Prestes a fazer 70 anos da sua morte, em março de 2023, Estaline continua a ser uma figura central na memória coletiva russa e, simultaneamente, uma das figuras mais divisivas da História. Ditador sanguinário ou bom Generalíssimo? Por incrível que pareça, perante o facto de ter sido responsável por purgas implacáveis, fomes devastadoras e pela morte de 20 milhões de pessoas, a maioria dos russos prefere recordá-lo pela positiva – 56% dos entrevistados pela independente Levada Center, num estudo divulga no ano passado, concordaram que Estaline era um “grande líder”.
Não estão sozinhos – um pouco por todo o mundo, há ainda quem minimize ou relativize o horror dos crimes do estalinismo, perante a “bondade” dos objetivos subjacentes ao comunismo, na busca pela sociedade ideal. Várias razões explicam este olhar enviesado sobre a História, toldado por facciosismo ou ignorância. Desde logo, devido à vitória da União Soviética, presidida por Estaline, na II Guerra Mundial, que se tornou fundamental para a construção da identidade russa moderna. Mas também um desconhecimento profundo acerca do que foram realmente os anos do estalinismo, mantidos por décadas num secretismo conveniente e complacente, e em relação aos quais os dirigentes russos que lhe sucederam tiveram abordagens distintas.
Se Nikita Kruschev tentou, a partir de 1956, abrir e iniciar a desestalinização – denunciando as atrocidades no Discurso Secreto proferido no XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética –, a partir de 1964, Leonid Brejnev volta a pôr fim a este processo. É preciso esperar até à chegada de Mikhail Gorbachev, para se voltar a olhar para o passado com olhar crítico. Com o desmoronar da União Soviética sucederam-se anos de deslaçamento e caos, até que Putin assume o poder e recupera parte da visão imperialista do passado, tentando novamente reescrever os pecados de Estaline.
Perante a evidência dos horrores entretanto denunciados, e a falência do modelo histórico que durante anos foi vendido como exemplar, os comunistas internacionais que resistiram apressaram-se a explicar que o estalinismo foi um desvio da “pureza” original do marxismo-leninismo, olhando a URSS como um estado operário com deformações burocráticas, onde não se conseguia alcançar a desejada ditadura do proletariado. Uma tentativa falhada (como, aliás, todas as outras) de um ideal por alcançar.
A História, porém, faz-se com factos. E os factos conhecidos são inquestionáveis. Embora um velho adágio russo diga que o passado está sempre a mudar, e por mais que muitos ainda recusem esta ideia, Estaline e Hitler devem ocupar a mesma prateleira histórica dos ditadores sanguinários, líderes cruéis com legados e resultados devastadores.