Comecemos por abordar o tema que é mais delicado: há casos de ataques de tubarão-azul (Prionace glauca) a humanos. Calculo que o leitor já esteja a imaginar-se a nadar numa praia enquanto é perseguido por um tubarão-azul, ao som daquelas notas musicais assustadoras do filme de Steven Spielberg. Mas antes de ir mais longe, convém dizer que este tipo de ataques é muito raro. Esta é uma espécie tipicamente oceânica com um comprimento máximo abaixo de quatro metros, sendo pouco frequente que o seu encontro com mergulhadores ou nadadores resulte em situações de perigo. Aliás, a nível mundial, regista-se uma média de cinco ataques fatais de tubarões por ano, geralmente protagonizados por espécies de maiores dimensões como o tubarão-branco, o tubarão-tigre ou o tubarão-touro. Tendo em conta que o mundo ainda é um sítio bastante grande, com muita gente a passar longos períodos no mar, podemos considerar que os tubarões constituem uma ameaça relativa para nós. Não estou a sugerir que desafie as estatísticas tentando dar festinhas a um tubarão-branco, mas apenas a constatar que há perigos muito maiores, tais como conduzir na segunda circular em Lisboa.
Voltando ao tubarão-azul, que também é chamado de tintureira, este predador oportunista alimenta-se sobretudo de peixes, lulas e chocos e, mais ocasionalmente, de crustáceos, pequenos tubarões, cetáceos e aves marinhas. É uma espécie com uma distribuição bastante alargada, ocorrendo na águas temperadas e tropicais de todo o mundo até aos 1160 metros de profundidade. Tem uma grande capacidade de adaptação e movimentação, fazendo migrações em que usa correntes oceânicas, e que podem atingir mais de 9000 quilómetros de distância. Esta é, também, uma das espécies de tubarão mais comercializadas nos mercados asiáticos, especialmente pelas suas barbatanas. São, ainda, capturados de forma acidental na pesca de peixes como o espadarte e o atum.
Apesar das crescentes evidências de declínio desta espécie devido à excessiva pressão da pesca, o tubarão-azul continua a ser uma espécie abundante. Tal poderá ser explicado não só pela sua distribuição alargada e plasticidade em termos de alimentação, mas também pelas caraterísticas da sua reprodução. Depois de uma gestação de 9 a 12 meses, um tubarão-azul produz uma descendência de cerca de 30 juvenis que nascem na primavera ou verão, o que é um número relativamente alto quando comparado com outros tubarões. De qualquer forma, é importante referir que 74 das 468 espécies de tubarões existentes estão atualmente ameaçadas de extinção. Uma das principais causas para a sua regressão tem a ver com o crescimento do consumo de sopa de barbatana de tubarão nos países asiáticos. Segundo a tradição popular, quem come esta sopa supostamente fica com mais apetite. Resta saber se também se fica com vontade de ter uma barbatana dorsal nas costas.
Para satisfazer esta procura, os pescadores recorrem legal ou ilegalmente a uma prática designada por finning: pescam os tubarões, cortam-lhes as suas valiosas barbatanas, e como a sua carne tem pouco valor comercial e ocupam demasiado espaço no barco, empurram-nos carinhosamente borda fora. Escusado será dizer que, não havendo hospitais subaquáticos que recuperem tubarões amputados, estes animais não sobrevivem.
Em Portugal, alguns operadores de mergulho também estão a descobrir que os tubarões-azuis podem valer mais vivos do que mortos. Esta atividade sazonal, que ocorre sobretudo no verão, tem crescido muito nas ilhas do Pico e do Faial (Açores), estando já ao nível da observação de cetáceos em termos de importância económica. Como o arquipélago tem ótimas condições para este tipo de mergulho, espera-se que esta atividade cresça nos próximos anos. Há, ainda, operadores de mergulho no Continente a mergulhar com tubarões, por exemplo, ao largo de Sesimbra. Era bom que os chineses aproveitassem estas oportunidades para os conhecer ao vivo. E de certeza que ganhariam mais apetite depois de umas horas a nadar com tubarões do que a comê-los na sopa…
Referências bibliográficas:
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