Com os preços de eletricidade no mercado grossista ibérico a baterem recordes quase todos os dias, muita gente apontou o dedo aos custos das energias renováveis. Um bode expiatório, garante António Cunha Pereira, CEO da Ecoinside. “Numa fase inicial, as renováveis foram apresentadas como uma das razões para o aumento dos preços da eletricidade, mas não tem fundamento. A principal razão é a subida do preço do gás, que é um dos grandes combustíveis para a produção de eletricidade na Península Ibérica, e algum contributo das licenças de emissão de CO2, que também estão associadas às centrais de produção não renováveis. É por isso que a eletricidade tem ido para valores que há seis meses ninguém no seu perfeito juízo diria que seriam possíveis.”
Na Conversa Verde desta semana, o diretor-geral da empresa de renováveis e eficiência energética defendeu que a fotovoltaica é o complemento ideal para a eólica e para a hídrica. “A produção atinge o seu pico no período de verão, em que temos menos produção hídrica porque há menor caudal dos rios, e também durante o dia, enquanto a eólica tem maior produção durante a noite.” Este fluxo sazonal e diário deste triângulo de renováveis pode ser um grande fator de competitividade da Ibéria, conclui.
Apesar do atraso da fotovoltaica face às outras – “a tecnologia ganhou maturidade mais tarde”, justifica – recentemente ganhou fôlego. “Agora, a fotovoltaica é a tecnologia com mais potencial.”
Energia solar nos taludes das autoestradas
Em 2008, quando foi inaugurada com grande pompa a Central Solar da Amareleja, à época a maior do mundo, a energia fotovoltaica prometia ser imparável em Portugal. Mas acabámos por fica para trás e ser ultrapassados por países com muito menos potencial solar, como a Alemanha. Este facto deveu-se sobretudo a uma opção política, diz António Cunha Pereira. “Houve uma aposta forte na energia eólica há uma década, o que fez o solar ficar para segundo plano. É verdade que Portugal também tem um potencial eólico que outros países não têm, com serras com muitas horas de vento. Mas podia ter havido uma combinação, não tinha de ser uma ou outra.”
O solar começou a acelerar “em 2017, 2018, e continuamos em processo de aceleração”, continua. O paradigma, no entanto, devia passar mais pela produção descentralizada, em edifícios, do que pela centralizada, que vai ocupar terreno agrícola ou florestal. “A aposta em que os consumidores são também produtores resolvia uma grande fatia do consumo. A produção centralizada tem perdas na rede, além de usar território, que em Portugal é um recurso escasso. Claro que teremos sempre de ter algumas centrais de maior dimensão, mas a solução pode passar por zonas já humanizadas, em vez de zonas agrícolas ou florestais: nos taludes das autoestradas, em albufeiras… Seriam o destino ideal, porque tem pouco impacto.”
O Roteiro para a Neutralidade Carbónica aponta noutro sentido: estão previstos 7 GW de potência instalada de fotovoltaica em grandes centrais e apenas 2 GW em autoconsumo. “Não sei qual seria o rácio, mas devia haver mais potência prevista para descentralizada e menos para centralizada.” O gestor lembra que “a radiação solar que incide na zona geográfica da Área Metropolitana do Porto seria suficiente para produzir energia para o País todo.”
Quem quer energia de borla?
Quem lidera este boom do solar é o setor empresarial, o que se explica pelo facto de a energia ser produzida precisamente quando é necessária. “Nos serviços e na indústria já há uma aposta grande no autoconsumo. As empresas consomem mais energia durante o período de produção da central, enquanto em casa o perfil típico é de consumo no início do dia e à noite.”
O investimento num sistema solar paga-se, em média, ao fim de cinco anos. Mas, lembra António Cunha Pereira, “com as tarifas atuais de energia, teremos paybacks de quatro anos ou menos. Uma uma unidade industrial consegue suprir entre 25% e 40% das suas necessidades energéticas de eletricidade a partir de uma central de autoconsumo. Quando as empresas começarem a receber as faturas com esses custos de energia atualizados, vão acelerar o processo de decisão [de investir em autoconsumo].”
Para uma indústria de pequena dimensão, estima, “os investimentos rondam os €60 mil a €70 mil; uma média, gasta entre €200 e €300 mil; de grande dimensão, os valores vão de €1 milhão a €4 ou €5 milhões”.
Esta transição também tem sido impulsionada pelas soluções financeiras – têm-se multiplicado os fundos que fazem o investimento e depois recebem parte das poupanças que os clientes conseguem. A Ecoinside tem um fundo precisamente para esse propósito de €15 milhões, e já tem um milhão aplicado. “Se o cliente não quer fazer o investimento, nós fazemos a implementação da tecnologia, geramos a poupança que está prevista e partilhamos essa poupança com o cliente. Ao fim do período contratual, a tecnologia fica sem custo para a empresa”, explica o CEO da empresa.
Por exemplo, “uma central tem uma garantia de 25 anos, há partilha de receitas durante dez anos com a Ecoinside e o cliente, e depois o cliente fica com a poupança integralmente para ele. É de borla.”
Estes projetos só não se têm massificado mais devido à mentalidade portuguesa, lamenta António Cunha Pereira. “Apesar de nos EUA ser algo normal há mais de 20 anos, na Europa e em particular em Portugal é um modelo que tem tido dificuldade em entrar, porque os empresários não aceitam que outra empresa também ganhe com o seu negócio. Vencer essa barreira cultural tem sido o grande desafio.”
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