No início do mês, um camião foi abastecido em Loures com biometano – um gás renovável, feito a partir da digestão anaeróbica de lixo orgânico. Este foi o culminar de um projeto de quatro anos da Dourogás, para transformar resíduos sólidos urbanos em combustível para veículos, com o foco em autocarros e camiões com motores a gás natural veicular (GNV), que podem usar biometano.
Na verdade, as raízes do projeto vêm de trás, diz à VISÃO Nuno Moreira, presidente da Dourogás, na Conversa Verde desta semana. “A história do biometano começou ainda quando lecionava na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, com a publicação de estudos científicos sobre o assunto”, recorda. “A minha expectativa era ser possível produzir [em Portugal] um gás para substituir o gás natural, com origem em resíduos biológicos.”
O biometano que abasteceu o camião num posto de combustível de Santo António dos Cavaleiros, concelho de Loures, foi produzido numa unidade de Mirandela, ligada à empresa Resíduos do Nordeste, e limpo depois pela Dourogás. “É matéria de resíduos transformada em combustível. A viatura de recolha traz os resíduos sólidos urbanos, despeja-os na central de valorização orgânica, que os transforma em energia capaz de movimentar o camião.”
Esta iniciativa foi uma parceria com a marca Scania e a HAVI Logistics, que abastece a McDonald’s em Portugal. “Os hambúrgueres foram transportados a gás proveniente de resíduos que, em alguns casos, sobraram dos hambúrgueres”, brinca Nuno Moreira.
Biogás de ETAR
Do ponto de vista químico, há algumas diferenças entre o biogás e o gás natural: o primeiro é constituído, em 99,9%, de metano, o segundo, 83%, e tem maior poder calorífico. Mas “qualquer equipamento que consuma gás natural pode consumir biometano com facilidade e sem nenhuma alteração”, sublinha o presidente da Dourogás. “Aliás, o camião [que foi abastecido no posto de Santo António de Cavaleiros] é de gás natural veicular.” Este combustível, distinto do mais conhecido GPL (gás de petróleo liquefeito), abastece mais de 800 viaturas por dia, nos postos da empresa.
O plano passa, agora, por substituir o mais possível o gás natural, um combustível fóssil, pelo biometano. “Queremos que a quantidade de gás que entregamos aos nossos clientes seja, no mínimo, igual à quantidade de gás renovável produzido nos nossos projetos.”
Importante é também encurtar as distâncias entre a fonte e o destino. “O biometano que foi utilizado ali percorreu 500 quilómetros. A nossa expectativa é que num futuro muito próximo percorra 500 metros. Para isso, estamos a desenvolver junto das Águas do Tejo Atlântico, uma unidade que vai tratar o biogás produzido na ETAR de Frielas, a 500 metros [do posto de Santo António dos Cavaleiros], e prepará-lo para ser usado em viaturas”, explica Nuno Moreira.
Redistribuir taxas de carbono
A transição energética passa também pelo biogás, e não só pela eletrificação da economia, garante o gestor. “O gás natural é uma fonte de transição, mas o biometano é uma fonte que pode ser explorada com mais vigor ao longo dos anos. Podemos vir a extrair biometano de resíduos florestais, por exemplo. Não é de transição: é algo que veio para ficar.”
Há até vantagens na utilização direta do biogás, em vez de o utilizar para produzir eletricidade, o seu uso mais comum. “A recuperação de energia com biometano é mais eficiente do que com eletricidade”, diz Nuno Moreira. “Quando se pega no biogás e se faz eletricidade, só se aproveita 25% ou 30% da sua energia. Se for limpo para biometano, aproveita-se mais de 95%. Há muitas unidades que produzem biogás para eletricidade que podem ser transformadas.”
Como todas as tecnologias novas, a do biometano ainda é relativamente cara. Mas, aos preços atuais do gás natural, que tem batido recordes sucessivos, o biometano já é competitivo, assegura o presidente da Dourogás. Com o gás natural a preços “normais”, acrescenta, o biogás será competitivo daqui a menos de cinco anos.
Nuno Moreira, no entanto, quer que o biometano seja incentivado através da redistribuição dos impostos verdes. “Todos os clientes de gás em Portugal pagam uma taxa de carbono. É justo que esse valor cobrado possa ser distribuído de novo para promover projetos de gás que não usem carbono. O incentivo é para ser dado a tecnologias novas que sejam capazes de ultrapassar o desafio da descarbonização. Há anos que o setor do gás paga esse valor e não recebe. É todo canalizado para a eletricidade.”
Para ouvir em Podcast: