir o uso feito à roupa, que, por vezes, não passa de meia dúzia de utilizações, seja pela facilidade em comprar peças novas para substituir aquela, ou devido à má qualidade do produto, tornando a sua ‘vida’ menor – e o desperdício, seja de resíduos, ou de roupas já finalizadas é também uma realidade negativa neste cenário ambiental. No que diz respeito ao material usado na confeção da roupa, as microfibras são uma tendência, mas o impacto no ambiente é nefasto: meio milhão de toneladas de microfibras vai parar aos oceanos, seja por resultado da produção da peça de roupa ou pelas lavagens da mesma.
Travar o consumo desenfreado, procurar peças de materiais mais duradouros e de produção mais consciente, apoiar as marcas portuguesas – e algumas apostam mesmo na irreverência e na escolha de materiais inusitados para produzir roupa e calçado, como esta que usa borras de café -, apostar na economia circular e na compra em segunda mão são estratégias que ganham cada vez mais destaque no quotidiano de quem procura um estilo de vida ecológico.
Higiene
Apesar de a pobreza menstrual ser uma realidade e das consideradas alternativas ecológicas não serem, ainda, uma opção para muitas famílias, importa dar a conhecer o que existe para tornar a rotina de higiene mais amiga do ambiente, como é o caso dos copos e das cuecas menstruais, que se assumem como as alternativas eco aos tampões e pensos descartáveis. De acordo com um estudo da ONG Razero, em 2017, “mais de 49 mil milhões de unidades de produtos menstruais foram consumidos” na União Europeia, o que significa “cerca de 590 mil toneladas de resíduos” por ano.
No que diz respeito à higiene, combater os descartáveis é a forma mais eficaz de zelar pelo meio ambiente. A toalhitas de limpeza de pele ou desmaquilhantes são de evitar, assim como os discos de algodão, podendo ser substituídos por toalhas de rosto reutilizáveis. Os cosméticos com microplásticos (esfoliantes de rosto e corpo, por exemplo) são também há muito vistos como inimigos do ambiente e, este ano, foi aprovado um decreto-lei que “proíbe a colocação no mercado de determinados produtos cosméticos e detergentes que contenham microesferas de plástico”.
Hoje em dia há já cotonetes reutilizáveis e as escovas de dentes de bambu ou com as ‘cabeças’ recarregáveis ganham destaque, assim como as pastilhas dentífricas, que usam menos água na produção e no uso e que substituem os tradicionais tubos de pasta dentífrica. A cosmética sólida é também uma tendência ecológica.