Há uns tempos ouvia um familiar meu contar com entusiasmo o seu dia de pesca numa barragem. A certo ponto e brincando com o facto de se preparar para descrever algo à minha frente ao qual poderia ser mais sensível, lá falou do facto de ter apanhado três “rodinhas” e da forma como tinha lidado com eles. Ao indagar o que eram afinal “rodinhas” fiquei a saber que se tratavam de cágados, maioritariamente da espécie Mauremys leprosa (cágado-mediterrânico), que procuram o alimento destinado aos peixes, obrigando o pescador a remover o animal e repor o isco, afastando os peixes no processo.
Eu já sabia que existia a prática, por parte de alguns pescadores, de virar os cágados de pernas para o ar e de lhes colocarem uma pedra em cima, para não terem que voltar a lidar com o mesmo animal vezes sem conta, técnica que acabava por os levar à morte. Neste caso em particular essa técnica era descartada por ser considerada ineficaz, dado que os animais se tinham desembaraçado das pedras, em detrimento de uma que envolvia pendurar os cágados pelo pescoço.
Fiquei, naturalmente, chocado com a descrição, em particular por se tratar de uma espécie na qual eu e a minha equipa nos empenhamos tanto na reabilitação dos seus espécimes, muitas vezes durante vários meses ou mesmo anos. Mas, pensando um pouco melhor, na realidade o meu choque, para além da crueldade empregue no processo, teve a ver com a proximidade que eu tenho com a espécie.
Tal como aqui o pouco felizardo “rodinhas” que, na sua procura por alimento, acabou por ser apanhado por alguém que o descartou por o considerar indesejável, há muitos outros animais que veem a sua vida terminar simplesmente porque estavam no sítio errado à hora errada, tendo-se cruzando com o ser humano.
E contra mim falo quando abordo este tema. Não me considero alguém moralmente superior que está acima deste comportamento. Basta pensar em todos os insetos cuja vida terminei apenas porque não os queria no meu espaço (sendo que nem todos visavam picar-me), ou nas ratazanas que tiveram a infelicidade de entrar na minha casa. Se é verdade que me chocou a história do “rodinhas”, muitas outras descrições dos métodos de exterminação de ratos e insetos envolvendo veneno ou armadilhas com cola super aderente não me levaram, no passado, sequer a pensar nisso duas vezes.
Tal como um dia aqui já escrevi, a nossa empatia para com os animais está diretamente ligada à forma como olhamos para eles. Mas vamos mais longe do que isso. A nossa tolerância para com os mesmos diminui drasticamente, ou mesmo desaparece, quando estes interferem diretamente com o nosso estilo de vida. O mesmo ser que nos parece engraçado e peculiar num qualquer documentário, adquire o selo de indesejável a partir do momento que entra no nosso espaço, seja este qual for.
Não será fácil nem imediata a alteração do nosso comportamento instintivo de nos livrarmos de tudo aquilo que se atravessa no nosso caminho, em particular se não temos nenhuma ligação emocional para com aquilo que nos atrapalha. Mas é um passo essencial no nosso processo evolutivo que temos que dar. Processo este que, para o nosso bem e para o bem do planeta em que vivemos, não podemos de todo dar como tendo já terminado.