Solucionou-se um problema, nasceu outro. Em 1987, todos os países-membros das Nações Unidas assinaram o Protocolo de Montreal, que determinava o fim faseado dos CFC, gases que estavam a destruir a camada de ozono, abrindo um buraco sobre a Antártida. Mas os gases que os substituíram em equipamentos de refrigeração revelaram ter um impacto muito negativo num problema ambiental ainda mais sério do que o buraco do ozono: as alterações climáticas.
Os gases fluorados, também chamados de F-gases, usados hoje em grande quantidade nos frigoríficos (domésticos e industriais) e aparelhos de ar condicionado, chegam a ter um potencial de aquecimento global 23 mil vezes maior do que o dóxido de carbono, o gás com efeito de estufa mais abundante na atmosfera. Além disso, têm uma longa vida na atmosfera – há gases com uma longevidade de 50 mil anos.
Dois investigadores da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa decidiram tentar resolver parte do problema, criando dois protótipos, baseados em nanotecnologia, para recuperar o F-gás R-32, que se encontra num dos refrigerantes mais usados nos equipamentos, o R-410A. “O único processo que atualmente se aplica a estes compostos é a incineração”, explica à VISÃO a espanhola Ana Pereiro, uma das responsáveis pelo projeto KET4F-Gas, juntamente com o português João Araújo. “Com estes processos, os gases fluorados puros são separados, retirados e podem voltar a ser usados em equipamentos novos.” Os protótipos mostraram-se altamente eficazes, conseguindo recuperar 70% a 80% dos gases, com uma pureza superior a 98%. Em 10 anos, estima-se que possam ser poupados até 70% das emissões de dióxido de carbono equivalente (CO2eq.).
Um perigoso círculo vicioso
Por mais importante que seja resolver um problema ambiental, no mundo real o sucesso deste tipo de projetos estará sempre dependente dos custos. Mas Ana Pereiro garante que a sua aplicação é mais barata do que o valor comercial da mistura usada nos equipamentos novos, além de significar “uma enorme redução do impacto ambiental”. “Uma empresa de engenharia vai começar a aplicar este processo já a partir de outubro numa gestora de resíduos, a Ambigroup”, revela.
A investigadora acrescenta, no entanto, que os consumidores têm um papel importante na redução do risco de emissões no dia a dia e no encaminhamento dos eletrodomésticos obsoletos. “Os equipamentos em mau estado podem ter fugas”, diz. E no fim de vida, “as pessoas não devem deixar os equipamentos na rua, porque é-lhes retirado o cobre e outros metais com valor de mercado, libertando dessa forma os gases para a atmosfera.”
O projeto KET4F-Gas, cofinanciado pelo Programa Interreg Sudoe através do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), com a participação de entidades de Espanha, Portugal, França e Emirados Árabes Unidos, inclui ainda uma ferramenta online para que as pessoas possam procurar os gases que se encontram identificados nas etiquetas dos seus eletrodomésticos (como o frigorífico) e ver o seu impacto, medido em potencial de aquecimento global (PAG). Por exemplo, o gás R-410A tem, segundo a tabela do site, um PAG de 2 087 – ou seja, tem um efeito de estufa mais de duas mil vezes superior ao do CO2.
A União Europeia tem como objetivo reduzir em dois terços as emissões dos F-gases até 2030, substituindo-os por alternativas. Mas a tendência mundial é para o crescimento destes gases na atmosfera. Calcula-se que, em 2050, 12% das emissões totais de gases com efeito de estufa sejam de hidrofluorocarbonetos (HFC), o mais comum dos gases fluorados. Ironicamente, uma das principais razões para este aumento é a procura crescente por aparelhos de refrigeração devido ao aumento da temperatura – as pessoas compram mais destes equipamentos como forma de se adaptarem às alterações climáticas e, dessa forma, acabam por agravar o problema.