O Rock in Rio tem feito da sustentabilidade uma imagem de marca, ainda antes de ser moda – há 15 anos que o festival é neutro em carbono. E desde 2016 que se tornou também “lixo zero” (os resíduos são reciclados ou transformados em energia ou fertilizante). Uma forma de estar, para minimizar o impacto que um evento desta dimensão tem sempre, que vem das origens da própria família por detrás do Rock in Rio, diz à VISÃO Roberta Medina, vice-presidente do Festival em Lisboa, na Conversa Verde desta semana. “Está no ADN da família. O meu avô dizia que o negócio só estava bem se a cidade estivesse bem. Acreditava que a alegria fazia a economia crescer. Se sorrimos, contaminamos o mundo com o sorriso. Se estivermos mal-humorados, contaminamo-lo com mau humor. É nesse ambiente que o meu pai cresce.”
No início, o compromisso era com causas sociais. A sustentabilidade veio depois, de forma orgânica. “Quando falávamos de um mundo melhor, nas causas sociais, fazia sentido. Tudo tem de funcionar para que a sociedade seja viável: o lado social, a economia, o ambiente…”
Entretanto, quase todas as empresas passaram a falar de sustentabilidade. “Corremos o risco de descredibilizar a palavra”, avisa Roberta. Mas como se distingue o trigo do joio? Como se identifica o greenwashing? “Temos de buscar diariamente sermos mais sustentáveis. E às vezes até nem é greenwashing, mas [as ações] podem ser superficiais.”
O realismo é um bom ponto de partida. “Levar 100 mil pessoas durante quatro dias para o mesmo lugar é sustentável? Não. Temos de começar daí.” Acima de tudo, continua, há que ter em conta que o ser humano não se dá bem com revoluções na sua vida. As mudanças têm de ser graduais. “Por exemplo, a Geração Z é muito pela sustentabilidade, mas não quebra mão do fast fashion. Como é que ajustamos comportamentos? Isso leva tempo. Não sou radical. Temos de ir fazendo. Ai, ai, ai, o gasóleo… Mas o que é que acontece se acabarmos de repente com o petróleo? Tudo para! Fundamental é fazer a transição com transparência e o mais rapidamente possível. Não é impossível uma pessoa decidir que a partir de hoje só faz tudo certinho, se é que existe esse conceito de tudo certinho. Mas é um esforço muito grande.”
Roberta Medina recorda uma vez que participou numa conferência com um cientista, que perguntou à audiência quantas pessoas já tinham conseguido cumprir a sua lista de fim de ano. “Ninguém! Depois explicou que, biologicamente, o ser humano não está preparado para fazer muitas mudanças ao mesmo tempo. Não conseguimos ir mudando uma ou duas coisas de cada vez. Até que uma mudança vire um ritual… Não dá. Não dá para fazer dieta, exercício, a cambalhota, tudo ao mesmo tempo. A nossa ‘máquina’ não está preparada. Eu tenho 40 anos; durante 25 anos da minha vida, fui educada a consumir, consumir, que isso é que é legal. É isso que nos diz a sociedade materialista. De repente, dizem-nos que não podemos. Mas não é do dia para a noite que isso muda.”
“O mercado está a adaptar-se”
Apesar de tudo, o mundo está a mudar para melhor, empurrado sobretudo pelos mais jovens, garante Roberta Medina. “Esta geração está mais preparada para mudar, sem dúvida. Já nasceram com esta conversa, neste contexto, tal como nasceram com a tecnologia. Discutem este tema na escola.” Também ajuda haver hoje mais alternativas verdes. “O mercado está a adaptar-se. A cada ano que passa, as pessoas vão tendo mais opções para serem sustentáveis, mais do que as nossas gerações.”
Mas há ainda barreiras. Um dos mais importantes é a informação. “O conhecimento é fundamental, mas um grande desafio. Às vezes, é hilariante: alguém diz que leite de aveia é que é bom; depois vem outra pessoa que te diz que não, que leite de aveia é um terror. Qual é a verdade? É muito difícil saber para que lado tenho de ir.”
Raramente as respostas são a preto e branco, e nos temas da sustentabilidade isso é particularmente verdade. “Por exemplo, plantar na Amazónia. [O Rock in Rio investiu num projeto de restauração florestal, que plantou 28 mil hectares na floresta amazónica.] Agora já estão a puxar outra bandeira, a dos biomas locais. Isto não quer dizer que plantar na Amazónia seja ruim. Tem a ver com a ordem do interesse. Temos de pensar na cadeia que impactamos. É assim que o Rock in Rio pensa. O Rock in Rio não pode ser um sucesso para dentro dos muros da cidade do rock e um inferno para os vizinhos. Não. Tem de ter um relacionamento com os moradores. Esse é um pensamento sustentável. Temos de tomar as nossas decisões valorizando quem está à nossa volta.”
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