Subi ao convés pouco passava da meia noite. Os cientistas e biólogos da expedição M@rBis já se foram deitar. Após mais um dia de intensos trabalhos deram finalmente tréguas aos nomes científicos e à catalogação das amostras de espécies recolhidas para investigação e estudo.
Deixei-me conduzir até à proa pelo brilho intenso e misterioso do céu estrelado. O calmo mar algarvio afaga o Creoula e embala os meus sentidos. Na letargia de um pêndulo imaginário, fixei o olhar numa estrela que partiu intrépida para se fundir no horizonte.
As estrelas-do-mar são seres de fantasia associadas também ao imaginário infantil: parecem habitantes do céu que vieram dar cor e alegria aos nossos mares. O nome científico que as agrupa numa classe – Asteroidea, reflete essa condição? Em certos países existe a lenda de que a estrela que os Reis Magos seguiram, caiu no mar e deu origem a todas as estrelas-do-mar que hoje existem. São cerca de 1500 espécies reunidas em diversas famílias. São parte dos equinodermes (Phylum Echinodermata), que ainda compreendem outros misteriosos seres do oceano, como os ouriços, os ofiurídeos, os pepinos ou os lírios-do-mar.
A sua harmonia atraía-nos. Dora Jesus, formada em Biologia Marinha e Pescas, fala-nos uma pouco desta espécie de cinco pontas: “São bastante comuns aqui, na costa algarvia. O grande predador é o homem que insiste em recolher sobretudo as estrelas para decoração. Por serem extremamente vorazes, estas pequenas predadoras não são bem amadas pelos pescadores locais, quando recolhidas pelas redes. São predadores de moluscos, peixes, crustáceos e ouriços e consomem-nos tal como uma planta carnívora, com um abraço letal. Mas parecerem “fofinhas”, aos olhos dos banhistas e veraneantes que as podem observar nas zonas de poças de maré. Aí, as estrelas-do-mar conseguem abrir com uma força incrível, mexilhões e outros bivalves.”
Na minha mão tenho agora um exemplar de uma estrela-do-mar lindíssima; a Astropecten platyacanthus, conhecida como estrela-do-mar da areia. Os seus tons alaranjados captaram a minha atenção logo na triagem, agora que a observo em pormenor fico impressionado com tamanha beleza e perfeição. Mal posso esperar por poder fotografá-la no estúdio que criei dentro de uma tenda, com aquário e tudo. O seu dorso está coberto por infinitas e minúsculas coroas que mais parecem flores. Fantástico!
Exploro cada detalhe do seu dorso onde encontro uma zona fascinante, que é mais do que um cérebro. A esta mancha distinta a tribo da ciência que me rodeia chama placa madrepórica.
“Aqui situa-se o centro de gestão de toda a vida deste ser, é por aqui que também se libertam os gâmetas para a sua reprodução sexuada. Na ponta dos seus braços existem uma espécie de olhos, conhecidos como ocelos, que atuam como órgãos sensoriais. As estrelas podem perder os seus braços em situações de stress ou de ataques de outros predadores mas têm, no entanto, capacidade de regenerar os seus próprios braços, num verdadeiro mistério para a ciência”, explica Dora Jesus, enquanto segura na sua mão dois exemplares de ouriço-do-mar.
“Estes seres são extraordinários, a medicina explora uma das suas características; a divisão celular durante o desenvolvimento embrionário. Todo o desenvolvimento dos embriões é muito semelhante ao nosso. É tido pela ciência como modelo de estudo sobre fertilidade. No entanto o maior predador é mesmo o homem, e na Costa Vicentina é tido como um petisco. Esta tradição gastronómica pode perigar o equilíbrio do seu ecossistema”, conclui a mestre em Gestão e Conservação da Natureza.
Maravilho-me com uma das outras espécies desta família, os ofiurídeos. Um misto de estrela e aranha – a mais surpreendente poderia, se fosse verde, confundir-se com as ramificações de uma videira. Um verdadeiro regalo para a minha objetiva macro.
Tal como os investigadores que se dedicam ao estudo da família dos equinodermes e encaram o desafio da descoberta destas espécies, também eu, no campo da fotografia, procuro de forma quase infindável, captar todos os seus detalhes. Termino a sessão fotográfica, convicto que só Joana Vasconcelos conseguiria reproduzir em forma de arte algo semelhante.